segunda-feira, 22 de setembro de 2008

MAMMA MIA! De Phyllida Lloyd





Esse delicioso musical com canções do grupo sueco ABBA dos anos 70, estrelado por Meryl Streep começa com uma jovem atravessando em um pequeno barco o rio que está da cor do céu e cravejado por estrelas. Ela desce em frente a uma caixa de correio e posta três cartas, para diferentes homens. Próximas cenas: Um milionário pega seu carro e o chofer o leva ao aeroporto. Apressadamente um executivo toma um táxi e se dirige ao mesmo local. Outro homem da mesma idade é visto em uma moto e depois entrando em um veleiro e partindo. A linda jovem de olhos azuis claros e cabelos loiros cacheados e longos, Sofia (Amanda Seyfried), mora em uma minúscula ilha grega, provável reduto de Afrodite. É véspera de seu casamento e Sofia mora com sua mãe Donna (espetacular Meryl Streep), proprietária de um pequeno hotel, que está na verdade caindo aos pedaços, por falta de dinheiro para os reparos. É um local aconchegante, com cores suaves e claras, mas cai uma maçaneta aqui, uma veneziana ali ou a descarga não funciona. Sofia tem o sonho de conhecer seu pai, pois fora criada pela mãe, ainda solteira, que sempre se recusara a esclarecer o fato, e isso causava um vazio na vida da menina. Aos vinte anos, descobre o diário de adolescência de Donna e nele está escrito que se apaixonara perdidamente por um rapaz, mas ele voltou para a Inglaterra e nunca mais o vira. Logo em seguida, diz o diário, ela conhece outro jovem por que se enamora, contudo não dá em nada e finalmente um terceiro namoro que também desanda. Ela ficara grávida, mas Sofia não sabe de qual dos três. Urdindo um plano resolve, secretamente, convidar todos para seu casamento, pois tem certeza que o reconhecerá assim que o vir! Duas amigas desembarcam na ilha, para ajudar Sofia e participar da cerimônia. Donna também convida duas velhas amigas de adolescência para o casamento. No mesmo dia chegam os três prováveis pais da jovem e a amálgama está formada!! Eles se dirigem direto para o hotel, pensando terem sido convidados por Donna, para um casamento. Sofia resolvera não revelar sua identidade. Ao desembarcarem a jovem, mais do que depressa, os conduz através de túneis e escadas, chegando a um alçapão, onde se abre uma porta que dará para o quarto deles. Os três ficarão juntos. Donna percebe que algo estranho está acontecendo e, através de frestas e vidros opacos, acaba descobrindo-os, contudo inquietada não gosta nada do que vê. Apesar disso, se lembra com saudades de seus anos de jovem despreocupada e do quanto adorara essa época e gostara dos namorados. Suas amigas, ao saberem ficam fascinadas ao descobrir que ela ousara dormir com três homens, quase ao mesmo tempo, tornando-se o ídolo delas! Porém, agora Donna fala como sua mãe: fora uma jovem vadia e sem rumo! As companheiras de Sofia também veneram os três coroas bonitões! Essas passagens e os preparativos para a festa são recheados pelas músicas contagiantes dos Abba: Dancing Queen, The Winner Takes it All, Mamma Mia e muitas outras. As letras, claro, se adaptam como uma luva! O grupo formado por Maryl Streep e as ótimas atrizes Julie Waters e Christine Baranski faz coreografias espetaculares. Uma das partes mais divertidas do filme é quando Donna e suas companheiras revivem seus dias de glória como “Donna and The Dynamos” exibindo-se em roupas de época - botas justíssimas com enormes plataformas, calças “boca de sino” e mangas “morcego”- tudo muito regado à purpurina, brilho e forte maquilagem! Essas três amigas, apesar da idade estão em total forma física. Outra cena