sexta-feira, 29 de agosto de 2008

SENHORES DO CRIME



DIRIGIDO POR DAVID CRONENBERG


Senhores do crime tem em seu título original Eastern Promisses um peso maior. Dirigido com grande habilidade por David Cronenberg, conta uma história soturna sobre a máfia russa. No início desse filme sombrio e muito bem compassado, vemos uma barbearia e seu dono, com carregado sotaque estrangeiro, contando os problemas de um sobrinho com dificuldades mentais a um cliente checheno, que ele barbeia. O jovem deficiente obedece cegamente ao tio, e entrando abruptamente no recinto corta em segundos a garganta da vítima, com uma navalha. Esse é um crime encomendado por Kirill (Vicent Cassel), filho do chefe da máfia russa, Semyon, (ótimo Armin Mueller-Stahl). O corpo é mutilado para que a polícia não tenha acesso às impressões digitais e à arcada dentária, (os dedos e dentes são extirpados) e depois é jogado no rio num ponto determinado. Só agora fica evidente que se trata da cidade de Londres, pois a linguajar dos personagens e o cenário não nos dão uma pista certa. O serviço sujo é feito pelo siberiano Nikolai, (excelente Viggo Mortensen), que é uma mistura de chofer e guarda-costas de Kirill, jovem medroso, inseguro e brutalizado pela maneira grotesca como é tratado por seu pai. Anna (ótima Naomi Watts) é enfermeira e parteira de um grande hospital londrino. Ao socorrer uma menina russa de 14 anos, durante um parto, perde sua paciente, ficando vivo só o bebê, uma menina, que provavelmente irá para a adoção, já que sua mãe não deixou nenhuma informação. Somente um diário em sua bolsa, escrito em cirílico, é a pista para descobrir a família da adolescente. Anna pega o diário para lê-lo e, apesar de filha de russo, não domina o idioma levando-o para casa, a fim de que seu tio o traduza. Horrorizado com o que lê, pede que ela se desfaça dele, mas Anna, que abortara recentemente, vê-se compelida a encontrar a família da criança. Através de um cartão de restaurante enfiado no meio do diário, ela vai bater às portas de um restaurante russo, pertencente ao mafioso Semyon, homem maduro com uma aparência serena, paternal e além de tudo ótimo cozinheiro. Jamais ela poderia suspeitar da armadilha que seria tramada por esse senhor atencioso de olhos muito azuis. Alegando falta de tempo para traduzir o diário, promete fazê-lo no dia seguinte. À saída Anna encontra-se com Cassel e Mortensen, que a admira discretamente e ela pressente que se simpatizará com ele. Com aspecto de gângster esse homem magro, alto, forte e com traços bem definidos, lhe dá uma carona. Durante o trajeto ela indaga se ele, eventualmente não conheceria uma menina russa, Tatiana, cujo diário continha o nome de seu patrão, citado diversas vezes. Com um semblante calmo e enigmático, não lhe oferece nenhuma informação. Nesse ambiente de más expectativas, tensão e mistério o filme de desenvolve, não nos deixando concluir corretamente nada, mas ficando a forte sensação de que algo terrível acontecerá a Anna, a seus parentes e a Cristina, o bebê.
Com o decorrer das tensas cenas, o caráter dos personagens vai se abrindo. O violento Kirill, órfão de mãe, é homossexual e odeia o pai que tanto teme e obedece. Semyon possui um restaurante de fachada, onde recebe toda a comunidade russa para importar drogas, traficar prostitutas e outras mercadorias. Ele é brutal, inclemente e poderoso, auto proclamando-se rei. Numa tentativa frustrada de estupro por parte de seu filho ele mesmo o faz na garota Tatiana, que prisioneira deles é violentada e recebe injeções diárias de heroína. O desejo da adolescente era partir da aldeiazinha russa onde morava e realizar seus sonhos na Inglaterra (Eastern Promises), todavia encontrou horror e morte. Seymon, na verdade, é o verdadeiro pai da pequena Cristina. Nikolai é totalmente imprevisível e misterioso, ora com atitudes humanas, ora com uma crueldade sem limites, como quando obedece às ordens de Smyon, sem pestanejar. Passa-nos a impressão de um homem sem auto-estima que mesmo cuspido no rosto não reage. Seus dedos, braços e corpo são cobertos por tatuagens, que segundo a tradição russa, contam a história de vida de um homem. Elas são importantíssimas, pois determinam quem você é e no que você acredita. Convidado por Semyon a fazer parte da família, por sua eficiência, Nikolai passa pelo crivo dos chefões mafiosos. Aceito, tem gravadas nos joelhos as estrelas que representam esse grupo. Numa sauna local é denunciado pelo barbeiro mafioso como sendo Kirill a dois irmãos do checheno assassinado. Ele fora mandado ao local por Seymon, na tentativa de salvar seu filho e se livrar de Nikolai que já sabia demais. Com o corpo tatuado e nu é reconhecido pelas tatuagens. Envolve-se numa luta fantástica de vida ou morte, onde a desvantagem da nudez é óbvia, conseguindo, porém, aniquilar os adversários com seus próprios punhais. Esse não é um filme de tiros, mas de assassinatos a sangue frio com armas brancas, onde prevalece a proximidade entre os personagens. Anna é inteligente, humana e honrada, querendo ser solidária com as pessoas. Sua mãe é criteriosa e preocupada com a posição de estrangeira. Seu tio, bêbado, porém um bom homem.
Em certo momento nos é revelado que o incompreensível Nikolai é, na verdade, agente secreto da Scotland Yard russa e que está numa perigosa e delicada missão para exterminar a poderosa máfia russa na Inglaterra. Seu alvo é Semyon e seu bando. Ajudando Anna a procurar a criança que fora levada do hospital, encontram-na com Kirill que tenta malogradamente afogá-la no rio, seguindo as ordens de seu pai, pois o exame de DNA revelaria a paternidade do bebê. Kirill chora ao tentar matá-la, quando é abordado por Anna e Nikolai. Conseguindo resgatar a pequena menina, consola Kirill e o convence a abandonar o grupo do velho mafioso e a formarem um novo, como sócios. Nikolai despede-se de Anna, que quer descobrir, em vão, sua verdadeira identidade, depois de se mostrarem apaixonados. Mortensen lhe diz adeus, nada mais. Um ano se passa e vemos reunidos e felizes Ana e sua família ao lado da pequena Cristina. No final abrupto do filme, está sentado numa cadeira de restaurante, nosso solitário herói Nikolai. A cena é longa e escura, com o foco de luz direcionado apenas para sua figura. Sua missão fora concluída.

JOGOS DO PODER


deMike Nichols

1980 – COMO UM DEPUTADO DO SEGUNDO ESCALÃO, UMA BILIONÁRIA SENSUAL RECÉM- CONVERTIDA AO CRISTIANISMO E UM BALOFO E ASTUTO AGENTE DA CIA CONSEGUIRAM ENGANAR OS RUSSOS E VENCER A GUERRA DO AFEGANISTÃO
Esse título que dei para JOGOS DO PODER do ótimo Mike Nichols de 76 anos é uma paródia do título do livro 1808 de Laurentino Gomes[1]. Mike juntamente com o roteirista Aaron Sorkin conseguem realizar um filme leve e interessante, baseado no livro de George Crile.
Ano 1988. Na primeira cena vemos uma cerimônia oficial americana para a entrega de uma condecoração importantíssima que nunca antes no país (no linguajar de Lula) havia sido entregue a um civil. O homenageado é o deputado Charlie Wilson (maravilhoso Tom Hanks), que a recebe com lágrimas nos olhos de tanta emoção!
Ano 1980. Em uma enorme banheira num hotel em Las Vegas, temos dois homens e três mulheres nus, bebendo champanhe e se drogando. Um deles é o deputado boa-praça do “baixo clero”, Charlie, que apesar de bêbado e drogado não perde de vista um noticiário sobre a guerra do Afeganistão, que fora invadido pelos russos na época da guerra fria, destruindo esse pequeno território. Portanto os Estados Unidos não podiam tomar qualquer passo que fosse decisivo para ajudar o país e, seus congressistas também não estavam nem um pouco interessados no assunto, aparentemente sem relevância. Charlie comunicando-se com uma exuberante, sensual e poderosa bilionária texana, Joanne (ótima Julia Roberts), recém-convertida ao culto evangélico, atende a seu pedido de tentar combaterem, juntos, a guerra no Afeganistão, pois sendo ela de extrema-direita não concorda, absolutamente, com o comunismo nem com a falta de liberdade religiosa imposta pelo regime.
Charlie é um carismático político texano, reeleito inúmeras vezes, contudo corrupto, demagogo e ao mesmo tempo bem relacionado com os demais membros do congresso, por inúmeros favores que lhes presta. Desacreditando da possibilidade de êxito nessa missão que envolve grandes planos e milhões de dólares, Charlie Wilson, mesmo assim, se esforça ao máximo para obter uma verba significante para a compra de armas. O sucesso é pífio, mas a classuda e elegantíssima Joanne, muito bem relacionada, consegue uma viagem para o Paquistão a fim de que ele se encontre com seu presidente. Testemunhando as condições dos afegãos, nos campos de refugiados - tão grande quanto a vista possa alcançar- toma a causa como própria e para solucioná-la percorre todo o congresso atrás de verbas, em troca de favores. Um agente da CIA Gust Avrakotos (ótimo Seymour Hoffman) é apresentado a Charlie e, nesse ponto, o filme torna-se um desenrolar de suspense, viagens ao oriente e conchavos entre políticos importantes de Israel, Paquistão, Egito e Estados Unidos que acabam na aquisição de um bilhão de dólares por parte de Wilson! Agora, depois de anos, nosso herói encontra-se mais amadurecido e confiante, para ajudar o massacrado Afeganistão. O responsável pela escolha das armas de guerra é um incrível jovem de 29 anos, genial e preparadíssimo, sabendo tudo sobre mísseis e material bélico. Com a chegada das novas armas os russos, já blasés com tantas vitórias, acabam abatidos e batem em retira para a Rússia, através da “Ponte da Amizade”, na fronteira da Rússia como Afeganistão. Ao país muçulmano, ainda soterrado em dificuldades, é negada a quantia de um milhão de dólares para a construção de uma nova escola. Para desespero de Charlie, agora não interessa mais aos Estados Unidos oferecer nenhuma ajuda humanitária. Voltamos para 1988, na primeira cena onde Charlie é condecorado. O filme termina aí, seguido de uma menção que as armas abandonadas teriam suprido os talibãs e a Al Qaeda. Os americanos acabaram fazendo uma verdadeira “shit”. A interpretação de Hanks é excelente, sempre com o cenho fechado e os olhos azuis com uma expressão patética de incredulidade misturada com medo. Hoffman é muito convincente no papel do bem articulado e inteligente Gust Avrakotos. Julia Roberts personificando a bilionária deslumbrada e poderosa está perfeita na sua interpretação. O filme baseado em fatos reais agrada.
[1] 1808- Best seller de Laurentino Gomes sobre a vinda da família real ao Brasil

