sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O DESINFORMANTE de STEVEN SODERBERGH





Esse divertidíssimo filme, baseado em fatos reais descritos no livro de Kurt Eichenwald (The Informant), estreou nesta sexta-feira. O excelente Matt Demon, com muitos quilos a mais, interpreta Mack Whitacre, vice-presidente de uma poderosa corporação agrícola de derivados de milho. A firma encontra-se em péssima situação financeira devido a uma praga em suas plantações. O estudioso e aparentemente naïve Mack decide cooperar para que ela saia do vermelho. Para tanto a ADM contrata os agentes federais, a fim de que investiguem se há algum espião infiltrado entre eles. Mack, sempre usando um topete postiço, acaba trabalhando para o FBI como informante, apesar de todos os perigos que pudessem envolver tal escolha. Os agentes acreditam que resolverão crimes corporativos, pois Mack afirma haver reuniões secretas que determinam o preço do produto, que está presente em quase todos os artigos que consumimos. Existe um cartel. Esse filme apresenta várias situações que acabam se revelando completamente diferentes da realidade, pois Mack é um mentiroso compulsivo e não há limites para seus devaneios. A história pode ser dividida em “capítulos”, pois a excelente música do compositor ganhador de Oscar, Marvin Hamslisch, nos introduz a cada um deles e dá o ritmo de cada uma dessas narrativas. Os pensamentos de Mack, enquanto enfrenta situações sérias, contribuem para a delícia da comédia. Como exemplo, ele pensa em uma liquidação de gravatas, enquanto fala com os agentes do FBI. Isso é tão verdadeiro, porque cada um de nós vagueia, muitas vezes, quando confrontados com assuntos muito intricados ou relevantes. A atuação do agente Shepard (Scott Bakula), que se solidariza com nosso anti-herói é muito convincente. Todas as garantias e conselhos recebidos por Mark dos agentes federais são desprezados por ser um mitômano, que vai se afundando cada vez mais em suas próprias elucubrações. O riso é garantido pelo modo como foi roteirizado e dirigido. Mark, em verdade, é somente um personagem de um grande jogo feito pelas grandes firmas globalizadas, que para auferirem lucros cada vez maiores, passam por cima de qualquer lei ou pessoa. No final vemos Marck Whitacre com sua carequinha, na prisão, após ter cumprido pena de quatro anos e ter se graduado em mais três disciplinas. Hoje ainda trabalha e considera-se curado.
Steven Soderbergh ganhou um Oscar pelo ótimo Traffic e dirigiu dezenas de filmes interessantes, dentre eles Sexo, Mentiras e Videotape, Erin Brockovich, o atual Che, O Segredo de Berlim e o belo Bubble. Kurt Eichenwald foi indicado ao prêmio Pullitzer de melhor escritor americano. Scott Z. Burns é o roteirista.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

