terça-feira, 23 de maio de 2017

CORRA! DE JORDAN PEELE




GET OUT, EUA, 2017, 104 MIN., SUSPENSE DE TERROR.
ELENCO:
DANIEL KALUUYA – CHRIS
ALLISON WILLIAMS – ROSE ARMITAGE
CATHERINE KEENER – DRA. ARMITAGE

Ótimo longa de suspense que relata a história de um jovem fotógrafo negro, Chris, que namora Rose, uma garota branca de família abastada. Eles têm um relacionamento muito bom e aparentemente sem problemas raciais e é exatamente sobre esse estranhamento cultural tão mascarado hoje em dia, que o filme lança um olhar crítico e atual, sob o ponto de vista de um negro que se vê ameaçado fisicamente por uma sociedade dominante branca. Quando Rose o convida para um fim de semana na casa de seus pais, sua primeira pergunta é se eles sabem que ele é negro. Isso não seria importante, diz ela, pois em sua casa trabalha um casal de funcionários negros que são tratados como pessoas da família. Durante o percurso eles atropelam um veado e o guarda que vai resgatá-los vai direto em cima de Chris. Depois do mal entendido seguem viagem e são recebidos calorosamente pelo casal. Ele é neurologista e a mãe psiquiatra que trabalha com hipnose. Rose tem um irmão caçula, bastante incomum, um homem violento, beberrão e fã de artes marciais, que provoca o rapaz. Fora isso, as coisas estão calmas até demais quando os pais anunciam que haverá uma festa na casa no dia seguinte. Sra. Armitage oferece a Chris, notando que é tabagista, uma sessão de hipnose com ela para se livrar desse hábito tão perigoso. Ele recusa e vai ao encontro de sua namorada. A noite não é tranquila para ele, lembrando-se da morte de sua mãe. No dia seguinte, os convidados da cerimônia, todos  brancos e ricos, vão chegando aos poucos e Peele já consegue nos envolver em um clima de mistério e suspense. Chris fica de olho nos empregados, pessoas estranhas, e, por acaso vê um jovem jazzista negro, desaparecido há tempos, acompanhado de uma senhora com o dobro de sua idade. Ele está diferente e com roupas completamente distintas das que usava. Chris telefona para seu melhor amigo, oficial do TSA, relatando o fato. Sua opinião desde o início era de que não fosse, mas agora pede para que saia imediatamente, uma vez que era comum a escravidão sexual de negros por brancos. Cenas relevantes nos deixam alertas em relação a essa proporção desigual de raças. Chris sente-se totalmente desconfortável e continua tirando fotos da linda propriedade. Ao final da reunião o clima muda totalmente e o horror começa. Chris luta para sair rapidamente do local, mas as circunstâncias não permitem e um jogo perigoso começa. Ótimo suspense que evidencia o clima de hostilidade contra a comunidade negra, que sempre existiu, desde o começo da escravidão naquele país. Recomendado. Daniel Kaluuya é ótimo ator e muito convincente. Bela fotografia e cenários bem feitos. O filme fez sucesso no festival Sundance e grande bilheteria pelo  mundo.