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Todos Contra Zucker




Dirigido por DANI LEVY
Essa deliciosa comédia de Dani Levy[1] (Alles auf Zucker!) tem o típico humor judaico que é tão bom quanto o inglês. Primeira cena: um quarto de hospital com um paciente de meia idade sendo tratado por dois enfermeiros gays, que têm certeza que o enfermo em coma, está gozando da cara deles. Trata-se de JaKob Zukermann (ótimo Henry Hübchen), um safado beberrão e jogador, que tem dois filhos e uma neta com os quais mal fala. Sua mulher também é totalmente ignorada. Seu desequilíbrio leva-o, sempre, a viver nos extremos. Sempre bebendo e jogando demasiadamente (qualquer coisa!) para sobreviver e saldar suas inúmeras dívidas, não encontra espaço para mais nada. Jogador de sinuca inveterado é um dos melhores de Berlim, mas não sabe se poderá participar do torneio internacional de sinuca, por falta de dinheiro para a inscrição. Comunista vivia, antes da queda do muro de Berlim, no lado oriental onde era um famoso comentarista de esportes na televisão estatal. Tinha uma vida com a família de certa forma razoável. Após a queda do muro encontra-se sem emprego e parte para a jogatina: cartas e sinuca. Dono de um clube de “solitários”, onde não faltam mulheres seminuas, jogos e bebidas, é sócio de uma enfermeira, mas o clube terá de ser fechado por absoluta falta de controle administrativo. Esbofeteado após uma partida de cartas entra em casa sangrando e é expulso por sua mulher, que já não suporta mais vê-lo sempre no limite.
Intimado pela justiça a pagar suas dívidas de 45.000 euros, seu próprio filho, um belo rapaz gago e...gay? entrega-lhe o documento para que compareça perante o juiz. Desesperado nosso anti-herói trapalhão vai ao encontro de sua filha e neta, cujo nome esqueceu, para pedir apoio e dinheiro. Enxotado vê-se sem saída, encaminhando-se para o clube de mala e cuia. Nesse ínterim sua esposa recebe um telegrama revelando que sua mãe, que mora em Frankfurt, faleceu. De maneira que ele receberá a visita do irmão judeu ortodoxo, o qual virá para Berlim, com a família e o caixão, para enterrarem a mãe, que deixou uma herança.Porém ninguém sabe o valor e será dividida entre os dois irmãos. Há um custo para isso, eles terão de observar um luto de sete dias, com toda a família reunida, sem saírem de casa e o dinheiro só será recebido após a confraternização de toda a família. Ocorre que esta cerimônia será julgada de perto pelo rabino e seu sobrinho ultra-super-ortodoxo. Essas duas famílias tão diferentes em credo e atitudes só são parecidas em uma coisa: o desajuste familiar. Zucker e sua mulher, agora simulam viver em harmonia e procuram entender sobre o judaísmo. Sua filha lésbica, mãe de sua netinha de dez anos, não quer ajudar o pai e seu filho atrapalha-se com tudo, sendo de pouquíssima valia. Quanto ao tio, se veste de preto da cabeça aos pés, aliás, não só ele como sua obesa mulher, sua altíssima filha conquistadora e sensual e seu, também altíssimo filho super-ortodoxo. Reunidos são uma visão e tanto! Zucker encontra na filha uma aliada, pois ele precisa participar do torneio que coincide com a data do sepultamento de sua mãe. Os irmãos não se suportam e terão de resolver essa situação, de alguma maneira. As famílias se dão bem. A essa altura do filme descobrimos que a sobrinha dará em cima de seu filho até que ele ceda e perca a virgindade. Nessa idade ainda é romântico para surpresa da prima. Zucker, que alega abandono da família. Ficara sozinho na Alemanha oriental, mas por não querer largar o esporte, alegando, coitado, ter sido deixado para trás aos quatorze anos. Seu rico irmão está para lá de endividado e precisa da herança. Nosso herói e sua mulher, pasmem, passam a se dar bem. Sua filha que mora com outra mulher, há muito tempo, ama o sobrinho ortodoxo e tivera uma filha com ele há dez anos, mas ele fugiu a procura de Deus. Ao descobrir a verdade ele desmaia de emoção, mas acabarão juntos! As duas cunhadas se dão muito bem! E o campeonato mundial de sinuca? Vai muito bem. Com o apoio de sua filha esportista, Zucher entrará numa verdadeira maratona de vida ou morte, que simula nos horários dos jogos. Sempre um mal súbito o acomete e precisa ser internado no hospital, levado pela filha que o conduz diretamente ao estádio, onde se realizam os jogos. Sua amiga e sócia enfermeira se incumbe de arranjar a ambulância e todo o suporte médico. Já nas quartas de finais, mas desgastado de tanta correria, mentiras e uma droga fortíssima que tomou, acidentalmente, na casa da filha como sendo aspirina e que foi ingerido também pelo seu irmão (ficaram totalmente altos e descontraídos), perde o campeonato por atraso de vinte minutos. O ucraniano vencedor por WO propõe uma partida, no valor de cem mil euros, para que vença o melhor. Em meio a tal confusão, sua mulher resolve contar toda a verdade, que é bem aceita pela família, a qual até reúne o valor de vinte mil euros para ele entrar no embate. Supondo ter vencido, pois atingira 100 pontos, tem um enfarte e, depois de alguma descrença, encontra-se na cena inicial. Sua recuperação ocorre, pois é um lutador, mas uma desavença com seu irmão, que lhe conta que o ucraniano é quem venceu, pois ele apoiara os dois braços na mesa, tem uma síncope e ambos são internados no mesmo quarto, com a vigilância do rabino, amigo de Rebeca, que resolve dar-lhes uma segunda chance. Turrões e obstinados não se falam e o tempo já está e esgotando para fazerem as pazes e dividirem com o rabino a famosa herança em ações. Há tantas Zucker fala ao seu irmão que não desgosta dele, que até está passando a compreendê-lo melhor (o que não se diz por dinheiro) e finalmente os dois se abraçam, enrolados nos tubos de remédios espetados em seus braços. Agora chegou a hora de sabermos o valor das ações. O rabino está ansioso, pois a metade é sua, e o resto da família. O veredicto: elas não valem um centavo! Mas ajudou, e muito na reconciliação das famílias, que unidas passam a movimentar-se muito entre Frankfurt e Berlim. Ah! Esqueci de relatar: o ucraniano divide o premio ao meio e paga suas dívidas de 45.000 euros e o troco é entregue diretamente a Zucker. Final feliz!






1/3/2008
[1] Dani Levy é suíço alemão

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ



Dirigido pelos irmãos COEN

Esse ótimo filme dirigido pelos irmãos Coen tem alguns personagens principais, que são muito determinantes: o xerife, o caçador e o matador, respectivamente Tommy Lee Jones, Josh Brolin, Javier Bardem. É baseado no livro de Cormac McCarthy.
A primeira cena é uma madrugada, quase amanhecer, em um deserto no Texas. Ouvimos a voz madura de um indivíduo (Lee Jones), falando dos xerifes antigos, quando só a dignidade e moral bastavam para solucionar e prender os bandidos, sem o uso de armas e que os crimes atuais são muito difíceis de serem solucionados por envolverem outros valores. A sociedade moderna só pensa em dinheiro (muito!) e droga. À medida que ele elabora seus pensamentos o dia amanhece e vemos um caçador (Josh), mirando alguns antílopes para abatê-los. Quando um deles fica imóvel ele dispara a espingarda, mas não consegue matá-lo. O bando foge, mas ele vê um cachorro ferido e resolve investigar. O cenário é devastador. Quatro caminhonetes, paradas em círculo, totalmente metralhadas, seus ocupantes mortos, assim como um dos cachorros, o outro é o que Josh viu. Numa delas ainda resta um sobrevivente, mas ele retira sua arma e sua espingarda, sem ajudá-lo a beber um pouco de água que ele lhe pede. Vistoriando os veículos encontra uma grande carga de drogas. Intuitivo, vai ao encalço de quem pegou o dinheiro. Ao longe, vê um homem sentado sob uma árvore. Chegando lá, o encontra morto e ao seu lado uma mala repleta de dólares. Pegando a maleta e a pistola do morto segue, freneticamente, para seu trailer, despacha sua mulher para a casa da mãe, em outro local e desaparece com o dinheiro. Nesse meio tempo, ele é perseguido por Anton (Bardem), num carro roubado de um policial, assassinado friamente por ele, com um tanque de oxigênio e um compressor. Esse é seu modus operandi, sem armas e balas para deixar rastros. O matador sabia das drogas, do dinheiro e quer resgatá-los, antes que a máfia o faça. Dirige-se para o trailer do caçador, mas ao chegar encontra-o vazio. Inspeciona com calma o local, abre a geladeira e serve-se de leite. A câmera mostra sua imagem refletida numa televisão apagada. Quase todas as cenas são escuras e sombrias. Para chegar à casa de Josh, questiona a senhoria do local e ela também é cruelmente morta, no mesmo padrão. Bardem calmo, com o tubo em uma das mãos e o compressor em outra. À caça, pede informações a um senhor, dono de um pequeno negócio, que depois de interrogado e intimidado é salvo, pela moral histriônica de Bardem, num jogo de cara ou coroa, quando o velhinho acerta. A polícia, representada pelo magnífico Lee Jones, está aturdida, pois as mortes ocorrem sem balas, mas com perfurações iguais às das balas. Jones mostra toda a sua perplexidade pelos atuais assassinatos ocorridos nos Estados Unidos, pois eles aparentemente não tem sentido, é a morte pelo prazer de matar. Mais adiante conversa com outro veterano da mesma geração e admitem que isso é uma “onda” avassaladora que corre o país.
Ao mesmo tempo a máfia está atrás do dinheiro e da droga, contratando um “seguidor”, da maior competência, para identificar quem está em posse de tudo. Aparentemente é Anton Chigurh, assassino por vocação, o “matador”. Bardem prossegue em sua meta, assassinando, aleatoriamente, diversas pessoas que por acaso se deparem com ele, sem ter-lhe causado nenhum dano. O caçador, exsoldado no Vietnã, está em um motel barato, escondendo sua mala, dentro de uma tubulação de ar condicionado. Por precaução aluga o quarto imediatamente atrás deste, para ficar com posse total do tubo e também poder escutar o que ocorre no quarto da frente. O xerife já vasculhou alguns lugares e na casa de Josh senta-se no mesmo sofá do matador e chega à conclusão de que estão na pista de um homem que tomou leite. Essa cena é ótima, porque repete sua imagem refletida na mesma televisão apagada e escura, que refletiu a figura de Bardem. Anton leva com ele um aparelho, que não sabemos muito bem o que é, mas trata-se de um rastreador, conectado à maleta. Em seu carro percebe que o aparelho começa a bipar, portanto, está perto da mala. Rastreado até o motel, sai à procura dela, usando do mesmo subterfúgio de Josh: examina o mapa do hotel e reserva um quarto contíguo. Nesses momentos é luta de gato e rato, de pessoas sensíveis a pequenos detalhes. O caçador, depois de instantes tensos e perigosos, some com sua valise, deixando Bardem, outra vez sem resultados. O caçador, contudo, é atingido por uma bala de Anton e foge para o México, sangrando muito é obrigado a parar numa farmácia, que é explodida pelo matador. Bardem usa uma gola de camisa de Josh, introduzindo-a no cano de gasolina de um carro parado em frente ao local e ateia fogo nela, causando a explosão. Nesta cena, vemos Josh Brolin numa cama de hospital, visitado pelo “seguidor” da máfia tentando convencê-lo a dar-lhe a mala, que foi jogada por Moss (Josh), na fronteira entre os dois países. Ele testemunha ter visto a mala e que o melhor é fazerem um acordo, pois Anton o matará e a sua mulher. De volta ao seu hotel, o jovem seguidor é surpreendido por Bardem, que está sentado em seu quarto, com uma arma na mão. Não chegando a um acordo ele é assassinado e enquanto seu sangue escorre pelo chão, Anton levanta seus pés, os colocando sobre uma cama, para não se sujarem e atende, calmanete, ao telefone que está tocando. Esta é outra cena memorável, apesar de todo sangue que ele já derramou não quer sujar as solas das botas! É Josh na ligação, um breve diálogo ocorre e ninguém cede.
Moss vai ao encontro da mulher em El Passo, para deixar o dinheiro e ficar livre para matar Anton. Bardem, sempre em seu encalço, chega e aniquila todos que estão em volta, muitas pessoas, inclusive nosso caçador. O chefe da máfia também é morto por ele, assim como a esposa de Moss, que não entra em seu jogo e não aceita a sua perversa moral. Fugindo, seu carro colide com outro, em um semáforo, onde ele observa, pelo espelho retrovisor, dois garotos de bicicleta que o viram sair da casa da nova vítima. Seu cotovelo quebra e osso fica exposto, mas seu semblante é enigmático. Os meninos oferecem ajuda e um deles lhe dá sua camisa para servir de tipóia, ele oferece cem dólares (o dinheiro novamente)! O garoto recusa, dizendo que gosta de ajudar as pessoas, mas acaba aceitando-o e discutindo com o amigo, que a nota pertence somente a ele, pois está sem camisa e o outro não. Mais um a corromper-se nesta nova “onda ou tendência” devastadora de violência, segundo os velhos xerifes.
Bardem se safa da polícia, mais uma vez. Não aparecerá mais no filme.
Lee Jones, agora aposentado e desiludido, toma o café da manhã com sua mulher e conta-lhe que sonhou com seu pai. Foram dois sonhos. Em um ele vê seu pai, ainda vivo, vinte anos mais jovem do que ele próprio. É um momento intrigante. No outro sonho seu pai, enrolado num cobertor, passa por ele, sem vê-lo, com um chifre nas mãos contendo fogo, como fazia os antigos nos dias frios, e dirigi- se para a floresta, todavia ele sabe que não o encontrará mais. Esta cena familiar é a última do filme.
Não li o livro, mas o filme nos faculta diversas interpretações. Anton, livre, pode significar a brutalidade mundial que, atualmente, ocorre em todo o mundo. Todavia ele pode significar, a meu ver, os Estados Unidos. Sua jovem independência, mesmo antes da Queda da Bastilha, seu império, igualado ao dos romanos, sua democracia muitas vezes questionável com suas prisões fora do país com torturas iguais ou piores do que as da idade média, seu julgamento implacável do bem e do mal, invadindo os países rebeldes, sem muito querer saber da opinião de seus cidadãos. Enfim, lá existem os maiores cérebros do mundo, porque os aceitaram sem descriminações, mas existem também muitos problemas, talvez, irreconciliáveis.
Sugiro que o filme seja visto e interpretado, pois vale muito à pena!
Nota: não sou antiamericanista.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Reflexos da Inocência