DEIXA ELA ENTRAR de TOMAS ALFREDSON








Este drama sueco, que engloba terror, amizade e amor, foi baseado em um romance do escritor e roteirista John A. Lindqvist. O título refere-se a uma lenda em que um vampiro só pode entrar em sua casa, se convidado. Caso contrário perecerá. Tomas Alfredson faz um belo trabalho em cima dessa novela. Na primeira cena,o céu está escuro e a neve cai suavemente. Um garoto olha através da janela a chegada de uma menina com um homem mais velho, os quais acabavam de mudar-se para o apartamento ao seu lado. Estamos em um subúrbio de Estocolmo, no ano de 1982. Oskar (magnífico Kare Hedebrant), um garoto lindo e tímido, vive com a mãe divorciada e é diariamente espancado em sua escola por três colegas. Ele jamais reage, mas não por covardia e sim por sabedoria. À noite ensaia falas de como deveria reagir, segurando uma faca. Uma noite encontra-se com a vizinha Eli (maravilhosamente interpretada por Lina Leandersson) no playground da habitação e quer conhecê-la melhor, mas confessa que ela cheira mal. A garota, assim, recusa a amizade. No dia seguinte, se encontram novamente e ele diz ter 12 anos e Eli também tem 12 anos, há muito tempo. Sem saber o dia de seu aniversário ele a presenteia com seu cubo de Rubic de diferentes cores. A partir daí nasce uma amizade profunda entre as duas crianças, que são isoladas, tímidas e solitárias. Eli vive com um tutor que se incumbe de arranjar seu alimento: sangue. Sim nossa pequena heroína é uma vampira que se recusa a atacar as pessoas e é nutrida por esse personagem que mata e pendura suas vítimas para furar a veia jugular e captar o sangue. Oskar continua apanhando de seus colegas, mas é encorajado por Eli a reagir com firmeza, pois ela o ajudaria. A primeira vítima do tutor é um bêbado, cujo corpo é jogado em uma poça gelada. Depois disso ele ataca novamente, mas é mal sucedido e vai parar em um hospital. Deformado pelo ácido que jogara em seu rosto, oferece seu pescoço para Eli e encontra a morte caindo pela janela. Eli é obrigada a caçar, porque se encontra desamparada. Escondida sob uma ponte pede socorro e quando a vítima aproxima-se é assaltada e morta. Seus movimentos são rápidos e animalescos. Depois de liquidá-lo, chora por sua sina amaldiçoada. Correndo ao encontro de seu amigo, deita-se em sua cama e Oskar percebe que ela não é uma menina normal. Após o banho de Eli, ele vê que em sua região púbica há uma cicatriz horizontal. (No romance original Eli é um garoto de 12 anos, que castrado vira uma vampira). Um amor especial entre eles só cresce e intensifica-se não importando o que sejam o de onde possam ter vindo, apesar da "menina" ser manipuladora. As cenas dos dois na mesma cama e seus diálogos são de grande sensibilidade e beleza, revelando um relacionamento que independe dos defeitos, mas por causa deles. Esses crimes vão assustando a população local e durante um feriado escolar, onde todos vão patinar, o corpo do bêbado é descoberto e a polícia chamada. Ao mesmo tempo, Oskar afrontado pelos meninos reage dando um golpe na orelha de um deles, ocasionando um grave ferimento. Eli alegra-se com o feito. Em um bar local,um casal de namorados discute sobre esses assassinatos e se desentendem, pois ele a considera fria e lamenta a morte do amigo. Ela sai enfurecida e é atacada por Eli, pálida e faminta, que estava em cima de uma árvore. Essa mulher não morre, mas recebe a maldição e, em uma cama de hospital, pede ao médico que abra a janela para que seu corpo seja consumido pelas chamas da luz e encontre a paz. As crianças são obrigadas a se separarem, pois Eli foge a procura de segurança. Anteriormente, na escola, Oskar havia tido aulas extras de educação física para tornar-se mais forte. Entretanto, no ginásio de esportes, é confrontado por Jimmy, amigo mais velho dos três garotos, que mergulha sua cabeça na água da piscina, como vingança. Lá permaneceria por três minutos. Após momentos de desespero e grande suspense, vemos pedaços de corpos afundando e uma mão que o levanta pelos cabelos. Eli viera salvá-lo! Na cena final, Oskar encontra-se dentro de um trem e a neve continua caindo suavemente. À sua frente uma grande mala está apoiada no assoalho. Ouvimos um ruído sincopado. Oskar responde em Código Morse que havia aprendido e ensinado a Eli. Já haviam se utilizado dele por várias vezes. A palavra é PUSS, que significa beijo em sueco!

Esse é um drama sensível apesar das cenas de sangue, que nunca resvalam no vulgar ou no óbvio. Trata-se de amor em sua forma puramente infantil. A interpretação das crianças é admirável, temos bons atores e com uma direção bastante firme. Mas, como observou o crítico de cinema Luciano Ramos, a sina do garoto será a mesma do tutor de Eri, pois o fim mostra isso.

