sábado, 28 de fevereiro de 2009

RUMBA –De Dominique Abel, Fiona Gordon






















França-Bélgica - Comédia
Esta jóia de filme é representada pelos próprios diretores. Trata-se de uma comédia à La Jacques Tati, onde o que importa são os movimentos absolutamente precisos e as cores e não os diálogos quase inexistentes. Começa quando Fiona, professora de inglês em uma pequena cidade, desenha um cachorro com poucas linhas no quadro negro e escreve a palavra DOG. Ela lê e pede para que seus nove alunos repitam: dog, a dog, the dog, my dog e assim por diante. Segundos depois toca o sino e as crianças saem correndo e gritando da sala de aula. Um minuto depois é a vez dos professores correrem e gritarem indo para casa, mas não Fiona e Dom, seu marido e professor de educação física. Apaixonados por músicas latinas, eles se dirigem para o ginásio da escola e começam a dançar rumba, com uma coreografia que vai do bom ao espetacular! Não há conversa. Vão para casa, comem juntos no mesmo prato, escovam os dentes juntos e vão para a cama juntos. Eles se amam e são iguais – altos, magros, esguios e estranhos. No dia seguinte levantam-se e vão para um concurso de rumba. Lá, comem um sanduíche silenciosamente até que ela dê um grito. Zero de palavras, mas vemos que se esquecera de seu vestido de malha vermelho para dançar. A ida e a volta são hilariantes, com ótimas cenas em seu pequeno carro. Chegam ao momento exato e ganham o concurso. Sem palavras. No caminho de volta, em cima de um viaduto um homem quer se matar e se prepara para morrer na linha do trem, mas ele não passa. Desce para o viaduto, então o trem passa. Corre para cima e o carro passa em baixo. Finalmente no viaduto, novamente, deixa um bilhete suicida e espera que o carro com o casal de professores o atropele e mate, contudo eles freiam e um horrível acidente acontece. O suicida não morre, mas os dois vão parar em um hospital. Ela perde um pedaço da perna e ele a memória. A partir daí preparem-se para os maiores non-sense já vistos! O ponto chave do filme, além do humor negro, é o amor que une essas duas pessoas bizarras. Ele não a reconhece e ela recebe uma perna de pau. Quando são despedidos de seus empregos, a memória mais antiga e profunda permanece e é representada por sombras escuras que bailam ao som da rumba em uma parede branca. Magnífico! Aos poucos suas vidas vão se deteriorando, mas nunca o amor deles, que supera um incêndio, um desaparecimento e uma separação de um ano. O final deste pequeno filme, 77 minutos, é excelente e é necessário esperar pelo fim dos créditos, pois o filme continua além disso. Não percam, é um aprendizado de criatividade. A dupla de diretores, ele belga e ela canadense, moram em Bruxelas e trabalham em parceria desde os anos 90. Este é o segundo longa-metragem do casal.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