De Baille Walsh
Produção Daniel Craig
Flashbacks of a Fool é um drama comovente, pois lida com as lembranças da infância e adolescência de um homem. O filme começa com uma linda música que conta resumidamente, que todos já fomos criança e devemos recordar-nos desses tempos. Primeira cena - dois meninos brincam à beira de um lago com pequenos insetos e com as hastes do mato que cresce ao seu redor. Logo em seguida vemos uma cama e a mènage a trois com um homem e duas mulheres. Seus corpos nus estão um pouco destorcidos e sombreados. O ato sexual acaba ao amanhecer, quando as duas jovens saem da opulenta mansão, construída em cima da rocha, à beira mar em Malibu. Nesse momento chega, em um carro velho, a funcionária da casa, que entrando, prepara uma bandeja com suco de laranja, café expresso e um copo com um comprimido efervescente. Chegando ao quarto de seu patrão, abre as cortinas e lhe oferece o café da manhã, reprovando-o por suas atitudes imorais. Ele é Joe Scott ( ótimoDaniel Craig) um astro de cinema hedonista e decadente. Após o banho, telefona para Apple, pedindo que lhe traga uma encomenda. Ophelia (excelente Eve) continua a censurá-lo, contudo logo chega Apple com cinco papelotes de droga. Ela é sua fornecedora. Não agüentando mais vê-lo matando-se com drogas e bebidas, Ophelia pede demissão, mas é convencida a ficar. Joe recebe um telefonema de sua mãe avisando-o que seu melhor amigo de infância, Boots, morrera e que não sabem qual o motivo. Chocado vai a um encontro com seu agente, mas acaba sendo despedido por ele, pois se tornara um peso morto com suas novas atitudes. Tenso, sem trabalho e abatido com a morte de Boots, caminha bêbado pela praia, dirigindo-se para o mar. Correndo, cai na água e nada até mais ao fundo. A câmera mostra-nos uma bela imagem de Joe boiando e sua imagem inversa, no meio do enorme Pacífico, se misturando ao brilho das ondas como estrelas no universo. A tela fica escura por um momento e retrocedemos 25 anos. Dois garotos estão se masturbando, no escuro, e quando passa um carrinho com duas meninas, vemos que estão dentro de um trem fantasma! São eles Joe e Boots, meninos normais fazendo algazarra, entretanto criados com valores familiares e pais que os educam. Estamos numa cidadezinha litorânea da Inglaterra, com suas casas envidraçadas ao pé da areia. Lá moram Joe e sua família: sua mãe, uma tia e uma irmãzinha Na vizinhança moram poucas famílias, entre elas a senhora Rogers (ótima Miriam Karlin), uma idosa solitária que não para de reclamar da educação atual, vigiando os vizinhos e a voluptuosa Evelyn (Jodhi May), com seu marido e uma filhinha amiga da irmã de Joe. Sua mãe é uma jovem viúva e conduz com amor a educação de seus dois filhos, ajudada pela irmã mais velha. O passatempo desses adolescentes dos anos 70 era ir ao fliperama, jogar bilhar ou pebolin, pescar e namorar. Os dois garotos gostam, como de praxe, da mesma menina, Ruth (Claire Forlain), uma bela morena que vive em uma linda casa. Joe tem a sorte de ser o preferido de Ruth. Os dois grandes amigos brigam por ela pela primeira vez, mas Boots sendo mais calmo controla a situação. Nesse meio tempo, Evelyn, tenta assediar Joe, que se sente orgulhoso com o fato, mas a oportunidade final é sempre cancelada pela presença de alguém que chega repentinamente. À noite, Joe vai à casa de Ruth, cujos pais estão fora, e se encanta com tudo, desde os discos, os tapetes brancos e macios e sobretudo ao fascínio que ela exerce sobre ele. Apaixonados deitam-se no tapete branco e afetuosamente discutem sobre seus livros e músicos preferidos: David Bowie e Roxy Music. A trilha sonora do filme é toda com as ótimas melodias desses dois ídolos. Uma cena encantadora é quando Ruth, nessa noite tão esperada, faz Joe vestir uma jaqueta de lantejoulas douradas e ambos imitam, numa dublagem, a coreografia de sua música predileta. “Solte os cabelos menina e sacuda seu rabo de cavalo...” diz a canção. Ao se despedirem marcam um encontro para a próxima noite e ele pergunta se pode beijá-la. Correspondido, trocam o primeiro beijo junevil! Ele está arrebatado por ela. Tomando banho e se perfumando despede-se da mãe que, feliz, imagina um encontro amoroso. Ela e sua irmã jogam cartas e ouvem no rádio que uma tempestade se aproxima do lugar. Joe ao passar pela casa de Evelyn é arrastado por ela porta a dentro. Atrasando-se para o encontro com Ruth, chega afobado ao fliperama. Lá estão jogando pebolin Boots e Ruth. Ao abordá-los, desculpa-se pelo atraso, pois estivera ocupado com sua mãe. Ruth chora ao vê-lo e nunca mais quer estar com ele, pois tinha manchas rochas de beijos, espalhadas pelo pescoço! Boots encaminha-o até o espelho e mostra-lhe o estado em que se encontra. Desacreditando de sua patética figura, foge, chegando à casa encharcado, pois a tempestade estivera muito forte. No dia seguinte ele joga bola com um lenço no pescoço para esconder as manchas, todavia Evelyn o atrai novamente, pois a noite anterior fora inesquecível. Como sua filhinha está em casa assistindo televisão, furiosa, a empurra para fora, na areia em frente ao mar e, respondendo à garotinha que não queria sair, diz que também a odeia. Joe, aturdido, tem com Evelyn um sexo forte e quase brutal. Nesse ínterim, nos é mostrado a criança na praia, sozinha, brincando com pequenos moluscos. Entediada, vai mais longe e vê uma antiga esfera de metal, coberta por algas. Curiosa e sorrindo começa a pular sobre ela. Senhora Rogers vê tudo através da vidraça. Saindo de casa implora a menina que saia, pois se trata de uma mina. Com o barulho das ondas e por sua pouca idade entende que ela dissera “é minha”. Respondendo marotamente “é minha” passa a pular com mais força e a mina explode com a menina em cima. Ela fora trazida pela tempestade do dia anterior. Todos saem correndo para ver o ocorrido e a última a chegar é Evelyn, que estivera muito ocupado com Joe. Os vizinhos enlutados vão ao funeral, menos Joe, que atormentado pela sua consciência e desesperado entra em seu quarto. Enlouquecido, joga algumas roupas em sua mochila, pega umas poucas libras de uma lata na cozinha e desaparece! Voltamos 25 anos. Joe chega à sua casa na Inglaterra e é recebido por sua mãe e tia calorosamente. Seu semblante nesse momento é de paz e reencontro consigo mesmo. Agora sua família mora em uma casa grande e acolhedora e seu quarto está lá, com todos seus móveis, discos, livros e lembranças mais queridas da infância. Confidencia às três mulheres, que viera para o funeral de Boots e para rever Ruth, que agora tinha quatro filhos e estava viúva. Boots morrera de um aneurisma e era ótimo pai. Ao deitar-se pega um livro que lera quando garoto, Jankie (Drogado), que detestara, mas que Ruth quando menina gostava de discuti-lo. No dia seguinte, acompanhado por sua irmã, agora uma bela moça, vão ao encontro de Ruth, que se encontra no cemitério pegando os cartões de condolências em meio às flores. Ele está inseguro se deve ou não bordá-la, mas sua irmã assegura que sim. Timidamente observa a bela Ruth e seus olhos azuis ficam muito brilhantes de emoção, ela ainda era a sua amada. Ficam felizes ao se reencontrarem e falam sobre suas vidas. Ruth acha que ele estava certo ao partir e realizar seus sonhos. Ruth confessa que não conseguira chorar ainda, apesar desses serem os dias mais difíceis de sua vida. Despedindo-se, Joe lhe escreve uma carta. Sua irmã é encarregada de entregá-la. Ruth recebe-a com um sorriso, mas ao lê-la desaba em um violento choro a muito tempo reprimido. Quantas perdas temos no decorrer de nossas vidas e não nos damos conta disso! No avião voltando para Malibu, Joe só consegue pensar no seu passado e no seu amor, do qual fora obrigado a abrir mão. Chegando ao aeroporto americano, lá está a fiel Ophelia esperando por ele e juntos, em seu velho carro, partem para casa.