segunda-feira, 15 de maio de 2017

O CIDADÃO ILUSTRE DE GASTÓN DUPRAT E MARIANO COHN






EL CIUDADANO ILUSTRE, ARGENTINA, 2017, 118 MIN., TRAGICOMÉDIA
ELENCO:
OSCAR MARTINEZ – DANIEL MANTOVANI
DADY BRIEVA - ANTONIO
ANDREA FRIGERIO - IRENE
O cinema argentino continua em sua trajetória de sucesso. O Cidadão Ilustre é mais uma prova disso e seu protagonista recebeu o troféu de melhor ator no Festival de Veneza e o filme  indicado a vários prêmios, inclusive Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Segundo reportagem de O Estado de São Paulo, “O Cidadão Ilustre já nasceu com o objetivo de colocar o “kirchnerismo” no espelho”, afirma seu diretor. Trata-se da trajetória de um ganhador do prêmio Nobel de Literatura, o argentino Daniel Mantovani, que, ao contrário de seu conterrâneo Jorge Luis Borges, decide aceitar a homenagem. O filme inicia com as cenas em Estocolmo, onde diante de uma enorme plateia, recebe seu premio com um discurso polêmico. Depois disso não consegue mais escrever, devido às inúmeras solicitações de palestras e aulas que é convidado a dar. Vive em Barcelona-Espanha há quase 40 anos e nunca mais voltara a sua cidade natal, Salas, de onde saiu aos 20 anos de idade, pela falta de oportunidade desse atrasado vilarejo argentino. Sua secretária lê para ele a correspondência, que despreza, mas para surpresa dela resolve aceitar um convite para participar de uma homenagem do prefeito de Salas e ser homenageado pelo povo como “cidadão ilustre”. Viaja sozinho para poder absorver o máximo possível sobre sua antiga decisão, rever velhos amigos, amores e a situação atual.  Chega quase incógnito à Argentina e depois de contratempos, alcança a cidade. Lá é levado pelo prefeito interesseiro, contra a vontade, até a prefeitura em um carro de bombeiro, sirene ligada, acenando para as pessoas que lá residiam. É recebido pela rainha de beleza da cidade e o recinto está repleto. Depois de se apresentar com uma interessante preleção, pergunta sobre algum questionamento. Uma única jovem faz duas perguntas bastante pertinentes para sua admiração, negando-as. Ao chegar ao hotel, tem a surpresa de encontrá-la esperando por ele, provando a acuidade de suas indagações com um de seus livros na mão. Eles têm um breve encontro amoroso. Encontra um velho amigo, Antonio, que acabara casando com sua namorada, Irene, por quem fora apaixonado na juventude e agora têm uma filha. A família se reúne para um almoço com alegria. Contudo apesar de todos no vilarejo o agradarem, ao mesmo tempo querem sua ajuda por motivos diferentes. A lua de mel e a comédia começam a sofrer algumas fissuras. Um forte ressentimento contra Daniel vai emergindo, pois a fonte de sua inspiração era justamente Salas e seus habitantes, alguns bastante grotescos. Antonio, finalmente, mostra-se um homem ressentido, machista, violento e provocador, o prefeito um grande oportunista querendo tirar proveito do escritor e mais um personagem perigoso que tem uma gangue a fim de acabar com ele, por não respeitar os velhos códigos políticos e sociais argentinos. O filme revela com muita clareza quais são esses códigos arcaicos, que prevalecem até hoje na América do Sul em geral e particularmente na Argentina de Peron e Kirchner. Belíssimo filme, atuações primorosas e um refletor para o que vem acontecendo abaixo da linha do Equador. Imperdível!

  