INGLÓRIOS BASTARDOS de QUENTIN TARANTINO









Atenção spoilers.
Esse ótimo drama quase comédia de Tarantino fala sobre a vingança, pois segundo o diretor “É ela, não o amor, que move o mundo” e “o cinema é mais poderoso que dinamite.” (fonte Estado de São Paulo). O filme é dividido em cinco capítulos e vai de 1941 a 1944. Nas primeiras cenas do primeiro capítulo, 1941, vemos uma belíssima paisagem bucólica, no interior da França. Trata-se de uma fazenda de gado leiteiro, cujo dono LaPadite, está rachando lenha e sua jovem filha estendendo a roupa no varal. Através de um lençol ela observa um carro da SS e duas motos dirigindo-se para sua casa. Seu pai pede para que entre e fique com suas irmãs. O coronel Hans Landa (excelente Christoph Waltz) encontra-se com LaPadite e solicita entrar em sua casa, para falarem a sós. Hans tem o apelido de “Caçador de Judeus” e se orgulha disso, pois faz por merecê-lo! Ele é um estudioso da conduta humana, mas um homem prepotente, cruel, sarcástico, manipulador e algo ainda pior: é inteligente. O fazendeiro é suspeito de abrigar a família judia Dreyfus, contudo ele nega até onde consegue. Acuado pelo “Caçador”, acaba revelando o local do esconderijo desses judeus, em troca da salvação de sua família. Eles são exterminados, menos a adolescente Shosanna (Mélanie Laurent), que consegue fugir. No segundo capítulo vemos um grupo de judeu-americanos chamados “Os Bastardos”, pela sua truculência. Os soldados são chefiados pelo tenente Aldo Raine (Brad Pitt em um ótimo desempenho). Ele é descendente de índios apaches e europeus e seu modus operandi é igual ao da tribo indígena – depois de abater o inimigo trazer o escalpo! Cada um desses oito homens deverá trazer cem escalpos de nazistas do terceiro Reich, que estão dizimando, miseravelmente, a população européia. O ano salta para 1944, mas antes da libertação de Paris. Seus métodos são tão sanguinários e cruéis contra os soldados alemães, que o próprio Hitler passa a temê-los. Agora a jovem Shosanne, com nova identidade de Emmanuelle Mimieux, possui um cinema que é administrado por ela e seu namorado negro. Ela, ao conhecer um novo astro e soldado alemão, vê uma oportunidade de vingar-se pela perda de sua família. O jovem está apaixonado por ela, não é correspondido e decide que a premiere de seu filme será em seu elegante e pequeno cinema. Toda a cúpula nazista, de Hitler, Goebbels, Goering a outros influentes nazistas estariam reunidos nesse espaço, para assistirem o filme de Goebbels sobre o soldado solitário que matou sozinho 300 americanos na Itália. Ao mesmo tempo, sem saber, “Os Bastardos” arquitetam um plano para, também, dizimá-los. Uma famosa atriz alemã, a belíssima Bridget Hammersmark, que é agente dupla, desenha um modo para liquidá-los. Temos, assim, três frentes de combate que não se conhecem. Ela encontra-se, em uma taberna, com seus companheiros, mas o desenrolar dos fatos é péssimo e a jovem acaba sem um sapato e um tiro na perna. Salva por Brad Pitt juntos decidem unir-se para a “Operação Kino” em um dos mais emocionantes capítulos. O capítulo seguinte será a premiere em si, onde a tensão continua, mas cenas hilárias serão apresentadas, quando Pitt e seus companheiros tentam passar-se por italianos diante do “Caçador de Judeus” e a bela Bridget Hammersmark. Surpreendida e interrogada habilmente por Hans, que em uma atuação genial, coloca o sapato achado em seu pé, encaixando-o perfeitamente. Vemos aqui uma alusão à história infantil de Cinderela, muito bem posicionada, em situações dramáticas e brutais. Na sala de projeção, Emmanuelle está projetando o filme enquanto seu namorado tranca as portas do teatro e irá incendiá-lo com as inúmeras cópias de filmes feitos de nitrato, material altamente inflamável. Ocorre que o jovem ator nazista não resistindo ver sua atuação na matança, vai ao encontro de Emmanuelle, que tenta rechaçá-lo. São momentos de conflito que deixam o espectador grudado na história. Enquanto o filme dentro do filme desenrola-se, Hitler e Goebbels, animadamente, comentam as cenas grotescas. Entretanto no final da película, o jovem negro ateia fogo na tela com seu cigarro, deixando o público perplexo e apavorado por não ter salvação.Todos morrem nas chamas. E a guerra acaba? Outra cena clássica é apresentada nos bastidores. Desta vez é uma alusão a “Romeu e Julieta”, mas sem paixão. O final desse capítulo é ótimo, mas o próximo é ainda melhor. Hans encontra-se com Aldo, em perigo mortal, mas um acordo é imposto. O crápula,Hans Landa, iria para a América refugiar-se e lá desfrutaria de uma bela vida e, em troca, ajudaria a acabar com a guerra traindo os alemães. Aldo, recebendo ordens superiores, concorda, desacreditando a situação; assim são levados à fronteira com a Alemanha, no meio de uma floresta. Porém o “Apache” de olhos azuis não se conforma com esse final feliz para um desqualificado como o oficial nazista e resolve dar sua própria versão a esta história. Agora eu escrevo uma fábula infantil para esse momento: “meninos, não façam muitas estripulias em frente à sua mãe perversa, porque ela pode querer puni-los duramente, quando estiver esgotada.” Deste modo nosso cruel oficial alemão carregará para o resto da vida sua marca merecida.
Esse é um filme muito bem dirigido, com um elenco de primeira, cenas muito bem filmadas e bonitas, apesar da violência há humor refinado e uma trilha sonora com músicas que valorizam cada atuação. O comportamento humano é bem analisado, a sequência dos capítulos aparece para elucidar melhor a história e seu desenrolar, e a narração não tem a ver com “verdade histórica”; é uma narrativa que se encaixa perfeitamente nesse período da Segunda Guerra mundial. Para os fãs de Pitt e Tarantino é um programão!