sábado, 23 de agosto de 2008

Sangue Negro




de Paul Thomas Anderson

Esse filme genial foi baseado livremente na obra de Upton Sinclair, Oil, publicado em 1927, um de seus melhores livros. Dirigido, magistralmente, por Paul Thomas Anderson, em planos longos, onde a imagem limpa e grandiosa, nos mostra todo o talento de seu elenco e diretor. A música dissonante é outro elemento que engrandece o filme.
Ano 1898, a primeira cena nos mostram uma paisagem com um belíssimo céu azul, sobre montanhas inóspitas, e um solo infértil, onde nada cresce. Um paupérrimo jovem mineiro, Daniel Plainview (excelente Daniel Day-Lewis) escava sozinho uma mina e depois de achar uma pepita, escorrega numa escada rústica e quebra sua perna. Sua dor nunca o deterá em nenhuma das metas de sua vida: dinheiro, poder sobre as pessoas e determinação em se tornar importante e respeitado. Arrastando-se consegue vender seu metal e começar uma insipiente prospecção de petróleo na Califórnia. Aí começa uma cruzada de luta entre diversos personagens - ricos magnatas de petróleo, jovens e pobres prospectores, políticos e mesmo um ambicioso rapaz, que pretende formar uma nova igreja evangélica. Esta é a saga dos americanos que sempre acreditaram que religião, prosperidade, trabalho árduo e desempenho seria a meta para uma nação poderosa e reverenciada, enfim o empreendedorismo e o império.
Ano 1902. Com dois ou três empregados, tendo um deles um menino de menos de um ano, Daniel tenta obter sucesso em sua pequena perfuração, quando o pai do bebe morre em um acidente, dentro do buraco. Chocado, pois zelava pelo bem estar dos companheiros, adota-o, por compaixão ou interesse, como filho, o tratando com carinho e lhe transmitido sua perseverança, ambição e como negociar, sempre com sucesso. Plainview é obcecado pelo seu trabalho, não dando folgas a seus subalternos, já que ele mesmo não para de trabalhar, morando no próprio local das perfurações. Ano 1911. H.W. (Dillon Freasier), já é um rapazinho, sempre ao lado do pai, que o apresenta como sócio por trata-se uma empresa familiar. A palavra final no desfecho das negociações ficava com seu filho, que é seu sócio. Em sua busca de aquisição de novas terras, promove reuniões com os rancheiros, fazendo questão de apresentar seu menino e de transmitir a esse povo rude a impressão de estarem fazendo um ótimo negócio, falando de maneira simples e assertiva. Procurado por um astuto jovem, Paul (ótimo Paul Dano), acaba lhe pagando uma importante quantia em dólares como troca da localização, onde segundo Paul, haveria um oceano de petróleo, distribuído por diversas fazendas que tinham um preço muito baixo. Chegando a Little Boston, a guisa de montar um acampamento para caçar codornas, descobre que lá é realmente a casa da família de Paul Sunday. A venda é realizada pelo pai sob a influência do ambicioso filho pastor, Eli Sunday, que recebe uma quantia menor do que fora proposta por ele. Ponto para Daniel. Esse encontro marca o início do filme, que girará em torno desses personagens tão díspares e ao mesmo tempo tão iguais em suas ambições desmedidas. A rivalidade entre os dois começa quando o astuto e mais vivido Daniel impede que o ambicioso Eli abençoe a recém aberta mina, proferindo exatamente as palavras do jovem pastor, que rancoroso, aguarda a sua vez. Eli torna-se um importante parceiro na compra de todas as fazendas vizinhas com exceção de uma. Ajudando a construir uma pequena igreja para Eli, prometendo educação, prosperidade, saúde e vida familiar e é muito bem recebido pela comunidade. Durante a perfuração do primeiro poço de petróleo, quando o gás explode, carregando tudo, seu filho fica surdo e apavorado por não poder ouvir a própria voz. Ponto para Eli. O relacionamento entre pai e filho ainda é bom, mas H.W. transforma-se de um menino audaz em um garoto inseguro e quieto, que mal sai de sua cama e não é estimulado. Contudo seu pai exige que venha algum médico examiná-lo, mas seu caso não tem solução. Está irremediavelmente surdo. Plainview é interpelado por um homem que diz ser seu irmão, filho do pai com outra mulher. Desconfiado, acaba aceitando o fato após algumas perguntas pessoais. Com seu irmão consegue falar de seu passado, que até então não sabíamos nada. Confessa ser um homem cheio de ódio e rancor por todas as pessoas, sem exceção. Ódio adquirido aos poucos e que o satisfaz. Não gostando do pai e querendo tornar-se rico e morar num local bem afastado, sai de casa ainda garoto. Durante esse primeiro tempo, seu filho H.W. descobre o diário do tio, junto com a foto de uma criança de meses. Daniel passa a ter um comportamento diferente e resolve mandar o filho para um local desconhecido e ficar livre com o irmão para trabalhar. Entretanto, Eli vai ao seu encontro para receber cinco mil dólares prometidos para sua igreja, que fora construída com o dinheiro de Daniel, mas já se encontra pequena em vista do grande número de fiéis que já conseguira arrebanhar. Todos batizados com o sangue de Cristo. Furioso por não ter sido visitado durante a doença de H.W., Daniel o chama de falso pastor sem caridade por ninguém, pensando somente em seu bem estar. Seu rosto é esfregado no óleo preto e ele sai humilhado e sem nenhum dólar. Ponto para Daniel.
Fazendo o traçado dos dutos que sairão no mar para serem transportados, percebe que um pequeno pedaço de terra não lhe pertence e quer comprá-la, mas seu dono é o velho que não quisera vendê-la, há muitos anos, por Daniel não ter comparecido em sua casa. Resoluto, parte ao encontro do fazendeiro que não se encontra lá. Sendo mal tratado pelos netos do lavrador, continua a marcação do solo até que é abordado pelo senhor, enquanto dormia, com uma arma na cabeça. Tentando negociar percebe que o melhor é ceder e eis que aparece seu inimigo Eli. Os dois o coagem a se dirigir à igreja, a fim de que ele seja batizado com sangue e faça parte da comunidade religiosa, sendo forçado na frente de todos fiéis a doar os cinco mil dólares que havia negado. Essas são cenas fortes, pois ele é repetidamente esbofeteado pelo jovem pastor, até que o demônio saia de sua alma e obrigado a confessar, aos gritos, que abandonara seu único filho. Era um pecador. Ponto para Eli.
Junto com seu irmão viajam em direção ao oceano e, em um pequeno restaurante, encontram-se com magnatas do petróleo, com os quais tem uma grande desavença ao ser questionado sobre o filho, apesar da enorme quantia de dinheiro que lhe é oferecida pelas suas terras. Chegando ao mar da Califórnia com seu irmão, quase despidos, se atiram nas límpidas águas do Oceano Pacífico. São momentos de descontração e confidências. Na areia, porém, alguma coisa muito errada acontece no diálogo entre eles. Repentinamente Daniel corre e se joga no mar, tendo atrás de si uma enorme onda azul. Não pode mais ficar parado, pois percebera que o irmão não era o verdadeiro, o estranho mentira sobre sua identidade. Essa, sem dúvida, é uma das melhores cenas do filme, bela, incisiva e contundente. Depois de reler o diário e ver a imagem de seu verdadeiro irmão é tocado por sentimentos sensíveis e chora, agarrado à fotografia. Friamente, mata seu oponente apesar de ele se mostrar arrependido. Pragmático volta para Little Boston, mandando buscar seu menino. É efusivo na sua chegada, mas recebe de volta o merecido. H.W. não quer desculpas e o ataca. Esse incidente não desagrada o duríssimo Daniel Plainview e juntos voltam à estrada da vida. Em um requintado restaurante pede filés para os dois, quando o mesmo grupo de magnatas do petróleo entra no recinto. Primeiro é esnobado e depois assediado por um deles, assim iniciam uma constrangedora confusão e Daniel mostra como seu filho está bem e feliz.
Ano 1929. Em sua estupenda mansão rodeada de jardins e imponentes árvores, H.W. casa-se Mary Sunday, sua amiga de infância. Durante uma requintada cerimônia religiosa, os votos são feitos com a linguagem dos sinais, que ambos dominam desde sua volta na infância.
Agora Daniel Plainview é um homem plenamente realizado, respeitado e milionário, contudo mantém intacta sua alma de personagem simples e calada. Um dia, recebe o filho, em seu suntuoso escritório. Ele vem acompanhado de um intérprete para falar com seu pai, que não domina a linguagem dos surdos. Comunica sua decisão de sair de casa com a esposa, Mary, ir morar no México e começar a trabalhar ao ar livre, fazendo o que sabe e gosta: perfurar postos de petróleo. Indignado, Plainview exige que ele fale e não gesticule, sendo obviamente impossível. Daniel o chama de concorrente, mas H.W. reponde que é completamente diferente, pois estará em outro país e que já chegara a hora de se separarem, e cada um ter sua vida. “Pai e filho?” Exclama Daniel, descerrando o mistério que levara por tantos anos. Revela que H. W. era um órfão, bastardo, tirado de uma cesta. Que fora criado como filho só por que necessitava de um rosto bonito para dar mais agilidade às suas negociações e que ele. não tinha uma só gota de seu sangue e, ademais, fizera muitas coisas incorretas às suas costas. Aquietando-se e em controle da situação H.W. abandona Plainview, com dignidade. Essa será outra enorme desilusão para Daniel que relembra o carinho que tivera pelo filho adotivo.
Sempre bebendo, furioso e cheio de ódio pelo ocorrido, adormece no chão da sala de boliche de sua mansão. É acordado por seu mordomo e ao seu lado vemos Eli, elegantemente vestido com uma caríssima roupa de pastor preta, dizendo que viajará em novas missões para angariar mais devotos e que necessita de sua ajuda. Negando-se, veementemente, a ajudá-lo é ameaçado por Eli a lhe dar mais dinheiro, pois a verdade é que se encontra falido. Enlouquecido sai com um pino de boliche na mão atrás do chantagista e faz com que receba o mesmo tratamento dado por Eli, anos atrás. Faz com que ele proclame em voz alta, repetidas vezes que é um falso pastor e sem fé em Deus. De tanto repetir a mesma frase acaba reconhecendo a verdade e cai, sendo lembrado pelo magnata que Paul Sunday era muito mais astuto e inteligente do que ele, pois se tornara um talentoso prospector de petróleo independente. Sendo agredido mortalmente com o pino pelo rancoroso homem falece em uma possa de sangue. Completamente só, depois de dois assassinatos e de perder seu filho, conta apenas com seu dinheiro e seu fiel mordomo! Ponto para Daniel?