relevante acontece durante a festa de despedida de solteira de Sofia. O grupo de jovens junto com os homens mais maduros, portando mascaras de sátiros, dão um espetáculo, lembrando o hedonismo da civilização grega! As jovens amigas da noiva e toda população da vila - homens, mulheres e crianças - aderem ao banquete, pois a dança é um ato libertário. Sofia encontra-se com seus prováveis pais, mas não consegue descobrir qual deles é o verdadeiro, como havia suposto no início do filme. Todos têm alguma semelhança com ela e todos querem levá-la ao altar. Conversando com Sky, seu noivo a quem tanto ama, conta sua história e o rapaz ofende-se por ela não ter confidenciado o fato a ele e a possibilidade de só os dois fazerem uma verdadeira família. Mais músicas e coreografias bem executadas. Donna encontra-se acabrunhada e muito preocupada, pois criara a filha sozinha sem precisar de ninguém e “acha que fizera um ótimo trabalho sem precisar de uma... ejaculação! ”Está sem vida sexual, mas muito feliz! Suas amigas discordam. Uma delas é uma escritora famosa e a outra uma milionária, casada diversas vezes, que continua procurando outro marido. Sam (Pierce Bronson), Bill (Stellan Skarsgard) e Harry (Colin Firth) consideram Donna maravilhosa, divertida e jovial. Os três homens gostariam muito de ser pai de Sofia, pela sua semelhança com a mãe, sua doçura e caráter. No dia tão esperado, Donna é convidada pela filha a arrumá-la. Ela queria um casamento tradicional, com os pais e os habitantes da vila, pois sem saber quem era seu verdadeiro pai sentia que algo faltava em sua vida. Durante o ritual de preparação, as duas mulheres conversam e a garota chega à conclusão que Meryl, sozinha, sempre fora sua família e que ela a levará ao altar. Essa é uma oportunidade rara e Donna lembra-se de todas as fases da vida da menina, cantando lindas melodias. Os convidados já estão acomodados e a bela Sofia, sobe em um burrico até o cume da rocha, onde se localiza a capelinha. Nesse ínterim Donna encontra seu primeiro namorado, Sam já divorciado, e lamenta que tenha fugido, porém ele havia voltado, mas ela é que não se encontrava mais na ilha. Entrando na igreja, o padre começa o casamento e os pais querem participar da cerimônia, mas Donna, casualmente, revela que não sabe quem é. Dessa afirmação transcorre o final do filme e de um casamento realmente feliz. Nas últimas cenas vemos Sofia e Sky, no mesmo barquinho, com o mesmo céu estrelado e rio magnífico, partindo. “Donna and The Dynamos” voltam a cantar com suas roupas delirantes em corpos de matronas e a grande surpresa é o grupo formado pelos três namorados, agora com barriga de senhores, vestidos de roupas justas e decotadas, tão ao gosto da época, dando um verdadeiro show! Os créditos são mostrados durante o grand final!

O filme baseia-se no musical do mesmo nome, dirigido também por Phyllida Lloyd e com roteiro de Catherine Johnson. Ele revela os hits do famoso grupo sueco ABBAS, que tiveram seu auge nas décadas de 70 e 80. Foi produzido em 1999, em Londres, indo depois para os Estados Unidos, chegando a Broadway em 2001 e até hoje é um grande sucesso mundial. O elenco de famosos foi escolhido para chamar mais atenção à película. As músicas escolhidas são inesquecíveis e aqui vai o roteiro:
I Have a Dream, Gimme! Gimme! Gimme!, Honey Honey, Money Money Money, Mamma Mia, Chiquitita, Super Trouper, Dancing Queen, Our Last Summer, Voulez-Vous, SOS, Does your Mother Know, The Winner Takes it All, I Do I Do I Do I Do I Do, I Have a Dream, The Name of the Game, Take a Chance on Me e outras. Vamos ouvi-las? Vale a pena!