MILK – A VOZ DA IGUALDADE de Gus Van Sant

















Este ótimo drama biográfico sobre Harvey Milk deu a Sean Penn o Oscar de melhor ator e também ganhou em melhor roteiro original. O filme desenha os últimos oito anos na vida desse homem corajoso e humano, primeiro homossexual assumido a ser eleito, em 1977, para um cargo público no país. Em Nova York, 1970, no seu aniversário de 40 anos, Milk conhece o jovem Scott Smith (ótimo James Franco) que se tornaria seu amante. Mudando-se para São Francisco, eles abrem um pequeno negócio, Castro Camera, no bairro do mesmo nome, onde havia toda variedade de trabalhadores de classe baixa. Sendo carismático e generoso, passa a ajudar seus vizinhos, que representavam as minorias. Eram idosos, crianças, negros, sindicalistas e principalmente os gays, muito mal vistos por toda nação. Com conselhos e discursos sempre muito pertinentes e inteligentes, torna-se a voz local das minorias, decidindo entrar para a política, pois esse seria o único meio eficaz de chamar a atenção do país sobre essas pessoas. Possuidor de muita tenacidade consegue após várias tentativas eleger-se para um cargo público. Como Supervisor Municipal abre várias frentes para sua causa gay e outros causas humanitárias, mas vai colidir com outro supervisor, o novato Dan White, um personagem obscuro tanto política como sexualmente. A cantora e aspirante a Miss América, Anita Bryant, e o conhecido senador de Orange County, Bryggs, tornam-se seus maiores inimigos, pois desejavam derrubar a garantia de direitos iguais aos homossexuais. Com admirável determinação, Milk convoca todos os gays a saírem de suas posições isoladas e escondidas e se mostrarem aos familiares e amigos, que certamente ficariam ao lado deles e votariam a favor de seus direitos. O filme, quase um documentário, mostra diversas cenas com jornais e televisão da época, como a parada gay de 1977, em São Francisco, que foi um acontecimento inesquecível pela quantidade e diversidade de indivíduos ali reunidos por ele e seus amigos. Contava com a simpatia do prefeito da cidade e outros políticos que admiravam sua inteligência e trabalho. Uma jovem lésbica, Anne (Alison Pill), foi fundamental para que suas idéias fossem patrocinadas em jornais e televisão. O filme começa com Sean Penn gravando o decorrer de sua história política, caso fosse assassinado, como foram muitos outros em sua posição. Flashbacks ajudam a elucidar o desenrolar da trama. Milk sai-se vencedor, após muitas batalhas e perdas pessoais, de sua causa pelos direitos humanos de todos os cidadãos, que lhes era garantido na Constituição e nas palavras gravadas aos pés da Estatua de Liberdade. Harvey e seu amigo prefeito, George Moscone, após essa vitória, encontram seu fim, através do enigmático católico-escoçês Dan White (Josh Brolin, indicado ao Oscar), que os assassina friamente. No final da película, vemos o destino de cada um desses personagens e seus rostos verdadeiros. Parabéns a Gus Van Sant por nos oferecer esse ótimo filme instigante.
“Harvey Bernard Milk nasceu em Woodmere, New York, Long Island, em 22 de maio de 1930, filho de William e Minerva Karns Milk. Era o filho mais novo de pais judeus lituanos e neto de um vendedor, Morris Milk, que possuía um armazém e ajudou a organizar a primeira sinagoga na área. Quando criança, Milk era caçoado por suas orelhas salientes, nariz grande e pés desproporcionais, e tendia a chamar a atenção como um palhaço da classe. Jogou futebol na escola e desenvolveu uma paixão pela ópera. Em sua adolescência, descobriu sua homossexualidade, mas manteve-a em segredo. Milk graduou-se na Bay Shore High School, em Bay Shore, Nova York, em 1947 e frequentou a New York State College for Teachers em Albany de 1947 a 1951, formando-se em matemática. Ele escrevia para o jornal do colégio e ganhou a reputação de estudante sociável e amigável. Nenhum de seus amigos na escola ou faculdade suspeitava que ele era gay”. O ativista Cleve Jones esperou 30 anos pela história de seu amigo ser apresentada nas telas. Cleve fundou a instituição contra AIDS em São Francisco. Auxiliou o diretor Gus Van Sant a recriar aquele ambiente dos anos 70. No ano de 1977, os universitários de São Paulo saíram às ruas por Liberdades Democráticas. Os homossexuais, mulheres, negros, índios e ecologistas formaram o cenário das lutas reivindicatórias dos anos 80.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O LUTADOR de DARREN ARONOFSKY


