quinta-feira, 11 de maio de 2017

NORMAN: CONFIE EM MIM DE JOSEPH CEDAR





NORMAN: THE MODERATE RISE AND TRAGIC FALL OF A NEW YORK FIXER, USA-ISRAEL, 2107, 126 MIN., DRAMA.
ELENCO:
RICHARD GERE – NORMAN OPPENHEIMER
LIOR ASHKENAZI – MICHA ESHEL
CHARLOTTE GAINSBOURG – ALEX GREEN
Mais um filme primoroso para esta semana. Escrito e dirigido por Joseph Cedar, que descreve o estereótipo do “judeu que quer se dar bem em tudo”, mas essa mesma mão que machuca e ridiculariza o acariciará.  A vida desse personagem é brilhantemente representada por Richard Gere, elogiado pela crítica internacional. Norman é um senhor de sessenta e tantos anos, bem vestido com seu impecável sobretudo creme, boné xadrez, óculos e fone de ouvido, sempre ligado no seu celular, fonte de seu trabalho de pequeno lobista e faz tudo. Sua vida é um segredo e é desprezado pela comunidade judaica local. Contudo sabe todos os nomes importantes da cidade, seja da política ou sociedade, suas ligações e profissões. É uma verdadeira revista de fofocas ambulante.  Quando o filme começa, está tentando vender papéis podres para um advogado, mas poucos caem em suas armadilhas. Ocasionalmente, vê um funcionário graduado israelense e sai ao seu encalço. Quando Micha para diante da vitrine de uma caríssima loja francesa, admirando um par de sapatos, dá o bote. Chamando-o pelo nome tenta convencê-lo a entrar na loja e experimentar os sapatos. Relutante, mas acompanhado de Norman, entra e logo é levado a ver ternos, camisas e gravatas, itens que jamais poderia comprar, mesmo que tivesse o dinheiro, pela afronta que isso representaria em sua pátria. Norman não perde a ocasião e presenteia seu “amigo”, com os belíssimos sapatos. Uma vez aceitos serão eternos amigos. Passam-se três anos de amargura e Norman vê no noticiário, um par de sapatos seguindo firmemente em frente e o dono deles, obviamente, é Micha Eshel, agora lançado a primeiro ministro de Israel. Quando em visita aos Estados Unidos, arruma uma maneira de cumprimentá-lo, sempre com falcatruas. É reconhecido e muito bem recebido como seu amigo “dos sapatos caríssimos”. Uma sincera amizade nascera entre os dois e Norman vai experimentar uma subida em sua vida, ainda que passageira. A comunidade judaica os vira juntos e passam a tratá-lo de outra forma. Golpes aqui e ali, conhece uma altíssima funcionária, investigadora. Ela também recebe seu cartão e escuta suas complicadas explicações com setas e  nomes por todos os lados, mostrando seus vínculos. Isso intriga nossa querida Alex Green (Charlotte Gainsbourg). Com o tempo o governo de Micha vai se deteriorando por conta de corrupção e favores desonestos. Por exemplo, nosso caro Norman consegue que seu filho, péssimo aluno, entre na Universidade de Harvard. Norman também promete um empréstimo de sete milhões de dólares para o rabinato nova-iorquino, que seria despejado. Tudo feito com precisão. Em certo momento, Israel não pode mais tolerar as gravíssimas falhas de Micha e fica a espera de um depoimento, orquestrado por Alex Green. Para isso Micha precisaria, dolorosamente, delatar seu amigo impostor. O final é comovente, pois vemos que a amizade de Norman era muito mais sincera e no fundo era uma pessoa bastante humana. Ótimo pelo elenco fantástico e um roteiro muito bem tramado. Imperdível!!! Não deixe de notar os créditos finais, estão expostos exatamente como Norman fazia suas tramas.


terça-feira, 9 de maio de 2017

CLASH DE MOHAMED DIAB




ESHTEBACK, EGITO, 2016, 97 MIN., DRAMA
ELENCO:
NELLY KARREM
HANY ADEL
AHMED MALEK
Este deve ser um dos melhores filmes em cartaz, pois seu diretor Mohamed Diab consegue construir um microuniverso com cerca de 20 pessoas de diferentes idades, gêneros e pensamentos políticos, confinando-as em um mesmo local. Passa-se durante a queda do presidente islamita Morsi, no Cairo-Egito, um dos países árabes mais representativos. A Polícia lutava contra a Irmandade Muçulmana, que gostaria de ficar no poder. O filme começa com um camburão velho, seguindo para o centro da cidade, onde havia a confrontação entre as duas facções. No final da jornada há um verdadeiro campo de guerra e eles prendem dois jornalistas, tirando seus documentos, câmeras, enfim tudo. Um deles protesta por ser egípcio-americano, então é tratado como tal e preso à grade do veículo por uma algema. Inconsoláveis logo recebem a companhia de uma família inteira, pai, mãe e filho, logo depois um membro da Irmandade, sujeito  muito baixo e gordo, com um panela na cabeça, à guisa de capacete. Um velho com a filha adolescente também é capturado, assim como dois grandes amigos e muitos outros personagens desiguais. O camburão fica lotado de pessoas com idades e intuitos bastante diferentes que se engalfinham entre si. Seus ideais políticos são díspares demais. Nesses momentos o filme chega a ser cômico, pelas situações inusitadas e tacadas que cada um dá contra o outro. Tudo é motivo para discussão. E a porta só abre para pegar mais gente, não deixando ninguém sair. A filmagem é de dentro para fora, através das pequenas janelas gradeadas, ou, muito pouco, de fora para dentro: a visão de quem via todo aquele absurdo acontecendo. Finalmente resolvem separar os da Irmandade e os da Polícia. Um líder controla a situação. O local é exíguo, não tem água e muito menos um banheiro. O tempo vai passando e essas necessidades vão surgindo. O caos chega a um ponto que a Polícia que jogava jatos de água para dispersar a enorme multidão, o faz para dentro do caminhão, deixando todos perplexos, contudo a calma passa a reinar por um tempo. Um dos personagens está ferido, havia uma mulher enfermeira e quando vai ver o ferimento ele não deixa que o toque por ser mulher. Os dois adolescentes têm a mesma idade, um garoto e uma menina, mas muito radicais como seus pais. Comida nem pensar, água só a do esguicho do exército. Chega a noite e os ânimos se acalmam, durante a madrugada um pouco mais. O camburão finalmente parte e os deixa isolados e trancafiados. O desespero é total. A conduta deles muda de foco, pois passam a se ver mais como seres humanos do que como seres políticos. No terço restante do filme, tentam ajudar-se para sair daquela situação. O final dessa obra prima é muito interessante. Fica evidente a posição das pessoas de fora atirando uma contra as outras e dos que finalmente conseguiram escapar do camburão. Diálogos incrivelmente bem redigidos, uma direção primorosa. Absolutamente imperdível, ainda mais para os brasileiros de hoje que vivem em uma tremenda polarização politica.