domingo, 7 de setembro de 2008

LINHA DE PASSE de Walter Salles





de WALTER SALLES e DANIELA THOMAS
Este drama ambientado na periferia de São Paulo é uma estória de tirar o fôlego. Vemos a tela escura por algum tempo e ouvimos um arfar, que pensei ser da pessoa atrás de mim. Aos poucos ele se intensifica e a tela mostra a imagem de Cleuza (excelente Sandra Corveloni), com as mãos na barriga de nove meses. Ela está para dar a luz. Olhando para o horizonte voltamos para uma bandeira, com milhares de mãos por baixo dela, fazendo com que se mantenha aberta. É a bandeira do Corinthians, e a expressão de seus torcedores é tensa e idolatrada. Dentre eles vemos Cleuza ajudando a segurá-la. O jogo é carregado e seu time do coração despenca para a segunda divisão. Agora temos um moto-boy, Dênis (ótimo João Baldasserini), trabalhando e dirigindo como um louco pelas ruas e viadutos de São Paulo. A câmera nos dá a sensação de estarmos em sua garupa todo o tempo. Um bonito menino mulato de seus doze anos, Reginaldo (Kaíque de Jesus Santos), sentado dentro de um ônibus, na janela, com uma expressão séria. Em uma pelada na periferia, o jovem Dario (Vinícius de Oliveira) está passando por uma peneira, pois seu grande sonho é ser jogador de futebol. Em uma igreja evangélica vemos Dinho (excelente José Geraldo Rodrigues) participando de um culto religioso, com toda concentração e fé. Aqui está apresentada toda a família da viúva Cleuza, a qual está prestes a ter seu quinto filho. Sua família mora com esta empregada doméstica na periferia de São Paulo. Seus três filhos mais velhos são brancos como ela, mas o caçula é mulato e não sabe quem é o pai, para seu desespero. Os quatro são altos, magros e bem constituídos. Seus rostos têm aquela beleza que a preocupação e a pobreza imprimem: maturidade forçada. Todo o filme é feito em segmentos, pois retrata, em tempo presente, a vida desses cinco personagens como uma dança de vai e vem precisa e agradável. O clã de Cleuza é apaixonado por futebol, ela inclusive, e todos são bons de bola. Esse é um fator agregador na família. O primogênito Dênis trabalha mais do que é seguro, pois tem um filho com uma jovem que vive com a mãe. Sedutor pede sempre algo a mais para fazer à sua chefa. Precisa desesperadamente de dinheiro, pois está três meses atrasado com a pensão. Prometendo pagá-la depois que quitar a moto (faltam apenas duas prestações) ficará em dia com o pagamento. Dario vai a mais peneiras, mas sempre é recusado, apesar de jogar muito bem. Ele está tão pobre que sua chuteira tem a sola aberta. Seria impossível fazer melhor do que já faz. Reginaldo ao invés de ir à escola, fica o dia todo passeando de ônibus, sendo a coisa que mais gosta em sua vida. Observa os movimentos dos motoristas imitando-os à exaustão, no local e em casa numa Kombi destruída. Odeia ser negro e afirma à mãe que seu pai deveria ser igual a um carvão, para ser da cor que tem, tendo a mãe branca. Kaíque é um ator natural, encantador e carismático. Dinho (José G. Rodrigues em um ótimo desempenho) é empregado em um posto de gasolina, mas está sempre de terno e camisa social, pois vai todos os dias ajudar o pastor da igreja. Este faz o que pode para manter a população desprovida de bens suportar essa enorme carga, tentando passar alguma fé. Em um de seus sermões menciona que o desejo é a vontade do homem e a fé é a vontade de Deus. Essas pessoas são humanas e desejam algo mais em suas casas, um televisor, um sofá, que pagam em doze prestações suadas. Esses dois homens se entendem e se ajudam. Cleuza trabalha em uma casa rica e sua patroa ao perceber que está grávida de vários meses sugere, para seu desespero, que ela se afaste e depois de três meses volte a trabalhar. Esses personagens tão verdadeiros têm os mesmos desejos e aspirações de qualquer pessoa de outro extrato social, com a grande diferença que o dinheiro, fundamental para se estudar e mudar seu padrão de vida, não existe e é quase impossível que eles consigam se superar. Dênis é honesto, mas tem outros companheiros de trabalho que assaltam carros para viverem melhor. Sua profissão é muito discriminada e Salles aponta diversas vezes para esse fato. O