Esse excelente drama nos mostra a volta de um ótimo Mickey Rourke ao cinema e já lhe proporcionou o Globo de Ouro como melhor ator e indicação para o Oscar. O roteiro do filme aproxima-se muito de sua trajetória pessoal. A câmera de Aronofsky segue por quase todo o filme seu corpo musculoso até quase a deformidade, por drogas ilícitas – o que ocorreu em sua vida real como lutador profissional. Nas primeiras cenas voltamos para os anos oitenta, quando era famoso e idolatrado pela platéia com o nome de Ram. Vinte anos depois se encontra em declínio profissional, exibindo-se em shows de telecatch nos ginásios e clubes decadentes nas cercanias de New Jersey. Vivendo em um trailer, é adorado pelos garotos vizinhos. Em uma dessas lutas, que de ensaiado têm pouco, mas muito de violência e sangue, vencendo, mas muito agredido sofre um ataque cardíaco e vai parar em um hospital. Operado fica na Unidade de Terapia Intensiva e depois em um quarto individual. O médico que o operara recomenda que pare de lutar e tenha um nível médio de exercícios musculares. Os esteróides e drogas estão fora de cogitação. Sem saber o que fazer a não ser lutar, passa a intensificar seu trabalho em um supermercado, servindo frios para pessoas comuns ou idosas. Esse distanciamento de seu elemento faz com que se sinta extremamente solitário e tente engajar um namoro com uma stripper (ótima Marisa Tomei), que desejava começar uma vida bem diferente. Aconselhado por ela procura sua filha Stephanie (EvanRachelWood), que desde pequena vivera sem sua companhia. A garota a princípio o rejeita, mas numa segunda tentativa ela aquiesce, pois sentia falta da figura paterna. Nessas cenas vemos Mickey Rourke terno e generoso, com seu rosto deformado, abrandado pelo amor e medo da solidão. Ele até poderia ter boas chances de mudar de vida, mas após uma exposição que sofre por um cliente no seu atual trabalho, humilhado larga tudo e percebe que para viver ele teria de voltar a lutar e ter a adulação e delírio de seus admiradores. Entrando em uma luta de revanche contra o lutador Aiatolá, após vinte anos, encara com destemor as conseqüências que este ato desencadearia em sua vida. O filme é ótimo e é só Mickey Rourke, com pouquíssimas aparições dos outros bons artistas!

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O CASAMENTO DE RACHEL de Jonathan Demme


















Este filme forte e bem dirigido por Jonathan Demme, repleto de dramas psicológicos e sociais, tem como grande estrela Anne Hathaway (Kym) indicada para o Oscar de melhor atriz. Trata-se de um caldeirão de problemas, muito bem dosados, que reflete abrangentemente a América multirracial de hoje. A família da jovem Kym encontra-se ansiosa pelo casamento da filha mais velha (ótima Rosemarie Dewitt), estudante de psicologia, com um músico jamaicano. Além desse fator que por si só já justifica alguma angústia, Kym encontra-se em uma clínica psiquiátrica para viciados em drogas há muito tempo, e essa será sua primeira visita à sua casa desde então. No início do filme eles todos estão pisando em ovos, pois o convívio com a jovem de humor mordaz é bastante difícil. O pai, uma pessoa amorosa e dedicada, não sabe muito bem o que fazer com as duas filhas. Rachel quer atenção por ser o dia de seu casamento e Kym, por ser seu primeiro dia entre eles. Os viciados são pessoas frágeis, necessitando de atenção quase contínua. O relacionamento entre as irmãs ainda não está resolvido e ambas agem com desajeito, disputando a atenção paterna abertamente. A mãe, bem, só gosta de si mesma e já se divorciou, morando com um novo parceiro em outra casa. Kym desejava encontrar a casa mais vazia, a fim de que pudesse ter um pouco de privacidade, já que se considerava presa em uma jaula na clínica. Carol é a segunda parceira de seu pai e cuida de todos os detalhes com carinho e simpatia. Kym está continuamente pondo sua irmã e seu pai em situações constrangedoras, como no ensaio do casamento, em que Rachel é elogiada por seus padrinhos e Kym pegando o microfone fala de seus problemas, suas reuniões de doze passos para ficar sóbria e faz uma mea-culpa sarcástica. As contas ainda não estão ajustadas, principalmente com sua mãe. Ocorre que Kym, aos dezesseis anos, viciada, tomava conta de seu pequeno irmão e dirigindo após a ingestão de drogas cai em uma ponte e o menino morre afogado. Ela piora muito seu quadro depressivo, não conseguindo perdoar-se pelo seu ato irresponsável. Porém, após uma discussão com Rachel, resolve procurar a mãe e colocá-la diante de uma pergunta que não sai de sua cabeça. Quer saber o porquê de sua mãe, mesmo sabendo de seu estado deplorável, deixar para ela os cuidados do irmão. Indignada com essa terrível verdade esbofeteia a filha, que na mesma hora devolve a bofetada. Em desespero pega seu carro e tenta matar-se na mata, mas é salva pelo airbag do veículo. Na manhã seguinte, no dia do casamento, os guardas a encontram dormindo no carro e é levada para casa. Está tão fragilizada, que sua irmã ao vê-la ferida, compreende sua delicada situação e a aceita como ela é. Durante o casamento interracial, com os convidados descendentes de imigrantes vindos de diversos lugares como Ásia, Oriente Médio, África, Europa e Américas, as fortes cores das roupas se contrapõem com o preto e branco do pesado enredo. Os ânimos já serenaram, as duas irmãs estão reconciliadas e as músicas da festa não param. Desde o jazz, passando pelo rock, reggae e adivinhem – uma escola de samba - para exorcizar as culpas, as drogas e os medos inconscientes. O final é feliz, o que não faz da trama um acontecimento leve. Vamos conferi-lo?
Este belo filme define bem o multiculturalismo americano, principalmente com Obama na presidência, fazendo além de uma análise das famílias disfuncionais e referência à guerra do Iraque um retrato familiar sincero, sensível e por vezes hilário dos Buchmans e seus convidados cheios de generosidade e compreensão. O elenco é admirável pela variedade de personagens tão díspares e interessantes. Também do diretor “Filadélfia” e “O Silêncio dos Inocentes”.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