sábado, 3 de outubro de 2009

SALVE GERAL de SÉRGIO REZENDE







Este ótimo drama, baseado em fatos verídicos acontecidos em São Paulo no ano de 2006, tem duas protagonistas de muito peso. A brilhante Andréa Beltrão vivendo Lúcia, e uma escolada advogada do PCC, Ruiva, (excelente Denise Weinberg). Esse filme deverá ser assistido sem juízo de valores, pois apesar do pano de fundo político, ele conta uma história que fará você direcionar-se somente a favor dos facinoras. Na primeira cena, vemos um belo piano de calda, sendo baixado através de uma janela de um prédio, por cordas e embrulhado em um tecido vermelho. Sua proprietária é Lúcia, que observa a descida de seu adorado piano como a sua própria descida de classe social. Viúva há cinco anos e sem nada para continuar a viver vai morar com o jovem filho, Rafa, em uma pequena casa na periferia de São Paulo. Apesar de ser advogada, dava aulas de piano, sua grande paixão, para sobreviver. No primeiro dia das mães nessa casa, onde o piano ocupava o maior espaço, Rafael mete-se num racha de carros, onde mata, acidentalmente, uma jovem e vai preso. Sua pena será de oito anos de reclusão. Essa mãe educada e amorosa terá que lidar com um mundo totalmente estranho ao seu, para livrar seu filho da prisão merecida. Por ele fará qualquer coisa e se sujeitará a tudo. Na porta da prisão, em um dia de visita, conhece uma advogada do PCC, Ruiva, que a reconhece como uma mulher em que poderia confiar e tirar proveito disso. Ruiva possuía um salão de beleza como fachada para o tráfego de drogas e administração do grupo criminoso. Depois de prestar grandes favores a Lúcia, acaba por aliciá-la a trabalhar para o partido. Lúcia tem agora a mesma preocupação: cuidar e livrar seu filho. Obrigada a vender seu piano, passa a integrar-se cada vez mais nos planos e ações da facção. Ações de corrupção da polícia, em todos os níveis, aliando-se ao PCC, são mostradas e exemplificadas. As coisas tomam tal rumo que ela é obrigada a abrir um negócio em Foz do Iguaçú, para ajudar Ruiva. Em uma de suas missões conhece um preso, chamado de Professor por sua erudição, e apaixona-se por ele. Andréa Beltrão tem uma representação contida, sofrida e apavorada, na medida certa, para essa mulher culta de classe média, que submerge no mundo do crime. Apesar de todos os sacrifícios, ela ainda é uma pessoa vibrante, necessitada de carinho e sexo. Todavia, seu amor também é assassinado. O chefe do grupo vai se livrando de seus membros, sem hesitação, à medida que se faz necessário. Eles dizem protestar contra a superlotação dos presídios, por justiça e paz. Descobertos pelos policiais de que haveria uma explosão na Bolsa de Valores e em dois aeroportos, esses homens vêm-se obrigados a reagir, mandando os líderes para uma prisão de segurança máxima. Aí se dá o Salve Geral, ou seja, quem estiver na rua atacará a sociedade civil, assim como os que estiverem presos atacarão os policiais. Sem domínio, a cidade de São Paulo vira uma praça de guerra, com bancos, escolas, delegacias, lojas e ônibus incendiados e dezenas de pessoas chacinadas, sem razão alguma. Rafa também terá de cooperar com o bando, como motorista. Nem mãe nem filho sabem que estão infiltrados nisso até o pescoço. Diante dessa metrópole desgovernada, Lúcia procura loucamente por Rafa. No filme, a polícia, finalmente, resolve entrar em um acordo com os bandidos, pois nada mais poderiam fazer. O caos estava instalado. No quarto final, Lúcia e Ruiva desentendem-se, mas Denise Weinberg tem a decência de morrer fora da casa de sua amiga. Mãe e filho reencontram-se, sem um final fechado, após terem cometido crimes gravíssimos.
Esse é um filme de grande plasticidade, imagens perfeitas, interpretações pungentes e, a meu ver, ótima direção. Não vemos apelos desnecessários. Os créditos são nas cores brancas e vermelhas e não deixem de observar, no final, que os nomes das personagens são vermelhos e dos artistas brancos, que saem aos poucos por cima do final dos nomes vermelhos. A música é erudita. Belo filme, que já provoca polêmicas. O diretor não considera o filme uma denúncia, mas sim um acontecimento social. Foi o 11 de setembro de São Paulo, afirma.