quinta-feira, 4 de maio de 2017

ALÉM DAS PALAVRAS DE TERRENCE DAVIES




A QUIET PASSION, BÉLGICA, REINO UNIDO, 2016, 125 MIN., DOCUDRAMA
ELENCO:
CYNTHIA NIXON – EMILY DICKINSON
KEITH CARRADINE – MR. DICKINSON


Terrence Davies dá vida a essa grande personagem, Emily Dickinson (1830-1886), a maior poeta norte-americana do século XIX, quando ser uma poetiza era quase impensável. A literatura naquela época ficava em mãos masculinas. Emily Dickinson representa muito bem uma mulher fora do comum daqueles tempos. Era muito intelectualizada e dona de pensamentos livres, pois fora criada em um lar abastado e aberto ao mundo, apesar de ficar internada por um tempo em um colégio de freiras muito respeitado. Aos dezenove anos é quando começa o filme e a vemos não concordando com os pensamentos retrógados das freiras, desafiando-as a apresentar uma visão racional. Indo para casa passa a usufruir da companhia de sua irmã mais nova, seu irmão e seus pais. Nesse lar  onde era permitido escrever durante a madrugada, ela foi lapidando seus poemas,  razão de sua vida. Escritora compulsiva compunha quase que um verso por dia. O tempo vai passando, seu lar com problemas típicos do momento. O irmão se casa e sua mãe falece.  Esses acontecimentos fazem com que fique ainda mais reclusa. Em casa era onde se sentia bem, pois tinha consciência de não ser entendida pela sociedade e se considerava o patinho feio da família. Jamais casaria, pois nenhum marido teria a generosidade de seu pai, que a autorizava a escrever quando e como quisesse. Desse seu amor infinito nunca abriu mão. São versos densos e cheios de sabedoria. Eles vão sendo apresentados nos momentos oportunos, de acordo com o passar dos acontecimentos. Finalmente, morre seu pai, quando ela já começava a apresentar dores brutais na região lombar , seguidas de calafrios e convulsões. Todavia, sua família jamais suspeitou que estivesse tão gravemente enferma. Era uma complicação renal sem cura, nefrite, que a levaria à morte extremamente dolorosa, quando ainda tinha muitos anos pela frente para seguir seu caminho. Sua irmã, irmão e cunhada sempre permaneceram ao seu redor. Imperdível pela atuação dos atores, principalmente Cynthia Nixon, as imagens de época sem extravagâncias, mostrando a pequena New England. Não se arrependerão aqueles que lerem seus poemas, dos quais poucos foram publicados durante sua vida, mas depois de sua morte foram consagrados e editados.