DÚVIDA de Patrick Shanley
























Esse filme forte e econômico, dirigido pelo próprio escritor da peça, fala sobre assuntos complexos dos anos sessenta. O preconceito racial, combatido por Martin Luther King e pelo presidente John Kennedy, o início da abertura da igreja católica, o falso testemunho e o poder, assuntos muito relevantes até hoje. Os atores Philip S. Hoffman, Meryl Streep, Amy Adams e Viola Davis concorrem ao Oscar de 2009 com esta película. Iniciamos no bairro nova-iorquino do Bronx, em 1964, quando o padre Flynn (ótimo P. Hoffman) faz mais um dos seus claros e famosos sermões. Sua paróquia é pobre e composta por irlandeses, italianos e negros. O colégio St. Nicholas, onde trabalha, recebe seu primeiro aluno negro, Donald Muller, por quem ele nutre um cuidado especial devido à sua fragilidade e cor de pele. Daniel é o coroinha dessa missa, juntamente com um menino branco, sendo que os dois garotos se dão muito bem. O sermão fala do assassinato de Kennedy e do sofrimento que isso provocara, formando uma corrente de dor pública, que com seus elos interligados facilitaria a superação dela. Fala também do sofrimento privado, quando não temos ninguém para nos consolar mas que isso, em si, já significava que não estávamos sozinhos, pois todos têm seus problemas pessoais. Os fiéis presentes assimilam muito bem esses esclarecimentos, mas dentre um grupo de freiras, a diretora Aloysius (fabulosa Meryl Streep em sua 15ª indicação para o Oscar) não concorda com esse raciocínio e sai em busca de alguma falha de caráter desse jovem padre carismático e moderno. Incumbe uma das irmãs, a noviça Jones (Amy Adams) para vigiar o garoto negro. Donald Muller é chamado à sacristia por Flynn, durante uma de suas aulas e volta desconcertado, com hálito de álcool. A inexperiente professora relata o caso à sua superiora, que exige uma confrontação entre os dois professores. Inicia-se aí um dos momentos mais constrangedores do filme, quando Flynn, apesar de ter prometido segredo ao garoto e ser superior hierárquico a Aloysius, é coagido a relatar o que acontecera: ele bebera o vinho da missa e tem testemunhas para comprová-lo. Não ocorrera um abuso sexual como insinuado pela diretora. Jones aceita a desculpa, mas Aloysius, com sua mente medieval, inquisitória e sua ambição pelo poder e verdade, a seu modo, fez com que Flynn cometesse uma indiscrição, um pecado que será discutido no próximo sermão. Flynn fala sobre a dúvida que pode pairar sobre qualquer pessoa e as implicações e direções que podem tomar, quando se está certo de que algo aconteceu e queremos prová-lo a qualquer preço. Aloysius escuta petrificada. Sua face é uma máscara e seu olhar desafiador um instrumento de tortura para qualquer aluno, freira ou pessoa que se coloque diante de suas ambições e métodos. Duas cenas são exemplares, a sala dos padres muito alegre e descontraída e a sala das freiras, onde a superiora intimida as idosas e doentes, assim como as jovens. O local é gélido e sem vida. Em sua busca pela “verdade” e poder ela não só persegue Flynn e Donald, como tenta aliciar a senhora Muller (magnífica Viola Davis) para essa sórdida história. Intimando-a a comparecer ao colégio para falar sobre seu filho, essa mulher pobre, forte e pragmática, não se deixa intimidar e protege seu filho, a fim de que possa terminar o ano em uma boa escola, para ter um futuro melhor e sair do jugo de seu pai que o espancava. O abuso sexual de Flynn contra o menino é uma questão fechada para ela. Para expulsá-lo da escola cometeria qualquer falta que lhe desse sustentação, e assim, em um duelo de Titãs (a melhor cena do filme), ela subjuga Flynn e sai vitoriosa! O espectador fica incomodado com a controvérsia e mais atento ao desenrolar da trama. Em seu último sermão, expulso mas não derrotado, Flynn despede-se de seus párocos, aludindo mais uma vez sobre a dúvida. Comunicativo, desce do púlpito e aperta a mão de cada um deles. Nesse final de filme, Irmã Jones chega da viagem que fizera à sua família e vendo Aloysius solitária sentada em um banco, sob a neve, questiona sobre a decisão sobre o caso Flynn. Ela saíra vitoriosa. Ocorre que para alcançar a “verdade” distanciara-se de Deus, mentindo para Flynn, a fim de obter uma nova visão sobre o jovem padre. Seria desnecessário, pois por trás de todo déspota e inquisidor[1] existe sempre um mau-caráter.
[1] Juiz da Inquisição. Antigo tribunal eclesiástico com o fim de punir crimes contra a igreja católica.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O LEITOR de Stephen Daldry



