pequeno Reginaldo se mete em uma encrenca na escola durante um jogo de bola e sua mãe é obrigada a ir buscá-lo. Nessa ocasião fica sabendo que ele não comparece às aulas faz muito tempo. Precisando trabalhar passa a deixá-lo com uma vizinha. Ela é mãe e pai para os filhos. Seu comportamento é ora delicado, ora violento e masculinizado e este é o que mais prevalece para poder controlar os filhos. É uma verdadeira guerreira que quer preservar a felicidade e honestidade dos filhos. Nosso jovem evangélico, apesar de acreditar em Deus e querer seguir à risca seus preceitos, se vê obrigado a satisfazer sua sexualidade com masturbação. Arrependido pede conselhos a seu amigo pastor. Sua vida é difícil como frentista, sem registro e salário certo. Uma feita, tendo sido roubado na bomba de gasolina, é insultado pelo patrão, que o chama de ladrão e o humilha de todas as formas. De tanto se conter o tempo todo, estoura com o fato e espanca o homem até que ele não se mova mais. Está sem emprego. Dario precisa dar três mil reais para o treinador de um clube se quiser começar a jogar lá. Obviamente não tem esse dinheiro, mas é levado ao banco de espera. Cleuza é despedida sem ganhar um tostão, pois não era registrada, mas continua na lida. Ao perceber o quanto seu filho queria conhecer seu pai, resolve deixar uma foto, que tirara com ele e que rasgara ao meio, para o filho ver, em baixo de sua coberta. Ele era um negro muito forte, grande e motorista de ônibus. Ela a cola com um durex, numa belíssima cena. Denis encontra-se em uma situação financeira muito difícil e resolve seguir uns motoqueiros ladrões, pegando numa caçamba a bolsa que haviam escondido ali. Dá o dinheiro ao filho e sua jovem mãe fica feliz, pois estava com o garoto doente. Isso não fora um perigo tão grande, mas ao dar a bolsa de presente para Cleuza ela abre o zíper e vê uma carteira de identidade, pedindo ao filho que a devolva, pois não quer nada roubado em sua casa. O rapaz está traumatizado por não ver nenhuma possibilidade de realizar seus sonhos e parte para roubar um carro. O roubo é mal sucedido e ele dispara com a moto, acabando por ser atropelado por um carro. O motorista desce e imediatamente o ajuda, mas um desafio passa pela mente de Denis e resolve simular um assalto com arma, pondo a mão dentro do bolso, como se fosse uma arma. O homem apavorado faz o que ele manda. Esse poder de ameaça vai se intensificando e Denis, descontrolado, o obriga a dar voltas e voltas até pararem em um local ermo e desabitado. Lá ele breca o carro e vemos o suor escorrendo em seu rosto retorcido de pavor. Não olhando o rapaz tira seu dinheiro, celular e tudo de valor e coloca em um canto do carro. Sempre sem fitá-lo. Denis grita para que olhe para ele e o veja (como um ser humano, certamente), contudo mesmo o encarando seu pavor não passa. Ordenando-lhe a sair e correr o mais rápido possível, chora de constrangimento e dor pelo que fez e pelo que representa para a maioria da sociedade. Ele poderia ser um bandido! Saindo do carro aos prantos desaparece da cena. Nesse ínterim, Dario, convocado nos últimos três minutos é indicado para marcar um pênalti. Ouvimos gritos, mas seu rosto está imutável. Dinho depois de se embebedar após a briga com seu patrão é encontrado na frente da igrejinha e, auxiliado pelo pastor, vai com outros crentes para o batismo à beira da represa. Um a um, os religiosos são imersos nas águas e quando chega o momento de um paraplégica se doar a Cristo e voltar a andar ela não o consegue, mas é consolada por Dinho, que está furioso com Deus, pois sabe machucar onde mais dói! Seguindo seu caminho vai repetindo as últimas palavras que o pastor havia dito: “andando...”. Repetindo este mantra e caminhando sem parar, consegue reaver sua fé. Reginaldo, misturando-se com alguns motoristas, no terminal de ônibus, entra, sorrateiramente, em um deles e sai guiando, primeiro aos poucos, depois com muita confiança. Assim sendo temos o pequeno jovem, com um semblante realizado guiando, pelas avenidas e viadutos da cidade, um veículo gigantesco. Voltamos para a primeira cena. Lá está Cleuza, totalmente só, arfando a espera de seu quinto filho que chegará!