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O ASSASSINATO DE JESSE JAMES


de Andrew Dominik
Este é um filme que poderia ser chamado de saga. Mas uma saga psicológica, após a Guerra da Secessão na América do Norte (1861-1865) É um filme de rostos, de faces enigmáticas, de cores claras, verde acinzentado, branco, preto, um pouco de cor terra e de muita introspecção. O competente diretor Andrew Dominik faz uma excelente adaptação do romance homônimo.
O mais famoso bandoleiro americano dessa época é Jesse James da família James. São os irmãos mais famosos do oeste americano por serem implacáveis e jamais se deixarem prender. James é descrito pelo povo como bonito, de olhos azuis penetrantes, inteligente, vigilante, astuto, cruel, gregário e inclemente. Durante os primeiros momentos do filme você comprova todos esses adjetivos e, pela atuação brilhante de Bred Pitt, é forçado a concordar. Vemos então a sucessão das mais variadas expressões: medo, vigilância, desprezo, atenção absoluta. Os irmãos James acampam perto de uma estrada para realizar seu último roubo. Será um trem com passageiros. Auxiliados por alguns caipiras da região e alguns primos, montam uma emboscada, durante a noite, para pararem o trem. O assalto é bem sucedido e assistimos ao comportamento violentíssimo de Jesse que mata e antes de matar avisa às vítimas dos seus destinos e se compraz com a angústia delas esperando demoradamente pelo desfecho cruel e sanguinário. Esses avisos da morte próxima e da angústia atroz de suas vítimas é que fazem a grande diferença para Jesse. Ele gosta disso e se sente muito mais poderoso como dono total dessas vidas, que não serão poupadas. Mas qual a razão de tanto desencanto e desprezo com as vidas humanas? Aí, o narrador do filme informa-nos que sua família fora dizimada, durante a Guerra da Secessão, e ele jurara vingança contra as pessoas e o governo americano. Sulista que era, temos, então, outro componente, o político. A somatória dos dois é muito pesada e forte. Jesse tem uma família amorosa, mulher e dois filhos (um garoto e uma menina), belas casas, das quais se muda sempre devido aos assaltos. Veste-se primorosamente bem, este é um detalhe marcante na sua personalidade. Resumindo, quase duas vidas: da criminalidade e do homem carinhoso e elegante. Durante a preparação do roubo do trem, Jesse é assediado por um jovem de dezenove anos. Um jovem inseguro, todavia persistente. Adulador consegue despertar a vaidade em Jesse, que o aceita como parte do bando. Bob Ford também vem de uma família de foras de lei, a família Ford, que em nada lembra a ferocidade dos James. Bob é interpretado por Casey Affleck, que rouba o filme, tal o seu desempenho postural e facial.
Desde a infância, Robert se entrega, como muitos americanos desencantados, às aventuras de Jesse e o idolatra, tendo, mesmo, uma caixa repleta de revistas baratas com as aventuras de seu maior e único ídolo. Após o assalto, James separa-se do bando, mas intuindo algo, leva Bob para sua casa, que o venera e observa cada detalhe de sua fala, cada maneirismo, cada gesto, retendo na sua memória todos esses detalhes, como querendo incorporá-los: ser o próprio Jesse James. Ao perceber algum gesto perigoso do rapaz, o manda de volta para casa. Bob, mesmo ignorado, se sente grande e importante pela proximidade com seu herói e começa a desenvolver uma autoconfiança que não existia, pois era sempre tratado com menosprezo pela família e amigos. À medida que se mostra mais obstinado e seguro, se desencanta gradativamente do mito. Já não basta ser parecido com James, quer ser adorado e reconhecido como ele. Neste momento da história, James já matou todos os seus comparsas, temendo que eles o delatem à polícia. Essas verdadeiras caçadas são cruéis. Encurralados como animais estão conscientes da morte que os aguarda, mas não sabem o momento exato em que ela ocorrerá. É o trunfo do filme. A perseguição e a morte anunciada, mas prolongada para produzir maior sofrimento e maior prestígio para o mito! Contudo Jesse está num rodamoinho de dores e sofrimento interno, está no auge de uma crise existencial. Numa das cenas pergunta ao seu caçado se já havia pensado em suicídio a que ele responde que há saídas mais honrosas e que a vida sempre vale a pena ser vivida.
Jesse cai desesperançado, sua vida não tem mais sentido. Simulando um novo assalto a um banco, convida Bob e seu irmão para compartilhar do roubo. Assustados, pois são os únicos que ainda não morreram, se vêem forçados a concordar. Começam as mais espetaculares cenas de perseguidor e perseguidos. Os três personagens sabem muito bem qual será o desfecho, mas ninguém assume o fato. O desempenho dos atores é fantástico. Os medos, os risos nervosos contidos, a vigilância mútua serrada, o ápice da vulnerabilidade de cada um. Nesse momento, encontram-se todos morando na mesma casa, no chalé de Jesse James. Vendo que toda a sua força foi esgotada e que a polícia está bem perto, Jesse provoca sua morte, pois o suicídio ou cadeia seria sua maior desonra junto ao povo que o admirava. Seria o fim do mito! Tirando suas armas, se posta de costas aos irmãos Ford, alegando que a gravura emoldurada está empoeirada. Sobe em uma cadeira para limpá-la e, observando através do reflexo do vidro, dá o tempo necessário para que eles percebam que essa é única oportunidade para livrarem-se dele. Os dois, sob fortíssima tensão, apontam a arma para James, que vê o exato momento de sua morte.
Sua casa se transforma em museu, seu funeral é colossal e até seu retrato, morto, é vendido aos milhares pelo país. O fim do homem não do herói! Anteriormente, Bob havia feito um acordo com a polícia e o governo para ajudar a caçá-lo. Agora era a sua vez de ser o grande mito americano de ser reconhecido, amado, aplaudido. Fisicamente parecido com ele, espera toda a glória que não vem. Sem perspectivas, passa a atuar, juntamente com o irmão mais velho, numa peça de teatro em que mostra como matou Jesse James. Após novecentas performances, se desentende com um espectador, que o chama de covarde, e a partir dessa briga começa a beber e a atormentar-se. Mais velho, compra um bar com o dinheiro da recompensa, todavia continua infeliz, os indivíduos não o perdoam e talvez ele mesmo não se perdoe. Assassino de um ídolo! A trilha da vida se repete. A família James foi assassinada, James foi assassinado e agora chega a hora de Bob. Um lunático, pobre e sem destino pega uma espingarda, coloca a munição e entrando no bar, bradando por Bob, desfecha um tiro certeiro no rosto de Robert, cujo irmão também já havia se suicidado, vitimado pela amargura e culpa. Esta é a triste saga dos nossos pobres heróis foras da lei! Não conseguiram resistir às próprias consciências!

Das Leben der Anderen idealizações



De Florian Henkel Von Donnersmark

Adoro cinema. Por duas vezes seguidas, assisti a filmes que se referem às idealizações pessoais, embora muito diferentes. Um é o do título e o outro O Assassinato de Jesse James... As convicções do ser humano que mudam sob determinadas circunstâncias são, quase sempre, muito saudáveis O Assassinato de Jesse James é um filme de expressões fortes, este é um filme mais difícil, pois o protagonista, um espião comunista (Ulrich Muhe) consegue interpretar, magnificamente, com pouquíssimos movimentos faciais um insensível agente comunista. O cenário é a Berlim oriental de 1984. Em pleno regime comunista, com a polícia política Stasi e seus homens que controlavam e espionavam tudo e todos. Gerd Wieler (Ulrich) ministra aulas para jovens espiões. Suas regras são duras e desumanas, como observa um de seus alunos, mas o que importa para ele é um comportamento rígido e “patriótico”. Designado para vigiar um grande dramaturgo alemão, que é lido pelas duas Alemanhas, oriental e ocidental, e sua namorada, a maior atriz de teatro do momento (Christa), mostra-se duro e pragmático. Esse caso é uma questão pessoal. Após ver uma peça do escritor, Georg, e, furtivamente, o relacionamento amoroso e gentil com sua namorada, deduz, talvez por inveja, que há alguma coisa reacionária no ambiente dessas pessoas envolvidas com a arte. As cenas que se sucedem, mostrando uma Alemanha cinzenta e empobrecida, tanto intelectualmente como financeiramente pela falta de liberdade de expressão. Esses fatos fazem-nos refletir e emocionar. Os olhos de Wieler são o principal elemento condutor do filme. Sempre de um azul frio e insensível. Durante as escutas e gravações da vida do casal e seus amigos, alguma coisa muda na sua essência. Ao tomar contato com um mundo mais humano e sensível ele, um homem fiel à sua honestidade e inteligência, passa a moldar inconscientemente seu comportamento, influenciado pelos vigiados. Torna-se tão próximo a eles que chega a pegar, fortuitamente, um livro de Brecht do estúdio de Georg Dreyman, o lendo com intensidade e prazer. Outra bela cena do filme é quando desesperançado o dramaturgo toca de maneira apaixonada a Sonata Para Um Homem Bom de Beethoven e Wieler, na escuta, emocionado fica com os olhos marejados de lágrimas. A partir desse momento ele não pode mais se situar numa posição de puro opressor. Outros fatos, como corrupção e achaques dos poderosos do governo, colaboram com sua nova atitude. Gerd finalmente opta pela arte e pela liberdade, auxiliando, anonimamente, seus oprimidos. Isso lhe custa seu cargo e sua vida, indo trabalhar no mais baixo escalão do partido. Cinco anos depois cai o muro de Berlim. Georg consegue examinar os documentos sobre seu caso e descobre que foi salvo por seu espião. Comovido, sai à sua procura. Ao encontrar seu benfeitor em situação tão precária não o aborda. Algum tempo depois, Gerd, ainda como um trabalhador muito simples, passa por uma grande livraria e vê um cartaz do mais novo livro de Georg intitulado “Sonata para um Homem Bom”. Ao comprar o livro, Wieler folheando-o, encontra uma dedicatória que o comove profundamente, fazendo valer a pena o fato de ter vivido em consonância com sua consciência. Era “Em homenagem a GW”. Tributo maior seria difícil.
Ganhador do Oscar de produção estrangeira de 2007 é dirigido, magistralmente por Florian Henkel Von Donnersmark.