Esse ótimo filme, baseado no livro do escritor e filósofo alemão Bernhard Schlink, ambienta-se no pós-guerra alemão dos anos 50. Como na película Dúvida o romance resvala no problema de consciência e culpa – a “culpa alemã” que acometeu muitas pessoas após o desfecho da segunda guerra mundial. A primeira cena, em 1995, nos mostra mãos que seguram um porta-óvos e uma xícara de café. Então... o maravilhoso Ralph Fiennes, como o advogado Michael, que deverá buscar sua filha, jovem adulta, que virá visitá-lo. Vamos para 1958, em uma cidade da Alemanha, Neustadt, onde mora Michael (expressivo David Kross) aos 15 anos. Ele passa mal em um bonde, mas é socorrido por uma mulher bela e misteriosa, Hanna (ótima Kate Winslet), mais velha do que ele. Após se recuperar da escarlatina que o contagiara, leva-lhe flores em agradecimento por seu gesto. A verdade é que Michael estava atraído por ela e assim começam uma relação amorosa única. Hanna, apesar de fria e rude por suas dificuldades, ensina-lhe os segredos do sexo, paixão, realidade e objetividade; em troca o garoto lhe oferece sensibilidade, juventude e cultura. Esse jovem está muito interessado em literatura e questionado pela amante sobre suas aulas, começa a levar-lhe ótimos livros que vão de Homero a Anton Tchekov, como o conto A Mulher e o Cachorro. Ocorre que ela não quer lê-los pedindo para que ele o faça, pois sua interpretação é muito convincente. Entre o casal se estabelece uma rotina de sexo e leitura, que a excita, levando-a as lágrimas de prazer e encantamento. Esse romance dura todo o verão, quando passam um fim de semana juntos, pedalando pelas maravilhosas paisagens dos campos alemãos. Lá, em uma pequena igreja Hanna se familiariza, pela primeira vez, com o couro de crianças, que cantam uma peça clássica. Ele não sabe nada sobre ela, a não ser seu nome e que trabalha como cobradora de bonde. Dedicada em seu serviço, lhe é oferecida uma promoção para o escritório. Nesse ponto do filme, o espectador atento desconfia que ela tenha um grave segredo pelo qual sente uma profunda vergonha, pois ela some, abandonado o adolescente desesperado. Pulamos para 1966, quando Michael já é um estudante de direito e participa de um seminário sobre o julgamento de seis mulheres, acusadas de matar outras 300 em Auschwitz. Durante o julgamento ele a revê, pois era uma das guardas da SS, acusadas de homicídio. No decorrer do processo ele tem a oportunidade de escutá-la e tomar conhecimento do segredo que ela tenta esconder a todo custo, causando-lhe a pena máxima de prisão perpétua. Hanna era a típica alemã simples, que acredita na execução perfeita da função que lhe fosse dada, sem ter maiores níveis de consciência e sabedoria. Constrangido, revoltado e também portador da “culpa alemã”, Michael vê-se agoniado com sua atitude que o perseguirá até o final da história. Sua vida como jovem estudante nos é revelada, assim como suas dúvidas e relacionamentos com a família e com um casamento que dura muito pouco. Adulto resolve saber sobre sua amada, e certo de saber a razão de sua pena máxima, envia-lhe um gravador e fitas gravadas sobre os livros que lia para ela. A expressão de alegria e alívio de Kate talvez valha sua indicação como melhor atriz. Passa a ser outra pessoa, mais centrada em seu processo de maturidade e humanidade. Esse tempo consumido por Michael em suas gravações será parte de sua remissão. Com a absolvição de Hanna, após vinte anos de bom comportamento, o tom do filme sobe e nosso interesse também, pois é quase uma estrada sem saída. O final mostra-se didático, pois estar em sua pele ninguém gostaria.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