O elenco trabalha em absoluta sintonia. Sandra sai consagrada de Cannes, ganhando o premio de melhor atriz. Vinícius de Oliveira também foi muito procurado por ter sido o astro de Central do Brasil e João Baldasserini é a mais nova revelação. O filme foi aplaudido em pé e com lágrimas. A fotografia é belíssima e o longa-metragem simplesmente flui, apesar da simultaneidade de cenas. Alguns críticos acham que os diretores foram demagógicos para justificar atos criminosos. Pessoalmente acredito que é muito difícil ser cem por cento honesto, e o tempo todo, em cidades muito grandes, desiguais e desumanas. Ponto para o filme!! Vale a pena conferi-lo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

PELOS MEUS OLHOS de Icíar Bollaín



Direção de Icíar Bollaín
Esse belo drama espanhol tem o título de Te Doy Mis Ojos. Veremos que ele deveria ter continuado em português também. É mais forte e significativo. As cenas iniciais da película nos mostram a cidade de Toledo e um conjunto habitacional de prédios quadrados, com tijolos a vista. É noite e uma jovem joga dentro de uma mochila três ou quatro roupas e vai imediatamente ao quarto do filho que dorme, vestindo-o às pressas. Há uma grande urgência na ação e os dois correm do apartamento dirigindo-se para outro local. Apesar da hora, eles são recebidos por Ana (Candela Penã), irmã de Pilar (ótima Laia Marull). Pilar abandonara o truculento marido Antonio (Luis Tosar, em boa atuação) para refugiar-se na casa da irmã com seu filhinho. Ana compreende muito bem a situação em que sua irmã se encontra. Sendo espancada pelo marido resolve tomar novo rumo na vida. O primeiro conselho que recebe é procurar um emprego, sendo admitida a trabalhar em um museu, recomendada por Ana que é restauradora. Contudo, Antonio ao ver-se sozinho não aceita essa condição e passa a cortejar sua mulher com presentes, bilhetes, e palavras de amor. Aproxima-se de Pilar com a promessa de estar freqüentando um grupo de ajuda para homens violentos como ele. Eles se amam, passando a encontrar-se escondidos, como um casal de namorados. Ana jamais aprovaria esses encontros e estimula sua irmã a se separar e ter vida própria. Ana está noiva de um escocês e juntas providenciam os preparativos do casamento. Agora formam uma grande família: Ana, o noivo, Pilar, Juan e sua mãe. Esta é uma mulher que sempre foi infeliz no casamento, agüentando o temperamento difícil do marido em silêncio e agora está viúva. Vinda de outra geração quer que sua filha aceite seu infortúnio de qualquer maneira. O terapeuta de Antonio é muito eficiente, simulando situações em que seus pacientes se encontram antes da ira começar. É um calor, um desconforto incontrolável. A isso ele chama de fúria, que uma vez identificada precisa ser controlada. Pensar em uma cena de paz, sair do local para encontrar-se consigo mesmo ou escrever em um diário com páginas coloridas que oferece aos clientes são subterfúgios válidos para aplacar a ira. As páginas vermelhas escuras são para os momentos de desespero. Com o assédio amoroso dando resultado, Antonio consegue que Pilar volte para ele. Esse era um amor muito sustentado “na pele” dos dois e no sexo de altíssima excitação. Eles tinham um jogo infalível em que havia uma troca de presentes, contudo eles eram seus corpos. Antonio pedia as orelhas de Pilar, seus seios, suas coxas, seus braços e ela lhes dava, inclusive seus olhos. Decide-se a voltar para seu marido, durante a festa de casamento de Ana, onde reina um clima de amor e