O CAÇADOR DE PIPAS


de Marc Foster

Livro de Kladed Hosseini - Adaptado e dirigido por Marc Foster (The Kite Runner)
Califórnia, 2000. Vemos um parque todo gramado e um jovem de feições árabes ansioso. Chega um mensageiro com uma caixa pesada. Recebendo-a, a leva para seu apartamento onde sua jovem esposa o aguarda. Abre-a, ansiosamente, e lá estão seus primeiros livros publicados. Sua esposa comenta que é como um primeiro filho e ele consente. Nesse momento toca o telefone. É um velho amigo de seu pai, ligando do Paquistão insistindo para que ele volte para lá, imediatamente, pois ele é um homem bom e o senhor está muito doente. O diálogo é tenso.
Afeganistão 1978. Crianças empinam pipas sob o céu azulíssimo, em um campeonato de pipas. A paisagem é linda com muitas pedras brancas e, ao fundo, uma cadeia de montanhas de pedras, recobertas por neves eternas, e poucas árvores que são veneradas pelos habitantes. Numa delas está gravado “Amir e Hassan sultões do Afeganistão”. Dois garotos, especialmente, são unidos como irmãos. Amir e Hassan participam do campeonato, mas perdem. Amir é bom e generoso e Hassan, que tem no amigo um ídolo se propõem a comer terra se isso aliviar sua dor, mas ele diz que jamais pediria isso. Entram em casa e lá está o pai de Amir, homem riquíssimo, culto e liberal, conversando com seu melhor amigo. Discutem sobre os comportamentos díspares dos dois meninos. Amir é fluente (quer ser escritor), porém, tímido e inseguro e Hassan, filho do caseiro Ali, é leal, fiel, destemido (levando sempre um estilingue no bolso), defendendo sempre seu companheiro nas brigas de rua com meninos maiores. O pai gostaria que Amir fosse igual a Hassan e seu interlocutor reponde que crianças não são livros de colorir, onde você escolhe as cores que prefere. Elas são como são. Amir ouve e vai para o quarto muito abatido.
No próximo campeonato eles vencem, graças à fibra de Hassan, e o pai fica felicíssimo, emoldurando a pipa vencedora. Hassan, em busca do papagaio perdedor, é estuprado e espancado por três adolescentes, cujos pais conhecem a família. A barbárie é observada por Amir que, tímido e medroso, se esconde para não ter de defender seu protetor, que chega sangrando, mas não articula uma palavra sobre o ocorrido. Esse é o momento crucial no término da amizade, por parte de Amir, que corroído pela inveja e se sentindo covarde, passa a ignorá-lo e planta uma acusação contra ele. Esconde seu relógio novo, no quarto do garoto, sob o travesseiro. Questionado pelo patrão, Hassan olha fundo nos olhos de Amir e confirma o roubo, para não deixá-lo constrangido perante o pai, homem com grande senso de justiça. É imediatamente perdoado, mas eles abandonam a casa por motivo de honradez, para desespero do patriarca, dono da habitação.
Um ano após esse incidente, os russos invadem o Afeganistão, deixando-o aniquilado, mas eles conseguem fugir para o Paquistão, à custa de muito dinheiro, em condições perigosíssimas, viajando precariamente pelas geladas montanhas.
Califórnia, 1998. O pai de Amir é dono de um posto de gasolina e um homem muito bem sucedido. É a formatura de Amir na faculdade local. Seu pai deseja que ele faça medicina, mas ele quer ser escritor, pois continua escrevendo diversas histórias. Moram em um bairro, predominantemente afegão, onde durante um bazar ele conhece e se apaixona pela filha de um ex general afegão, que não vê com bons olhos o namoro. Acuado ele não insiste, mas a garota também se enamora dele. O pai de Amir está muito doente e antes que o pior ocorra, pede a mão da jovem em casamento para o filho, mas antes de se unirem ela conta o seu passado: já morara por um mês com um jovem afegão, por quem se apaixonara, tempos atrás. Seu pai a segue e descobrindo o paradeiro deles, a obriga a voltar para casa. Amir aceita o fato e diz que a ama do mesmo modo. Casam-se, numa cerimônia típica, e o pai do noivo falece, mas não sem antes abençoá-los, os beijando com muito carinho e amor. Pouco depois, em decorrência do telefonema do início do filme, Amir parte para o Paquistão a fim de rever o tão querido amigo de seu pai, que lia todas as suas histórias de infância e o incentivava. Ao encontrá-lo, descobre que o verdadeiro motivo da chamada é um segredo: seu pai teve na juventude um filho com a criada da casa e Hassan é seu irmão, que ele tentou esquecer roído pelo ciúme. Hassan e sua mulher foram assassinados pelos talibãs, tentando defender a casa de seu pai, e só seu filho ficou vivo.
Amir custa a acreditar, mortificado por remorso e à procura de redenção, segue para sua terra natal, agora sob o jugo dos talibãs, em busca do sobrinho, que vive em um orfanato. A viagem é arriscada, mas ele a faz como uma expiação por suas culpas e fraquezas. O jovem rapaz fora vendido para um oficial talibã homossexual. Amir traça um perigoso plano para recuperá-lo, indo encontrar-se com o oficial, que não é outro senão o estuprador de seu irmão. As cenas são fortíssimas, Amir, espancado brutalmente, é salvo pelo sobrinho, que utiliza o mesmo estilingue do pai, e fere gravemente seu opressor. Voltam para o Paquistão, mas o velho amigo já havia morrido.
Califórnia, 2000. Seu sobrinho, por se sentir impuro e assustadíssimo, não se comunica com ninguém. Amir protege seu amado filho adotivo, já que não podem ter um deles mesmos. Defende-o com coragem e amor em todas as circunstâncias, inclusive enfrentando o sogro, arrogante general. Vemos o mesmo gramado em frente à sua casa. Lá estão muitas crianças de origem afegã, brincando com pipas. Nosso pequeno herói só observa, com seu rosto e olhos de origem hazara (a mesma de seu pai e tio) parecendo um pouco um mongol, nariz pequeno e cabelos lisos. Introspectivo não brinca com ninguém, mas Amir compra-lhe uma bela pipa com carretel, como as da sua infância, que tem de ser empinada a dois. Assim, pouco a pouco, conquista a confiança e o calor humano de nosso herói.
O filme acaba exatamente nessa cena muito adocicada para o padrão da película, mas é como acaba e não pude pintá-la com as cores de minha preferência. É um bom filme que discute a redenção, a lealdade sem limites, nobres princípios muçulmanos, não radicais e principalmente a amizade e fidelidade levadas às últimas conseqüências.
Amir ( Zekiria Ebrahimi)
Hassan (Ahmad Khan)
Pai (nome não mencionado, ótimo ator)

Sweeney Todd-O barbeiro demoníaco


SWEENEY TODD – O BARBEIRO DEMONÍACO DA RUA FLEET



Sweeney Todd, muito bem dirigido por Tim Burton, é uma adaptação de um musical famoso de Stephen Sondheim (1979). Ambientada na poluída e escura Londres do século XIX, onde os direitos dos trabalhadores eram relegados e a classe dominante massacrava a classe trabalhadora, resultando num conflito de ódio, horror, morte e vingança. A industrialização da Inglaterra começara e seu principal combustível era extraído das minas de carvão que tornava o ar irrespirável e as classes trabalhadoras doentes e imundas.
No abrir dessa opereta vemos os enegrecidos edifícios vitorianos cobertos de poeira, mas, em destaque, um rico filete rubro de sangue que escorre dos telhados, desce pelas paredes dos prédios, escorre pelas ruas cheias de enormes ratos, baratas e todo tipo de inseto, caindo pelos bueiros e canos de saneamento imundos, passando por uma enorme máquina de moer carne em funcionamento. As cores do filme passam por diversas nuances de cinza e preto, com alguns toques de azul anil e vermelho. Um navio atraca no porto de Londres e dois passageiros sombrios saltam dele e caminham pelas ruas fétidas. Anthony (Jamie Campbell) é um jovem marinheiro que ajuda o barbeiro Sweeney Todd (ótimo Johnny Depp) a voltar para a Inglaterra, após quinze anos de prisão irregular. Casado com a linda Lucy e pai de uma menina, foi jogado atrás das grades, na Austrália, por um golpe do torpe juiz Terpin (Alan Rickman) apaixonado por sua mulher, que ao ver-se sozinha com o bebê ingere veneno, deixando a criança sob sua tutela.
Jurando a pior vingança possível ao seu destruidor, pois a linha da história é nunca esqueça, nunca perdoe, se encaminha para a loja de Mrs. Lovett (excelente Helena Carter), sua antiga senhoria. Reconhecido por ela, sobem para seu antigo apartamento, no alto da loja, onde ela guarda, sob o assoalho, seu belíssimo estojo de navalhas, com cabos de prata finamente trabalhada. É um encontro macabro, os dois muito sujos, cabelos armados e desalinhados, faces rancorosas, com carvão literalmente até os dentes, conversando num local abandonado, sem perspectiva de futuro para nenhum deles. Contudo, vemos que a viúva é apaixonada por ele, tendo deixado o local com seus poucos pertences intactos. Andando pelo mercado eles param para ver o trabalho do barbeiro Mr. Perelli. Todd, na esperança de obter fregueses, desafia-o para uma competição a ser julgada por um bedel, o mesmo que o arrastou a prisão. Depp vence a disputa e pouco depois é visitado por Pirelli e seu ajudante Toby, que tendo reconhecido o verdadeiro Benjamin Baker, o chantageia. Atacado por Todd com uma chaleira fervendo, desmaia e é colocado dentro de uma arca. Visitado pelo juiz para fazer a barba, pois fora muito elogiado pelo seu bedel, Todd vê a oportunidade ideal para matá-lo com sua poderosa navalha. Porém, o jovem Anthony entra no local, dizendo ter visto sua bela filha, agora prisioneira de Turpin, e que quer salvá-la, pois fora informado por uma pedinte que se achava em frente a casa e sempre observava a jovem. Saindo para resgatar Johanna, o juiz Turpin deixa a cadeira às pressas e Todd, irritadíssimo com o desfecho, acaba liquidando seu desfalecido oponente barbeiro. Ele e Mrs. Lovett, mais prática e fria, decidem que a melhor coisa a fazer com o cadáver é moê-lo, e utilizá-lo como recheio das tortas, que com tanta penúria andavam vazias e sua loja sem clientes. Hilário é vê-los escolhendo quem deve ou não deve ser morto por suas poderosas armas, passadas pelas carótidas desavisadas. O filme tem um tom de farsa. A paixão de Lovett é patente e seu maior desejo é casar com Todd e morar numa casa de praia, seu sonho é mostrado em colorido suave e romântico!
Desconfiado do jovem marinheiro, o ciumento juiz Terpin, envia a pobre moça para um conhecido asilo de loucos. Ao mesmo tempo em que Depp traça um vagaroso e cruel plano de vingança. A viúva torna-se muito bem sucedida com tantos assassinatos e carnes moídas com sangue, os rubis do barbeiro, transformando Toby em seu fiel ajudante. O garoto jura-lhe fidelidade eterna, pois sem ela não seria ninguém, apenas um pobre órfão mal tratado e chicoteado. As “pedras preciosas” (o sangue) são jorradas com grande abundância. No asilo de loucos Johanna está numa cela com muitas outras jovens. Elas são separadas por cor dos cabelos: castanho, ruivo ou loiro. Anthony vai ao seu encalço, instruído por Depp, fazendo-se passar por aprendiz de peruqueiro. Lá é a fonte de cabelos das perucas feitas na Inglaterra. O carcereiro encaminha-o até os cabelos loiros e pede que ele os escolha, dentre as várias jovens jogadas e maltratadas. Avistando a linda adolescente, puxa-a contra si, e aponta a arma para o homem, ferindo-o e deixando que suas “meninas” cuidem dele...
Sweeney Todd, não consegue mais avistar o juiz. Desesperado envia-lhe uma carta, por Toby, para que ele compareça na barbearia, pois sua Johanna estará lá. Sem saber, o odioso bedel vai à barbearia conferir as condições sanitárias da loja, todavia, bajulado por Depp, senta-se na fatídica cadeira e é imediatamente morto, juntando-se aos inúmeros cadáveres que ficam no subsolo e são transformados, depois de moídos, em recheios de tortas assadas num enorme forno à lenha! Desconfiada de que o fiel e inteligente Toby sabe mais do que deve, Mrs. Lovett atrai-o ao sótão, trancando-o. O garoto desaparece pelos canos de esgoto e não é encontrado. Nesse ínterim, o célebre e esperado Mr. Turpin aparece, senta-se na cadeira para ser escanhoado, sendo cruel e minuciosamente navalhado por Todd com “rubis” despejados por todos os lados (é muito sangue mesmo) e, enfim, Sweeney se sente PURIFICADO e VINGADO pela morte de mulher e sumiço da filha. Johana chega à barbearia, mas a encontra vazia. Disfarçada em rapaz, aguarda seu pai. Sweeney avista uma mendiga na escadaria de sua casa, que parece reconhecê-lo de algum lugar, mas nesse frenesi de crueldade, também é assassinada. Ela é colocada no chão perto do forno. Quando Todd entra na barbearia vê somente um lindo rapaz e o esfaqueia, também. Mata sua própria filha, que ao cair mostra seus lindos cabelos loiros escondidos sob o boné. Ela é a quarta vítima. Ensangüentado, vê Mrs. Lovett e descobre que ela mentiu, pois ao abrir a porta do forno, a luz forte do fogo se projeta sobre o corpo da mendiga e ele pode reconhecer o rosto de sua esposa, agora envelhecido e deformado. Num desvario, exige saber por que ela disse que sua amada estava morta? Responde, astutamente, que falou que ela tomou veneno e não que morreu. Num bailado aterrorizante ele valsa, delirantemente, com a viúva jogando-a na fornalha e trancando a porta, enquanto a observa morrer. Alucinado por tantas mortes vira-se e é surpreendido pelo pequeno Tobi, que saindo do bueiro corta-lhe a garganta com sua própria navalha de prata, ricamente ornamentada. Um forno e muitos cadáveres. A última cena!
Nota
O musical critica as péssimas condições do povo humilde de Londres, com seus cortiços, seus casebres e habitantes relegados a condição de quase escravidão, o comportamento torpe e cruel das classes dominantes em relação aos pobres e a interação de ódio e vingança entre as classes sociais. Essa lenda ou história verdadeira é tão famosa na Inglaterra como a do Jack, o estripador. Também nos mostra a ineficácia total da vingança com as próprias mãos, que pode causar mais danos do que o crime em si!