NINHO VAZIO de DANIEL BURMAN













Este ótimo filme, do jovem diretor argentino de apenas 34 anos, revela o novo cinema argentino. Suas estórias giram em torno do universo familiar, algumas já apresentadas no Brasil. Apesar de sua idade Burman nos coloca em um universo que ainda não é o seu, contudo com grande maestria. A primeira cena nos mostra um grupo jantando em um restaurante. São antigos amigos da faculdade de sociologia de Martha (Cecilia Roth), casada com o dramaturgo Leonardo (ótimo Oscar Martínez). Eles já estão na meia idade, mas cada um reage de maneira diferente diante da situação comum a quase todos na mesa – o ninho vazio do título – que simboliza a saída dos filhos de casa e o momento de confrontação e análise dos cônjuges. Até então, o filme conta, todas as crises conjugais são colocadas sobre os ombros dos filhos. Durante o jantar Martha é cortejada pelos ex-colegas e elogiada. Leonardo, escritor reconhecido e vaidoso de seu talento, fica distante dos assuntos abordados, contudo fixa sua atenção em uma linda jovem que está sentada perto de sua mesa. A única pessoa a lhe interessar é um especialista em neurologia, Dr. Spivack, que também deslocado, lhe conta sobre sua nova pesquisa, em que a mente humana, envelhecida, recorda-se de situações que gostaria de ter vivenciado, mas não as tendo realizado, lembra-se delas como fatos reais. Isso impressiona o dramaturgo. Voltando ao apartamento, este se encontra absolutamente em desordem, pois os dois filhos haviam recebido amigos e a filha havia saído com o namorado, um rapaz judeu, que também escrevia. Ela não voltaria para dormir, no entanto o pai, indignado, resolve esperá-la em sua poltrona predileta e escrever, ignorando as insinuações de sua mulher, desejosa de fazer amor. Na próxima cena, damos um salto no tempo e os três filhos já saíram de casa e eles estão, finalmente, sozinhos tendo que lidar com a pequenez que se instalara em suas vidas. Martha resolve ser ativa e volta a estudar. Ele prefere voltar-se para dentro e analisar o seu cotidiano e sua história atual. Temos duas pessoas morando na mesma casa e dormindo na mesma cama, mas alienadas da vida do outro. Martha parte para a nova vida com facilidade e Leonardo a observa, com a criatividade de um homem que vive de contar estórias. O filme flui com cenas do cotidiano bastante verossímeis, com um leve toque de fantasia, como uma cena em um Shopping, onde é executado o belíssimo bolero de Ravel. Leonardo tem um breve caso com sua jovem dentista e não desiste de seu hobby preferido, o aeromodelismo. Martha se enturma com seus jovens colegas e segue feliz. Contudo, sua filha já casada e morando em Israel, após inúmeras tentativas para que seu pai leia e avalie o livro de seu marido, os convida para visitá-los, pois ele ganhara um prêmio pelo romance escrito e que só agora Leonardo se dispusera a ler. Esse quase final de filme é surpreendente e romântico, pois o casal maduro tem a oportunidade de se conhecer melhor, isso mesmo, pois alguns casais moram uma vida inteira juntos e mal se compreendem, se toleram apenas. Essas cenas finais são muito bonitas e revelam as 36 cores do deserto, segundo o diretor. A atuação de Martínez é muito boa e todo elenco revela-se competente. Se você tem mais de 50 anos, não deixe de vê-lo!