alegria. Desentendendo-se com sua irmã, desabafa-lhe que ninguém pode saber melhor do que ela onde era seu lugar, ou seja, ao lado do marido, que havia mudado. Ana chora na festa, não de felicidade, mas pela decisão errada que Pilar tomara. O medo é uma constante na vida de Pilar. Durante os nove anos em que vivera com Antonio, no trabalho atual e em sua casa a qual retornara. Quando Antonio chega ela e o filho sempre se assustam, por não saberem em que estado ele se encontrará. A essência de Antonio não mudou apesar da busca terapêutica. Eles formam um par conflitante e imaturo. À medida que Pilar se firma no trabalho e convive com outras mulheres, adquire nova confiança que a deixa mais bonita e madura. Contudo o mesmo não ocorre com Antonio. Tendo uma auto-estima baixa e medo de perder sua mulher, fantasia situações ridículas e torna-se extremamente controlador. Esses problemas são discutidos à exaustão com o terapeuta, mas uma mudança de atitude para ele é muito angustiante. Tem medo de perder as rédeas sobre ele mesmo e seu relacionamento com sua mulher. Pilar faz um trabalho voluntário em uma igreja-museu em Toledo, mostrando os quadros aos turistas e explicando a razão pela qual eles foram pintados daquela maneira, sempre com um fundo mitológico na origem das obras. Isso ela faz com brilhantismo, pois adora pinturas antigas. Antonio não aceita, no entanto esforçando-se dá-lhe um livro de arte. Aos poucos ele vai se corroendo de ciúmes pelo sucesso de sua mulher e torna-se mais agressivo e inseguro, indo vigiá-la, no museu, durante suas explicações. O celular de Pilar não para de tocar, mas ela se esquece de ligá-lo, pois nunca tivera um. A circunstância foge do controle de ambos, quando ela é convidada a trabalhar em Madri. O sonho deles era que o mundo se acabasse, e eles fossem morar em um local bem longe de Toledo e do controle familiar, já que ele trabalhava para seu pai como vendedor Sentindo-se inferiorizado pela proposta da mulher de se mudarem para Madri, a fim de começarem uma nova vida, parte para a agressão verbal e coação. Não cedendo a seus apelos, Antonio tenta suicídio em sua presença, cortando-se com uma faca de cozinha. Levado ao hospital ele está bem, pois fora um corte superficial. Agora as duas irmãs voltam a estar unidas e Pilar, escoltada por duas amigas, entra em sua casa para fazer suas malas e pegar apenas dois enfeites que gostava muito: um prato e uma foto dela e seu pequeno Juan. Todo o resto fica com seu ex-marido. Com Juan cuidado por Ana e o marido, Pilar parte para seu novo destino. Voltaria para pegar o filho!

Sobre o filme.
Pelos Meus Olhos chega cinco anos depois, tendo arrebatado sete prêmios Goya e tornado-se referência sobre a agressão doméstica contra a mulher. Icíar Bollaín considera a violência contra a mulher um problema universal, não ocorrendo somente em países latinos. Ambienta o filme em Toledo, por julgá-la uma cidade de grande plasticidade e cercada de muros, que ajudam alcançar a sensação de claustrofobia desejada. O roteiro foi escrito em dois meses e a filmagem em outros dois. No grupo terapêutico, apenas o terapeuta e o marido reabilitado são atores, os outros são pessoas que realmente fazem parte do grupo. “Construir essas cenas e tornar verdadeiros esses homens, não apenas caricaturas, foi um das etapas mais gratificantes do processo de criação do filme” diz a diretora. A adequação dessas mulheres aos papéis é muito real e suas reações, dependendo de suas idades, precisas. Vale a pena ser conferido!