O Gângster


Ridley Scott

O Gângster, baseado no livro de Mark Jacobson e dirigido por Ridley Scott, é um fato verdadeiro, imoral e cruel. Ambientado nos Estados Unidos, ano 1968.
Bumpy é o mais importante negro mafioso do Harlem, um homem paternal que tenta, de certa forma, proteger os negros desse bairro numa época em que a discriminação social e racial nos Estados Unidos contra eles era muito grande. Suas oportunidades eram ínfimas e quase que só lhes restava a violência. Bumpy aparece somente nas primeiras cenas e numa delas está distribuindo perús ao povo no dia de Ação de Graças. Logo após morre. Frank Lucas (Denzel Washington, numa atuação brilhante) é seu chofer e segurança. Jovem ambicioso, decidido e elegante no falar e vestir-se, sempre sério, está certo que esse lugar vago tem que ser preenchido rapidamente, pois outros gângsters estão ávidos por ele. Todavia ele não tem a menor dúvida que esta posição será sua e a terá a qualquer preço. É a chance que esperava para dominar a situação e obter o posto que julga merecer. Deseja poder e reconhecimento das pessoas de todas as classes sociais. Com vasta experiência no mundo do crime e narcotráfico, com atitudes duras e muito bem calculadas, torna-se seu próprio empresário, sem intermediários, enfim um dos criminosos mais astutos e ricos de sua época, sem falar na sua ligação com a elite artística e política.
Um tipo de heroína impura é distribuída por toda Nova York, pois ela é apreendida dos mafiosos italianos e negros pelos policiais que combatem o narcotráfico e, em seguida, misturada por esses mesmos agentes, será revendida aos criminosos por preços bem maiores. É um negócio muito sujo e assustador. Policiais, militares, políticos e traficantes, todos numa ciranda de corrupção e, conseqüentemente, a morte de milhares de jovens e adultos. Força, corrupção e assassinato são sempre uma constante.
Frank, astutamente, decide ir pessoalmente ao Vietnã, que está em guerra contra os Estados Unidos, para importar diretamente uma heroína puríssima, que será negociada por preço ainda menor do que o de seus concorrentes. Essa é uma missão arriscada, mas contatando a banda podre do exército e polícia federal consegue, imediatamente, através de suborno, um passaporte e parte para a selva tropical do Vietnã. Lá, nessa paisagem de guerra mas de natureza belíssima, é feito um acordo diretamente com um general vietcongue, numa cabana rodeada de lindas plantações de papoula. A missão é um sucesso e prospera eficazmente.
Ao mesmo tempo, vemos outro jovem tão decidido e contumaz quanto Frank. Porém, está do outro lado, do lado da repressão ao consumo de drogas. Richie Roberts (outro grande astro, Russel Crowe) é um judeu de classe média baixa, em processo de divórcio devido aos problemas com sua profissão. Estudante de direito no curso noturno, incorruptível e honesto trabalha sem resultados concretos no combate ao narcotráfico. É desprezado por seus pares pela sua exagerada honestidade, tendo certa feita devolvido um milhão de dólares resgatados em uma batida. A elite policial dessa época pegava esses valores encontrados e os distribuía entre si. Richie se torna um incômodo muito grande e é convidado por um superior, também sério, a organizar uma equipe de trabalho, escolhida por ele, a fim de pegar os grandes fornecedores não os pequenos vendedores. Um grupo é formado por pessoas com os perfis mais diversos, na aparência são tão criminosos quanto os traficantes, o que facilita o trabalho. O próprio Roberts é descuidado e negligente com a sua pessoa. Traçando elaborados planos de busca e identificação de pessoas e estudando muito não tem tempo para si.
Os jovens protagonistas nunca se viram, não sabem da existência um do outro, mas têm um traço em comum: a seriedade e a sobriedade com que trabalham.
Vemos Frank em um aeroporto da marinha, em Washington, à espera de um avião militar, vindo diretamente do Vietnã, transportando sua carga de pó! Sim, assim simples, parte do exército americano, na década de setenta, apoiava o narcotráfico! Os americanos estão muito descontentes com a perda colossal de seus soldados e muitas manifestações para o término da guerra são feitas. O próprio presidente Nixon, em rede nacional, afirma que o maior inimigo dos Estados Unidos é a droga, que dizima o país.
Todo o trabalho de Frank é feito com elegância e sempre sem sorrir. É o mais perfeito cavalheiro, passando despercebido pelos policiais. Com uma ascensão consistente, traz toda sua família muito pobre da Carolina do Norte para viver com ele, numa magnífica mansão. Seus irmãos e primos, que o veneram, são colocados no seu trabalho em pontos estratégicos de venda e recepção. Dono, também, de uma boate conhece a bela Miss Porto Rico por quem se apaixona Casando-se, ela passa a morar com sua mãe e família. A vida é de fartura e luxo, porém metódica e sem ostentações. .
Os mafiosos italianos estão descontentes com o monopólio da heroína pura e sugerem que Lucas seja o provedor da droga, mas que os deixe trabalhar também, pois estão sem clientela. O acordo é selado e agora nosso “herói” é o homem mais perigoso dos EUA. Importa e distribui o “Blue Dream” a todos, o que é um fato inusitado para um homem negro que conseguiu chegar a tal posição, ou seja, acima da máfia italiana. A droga é embalada em um velho prédio no Harlem.
Richie perde a tutela do filho, pelo tipo de trabalho perigoso que executa, e confessa ao juiz e sua ex-mulher, que estão com toda a razão para perplexidade de todos aqueles que julgavam que teriam um processo penoso pela frente. Novamente ele é honesto e coerente.
Os policiais do departamento de narcótico continuam achacando Frank Lucas com graves ameaças. Querem grandes volumes de dinheiro em troca de segurança. Esses achaques são revidados com brutalidade e eficiência. Vêm-se acuados e o mais hostil e truculento é Trupo.
Durante um campeonato mundial de boxe, toda a elite nova-iorquina acha-se presente: artistas, esportistas, políticos e a nata da sociedade. Richie está lá para fotografar os mafiosos e descobrir quem, afinal, traz toda aquela heroína que corre solta. Tem algum sucesso. Frank deixa-se levar pela vaidade de sua mulher e veste um casaco de pele de 50.000 dólares e, naturalmente, senta-se num lugar privilegiado, à frente do chefão mafioso italiano. Richie não o conhece, mas ao ver sua roupa caríssima desconfia de algo. Sua foto fica exposta em seu local de trabalho, junto com várias outras. O austero Frank comete seu maior erro. Um pequeno deslize de seu sobrinho faz com que saibam seu nome e o obrigam a denunciar o próximo carregamento de seu tio. A charada é decifrada e toda sua equipe vai para o aeroporto. O avião chega com vários caixões de soldados americanos mortos, pois a guerra chegara a seu fim. Desconfiando que a droga encontra-se no fundo dos caixões ou dentro deles, discute com um coronel do exército, o qual não quer permitir tal violação, mas após a abertura de um deles, lá se encontra apenas o corpo de um soldado.
Nesse ínterim, os federais corruptos, chefiados por Trupo, vasculham sua casa à procura do dinheiro que todo mafioso esconde para uma eventual fuga. Agridem sua mulher, maltratam sua mãe e matam seu cachorro e sob sua casinha descobrem o dinheiro e fogem.
Agora Richie também está perto de um desfecho. Fotografa de longe todos os caixões, como provas. Após a troca dos esquifes, um caminhão de limpeza aparece no galpão e leva toda heroína, escondida nos caixões, para ser refinada e embalada no Harlem. Seguindo o furgão, esperam o desembarque da mercadoria, armados até os dentes. Avançando conseguem, em uma perseguição sensacional, prender todos os criminosos.
Frank Lucas é preso na saída de uma igreja que freqüenta todos os domingos, com sua mãe e mulher. É detido por Roberts. Os dois se olham com respeito mútuo.
Durante sua prisão Frank pede para conversar em particular com Richie, que acaba convencendo-o a delatar os envolvidos nesse enorme negócio. Esse diálogo é feito de uma maneira muito interessante, onde uma xícara de café é deslocada para frente de um ou de outro, como um jogo de xadrez. O cheque-mate é de Roberts. Essa é a única vez no filme em que Frank sorri!
Os policiais corruptos são presos, com exceção de Tropi, que se suicida. Três quartos, sim ¾ da polícia antidrogas é presa! Os mafiosos são todos julgados e presos.
Frank é condenado a setenta anos de prisão e seus bens são confiscados. Richie deixa a promotoria para trabalhar como advogado de defesa. Seu primeiro cliente é Frank, que por bom comportamento sai da prisão ,após quinze anos, pena relativamente curta por tudo que causou.
A última cena do filme é o mesmo Frank, elegante, com um semblante nobre e “honesto” à sua maneira, saindo da prisão, mais envelhecido, mas com a mesma postura ereta.
O filme fala da luta pelos direitos civis, ainda insipiente na época, da luta dos negros para alcançarem outras posições dentro da sociedade. Impensável um candidato negro, como temos hoje, à presidência dos EUA. Ótima direção de Ridley Scott.

Na Natureza Selvagem



Sean Penn

A felicidade só é verdadeira quando compartilhada!
Essa frase escrita por Christopher resume a essência de Na Natureza Selvagem, filme dirigido magnificamente por Sean Penn[1], baseado em fatos reais do livro de Jon Krakauer. Não é uma aventura no sentido convencional. É muito mais perigosa, pois se desenrola dentro da psique de nosso herói. Filmado em planos abertos e claros, Eddie Veder, diretor de fotografia, capta imagens deslumbrantes da natureza selvagem americana, com suas enormes montanhas, seus cânions, corredeiras e rios.
As primeiras cenas nos mostram um belíssimo céu azul, montanhas cobertas de neve, florestas de pinheiros e um trem. Vemos depois uma caminhonete correndo por uma estrada que acaba no nada, apenas neve e um aviso “sem funcionamento durante o inverno”. É uma carona que Christopher Mc Candless (ótimo Emile Hirsh), pega para completar seu sonho de vida: “o Alasca”. Em 1990, recém-formado, nosso protagonista de 23 anos é um brilhante aluno com todas as chances de cursar direito em Harvard, mas depois de conversar com sua família, resolve concretizar um sonho acalentado há tempos. Viver como seus autores preferidos, entre eles o transcendentalista Thoreau[2], que acreditava na liberdade e responsabilidade pessoal, na devoção ao pensamento e na desobediência civil. Partindo dessa filosofia, joga tudo para o ar e sai em busca da felicidade. Desfazendo-se de todos os pertences pessoais, inclusive dinheiro, sai pelo mundo, sendo seu objetivo alcançar o Alasca e viver como um ermitão, somente refletindo e sentindo o poder da natureza selvagem.
O filme é narrado em cinco capítulos por sua irmã que, admirando seu espírito livre e aventureiro, o venera. Christopher muda seu nome para Alexander Supertramp numa gozação ao Superman. Trabalhando nos mais diversos ofícios braçais e nas mais diversas regiões do país, conhece pessoas simples e interessantes, que como ele preferem a vida alternativa a estarem com sua raízes fincadas em um só lugar. Os desafios e perigos são imensos, pois uma pessoa sem identidade fica à margem da sociedade, mas é ela exatamente que nosso herói tanto despreza. Através da fala de sua irmã ficamos sabendo que seus bem sucedidos pais, na verdade não eram casados. Ele tivera um primeiro casamento e um filho, mas nunca se separara da primeira esposa. Daí eram filhos bastardos, como define sua irmã. Eles não sabem que nosso herói descobriu essa verdade tão chocante para ambos os filhos do segundo “casamento”. Sua irmã aceita melhor o fato, mas ele quase perde seu centro e passa a odiá-los. Essa é a verdadeira razão de sua fuga ou viagem. Encontrar-se consigo mesmo é vital para sua sobrevivência. Arando a terra, convivendo com hippies e finalmente trabalhando com um velho senhor, ex-combatente de guerra, conta sua sina e recebe alguns conselhos e declarações pungentes, como a do senhor aposentado que lhe diz que perdoar é amar. Não se vive em paz sem esse sentimento. Conseguindo atingir sua meta, finalmente está no continente gelado. Ao desembarcar da carona, na cena inicial, vê-se frente a frente com a inclemente natureza, que apesar de linda é assustadoramente forte, rigorosa. Ela não poupa nada. É a força mais poderosa que conhecemos. Muito tempo já se passou e Christopher não envia uma só carta ou telefonema para casa. Seus pais de soberbos e intransigentes tornam-se pessoas ternas depois de tanta dor. Encontrando um ônibus abandonado, Emile Hirsh[3] faz dele sua casa. Aí terá a verdadeira oportunidade de testar e praticar os ensinamentos que tanto venerava. Essa é uma tarefa hercúlea para a qual nenhum ser humano solitário está preparado. As forças inclementes e sobrenaturais não podem ser vencidas mesmo com todo preparo físico e psicológico que Christopher possui. Sentindo-se liberto e feliz após alguns meses, descobre que chegou a hora de voltar para casa, perdoar seus pais e seguir sua vida, mas esse desejo é repentinamente interrompido. Derrotado por um rio caudaloso e largo, que sempre estivera lá, porém congelado, vê-se compelido a recuar, voltando ao velho ônibus. Nesse momento os fatos, que são gravados em seu cinto de couro como na pré história, saem completamente de seu domínio, pois ele se encontra envenenado pela raiz batata de urso que comera, vomitando, faminto, desnutrido, e morrendo aos poucos pelos efeitos colaterais da doença. Mesmo sem forças continua seu testemunho, em forma de diário, para que outros se beneficiam de suas experiências. Deitado sobre um colchão velho, esquálido e delirando, observa o sol com seus raios claros e encontrando a paz e seu fim, morre com os olhos fixos no horizonte. Sua mãe pressentindo sua morte se descontrola e seu pai desaba no meio do asfalto em frente à sua casa de tanto sofrimento!



[1] Ator e diretor americano
[2] 1817-1862
[3] Nome do ator que representa Chris

domingo, 17 de agosto de 2008

The Lemon Tree




de Eran Riklis
Uma mão feminina. No dedo anelar esquerdo uma grossa aliança. Agora as mãos passam a cortar, em rodelas idênticas, lindos limões amarelos do tipo siciliano. Cortados, vão para um vidro de conservas. Aí é acrescentado pimentão vermelho, azeite de oliva, sal e temperos diversos. Finalmente o pote é sacudido e colocado em uma prateleira, onde se encontram muitos outros iguais. A dona de casa palestina que os faz é a belíssima Salma (formidável Hiam Abbas). Essa mulher corajosa é viúva há dez anos e vive com o produto do seu trabalho. Herdou de seu pai a residência e sua plantação de limões, que existe há meio século. Um senhor palestino magro de face ossuda, porém ainda muito vigoroso, é quem a ajuda a cuidar do limoeiro, desde os tempos de seu pai. A próxima cena nos mostra um caminhão de mudanças chegando ao lado desta paisagem bucólica. Trata-se da mudança do Ministro da Defesa de Israel. O cenário passa a ser muito agitado e barulhento com diversos agentes de seguranças, grudados em seus celulares ou metralhadoras. Abismada, a bela Salma observa esse cenário insólito, no qual até mesmo uma guarita elevada é providenciada, em poucos minutos. Um jovem soldado israelita munido de binóculos, metralhadora e tudo o mais, passa a vigiar a casa de Salma e dentro da casa de Israel e Mira, câmeras são instaladas na mesma direção. Os limoeiros são bem cuidados, regados diariamente e seus grandes frutos, à luz do luar são com estrelas do céu. A pequena residência de Salma e seu pomar são cercados duplamente por grossos cabos de arame farpado. O chefe dos agentes do ministro acha que isso é pouco e o serviço de Defesa determina que o pomar seja cortado, pois lá poderiam facilmente ser abrigados terroristas. Salma e Mira têm, provavelmente, a mesma idade. Ambas são lindas mulheres morenas e com filhos adultos. Mira olha embevecida para os limoeiros, pois é uma visão maravilhosa, dentro de uma região tão desértica como a Cisjordânia. Elas, todavia exercem funções diferentes: uma é camponesa e a outra trabalha com um sofisticado computador! Salma recebe uma carta obrigando-a a deixar o local, por questões de segurança nacional, mas como não fala hebraico é obrigada a levá-la para que os antigos amigos de seu marido a traduzam. Inconformada volta para casa e pede ajuda a diversas pessoas, inclusive seu filhos. Todos, contudo, consideram isso normal, pois muitas propriedades eram desocupadas por Israel e depois seus ocupantes recebiam uma indenização. Porém Salma considera seu patrimônio parte de sua vida e não irá ceder facilmente. Procurando um jovem advogado (Ali Suliman), formado na Rússia onde se casara e tivera uma filha, é bem recebida pelo rapaz, mas ele não tem nenhuma experiência com o assunto, pois só tem feito divórcios! Seu escritório é em sua própria casa, no bairro dos refugiados de guerra, sendo uma tremenda desordem. Sem dar falsas esperanças a ela, aceita o caso e vão para um tribunal de primeira instância. O vizinho, Israel, considera isso um absurdo total, mas não sua mulher. É solidária a sua queixa e transmite isso ao marido. Israel explica-lhe que o limoeiro está localizado na linha verde que definia a fronteira de Israel antes de 1967. Os dois não conseguem entrar em um consenso. Durante a festa de inauguração de sua casa, encontramos repórteres de muitos jornais, diplomatas, políticos e a alta sociedade do local. A comemoração vai até o romper do dia, como ditava a tradição de seu velho pai. A comida, naturalmente, é árabe regada a muitos vinhos e bebidas finas. Salma se sente invadida com a mudança de hábitos e perseguida. No primeiro julgamento a palestina perde e com lágrimas nos olhos, pede ao seu representante que continue até a Suprema Corte, se for necessário, pois ela não desistirá do solo que é seu. Entre os dois nasce uma empatia que aos poucos se transforma em amor platônico. Uma noite conversando com seu advogado, que não pudera voltar para casa devido ao toque de recolher, encontram-se na cozinha e olham a paisagem na noite escura. Uivos de lobos na ravina são ouvidos e Salma confidencia que não ouvindo o uivo dos lobos se sente muito solitária, mas quando os ouve se sente como eles e quer uivar também. Afirmando que esse deve ser o caso do jovem também, o chama de lobo solitário. Essa noite passa a ser muito importante para os dois. Os inconvenientes decorrentes da posição da palestina são uma grande amolação para seu vizinho, que se vê forçado a dar declarações, que não gostaria à mídia. Ele é obrigado a fazer uma cerca de metal em torno do pomar, para que seja mais bem protegido, proibindo sua proprietária de circular pelas árvores tão queridas. Aos poucos seus limões vão caindo e apodrecendo sobre as folhas secas. Sua fonte de renda está bloqueada, assim como sua vida, que agora é bisbilhotada pelos amigos de seu marido, que a ameaçam quanto ao seu comportamento com o jovem advogado, o qual poderia ser seu filho! “As pessoas comentam”, dizem eles, e “seu marido, se vivo, não gostaria de ver sua atitude”. O único a defendê-la é seu fiel ajudante, que vai depor em seu favor, pois sua mãe morrera quando ela tinha apenas cinco anos e, desde então fora seu segundo pai. Era a única coisa que ele possuía. O estado emocional das duas mulheres começa a deteriorar-se e um dia chegam a olhar fixamente uma para a outra, mas sem coragem de imitir qualquer palavra de amizade ou reconhecimento. O processo chega à Suprema Corte e uma repórter, amiga de infância de Mira, vai entrevistá-la, pois gostaria de ter a opinião do lado palestino. A repórter também se solidariza com Salma. Logo em seguida vai colher as impressões de sua amiga Mira, e esta não titubeia em dizer o que pensa. Uma reportagem de primeira página, a favor da palestina, é publicada com a imagem dos três personagens: as mulheres nas laterais e ele bem no centro das fotos. Indignado, Israel reage ferozmente, mostrando à sua esposa um lado escuro de sua personalidade que ela não conhecia e não aprova. Salma é proibida, sob a mira de fuzis, de regar suas árvores e Mira, pulando a alta cerca, tenta conversar com ela sobre o caso, contudo é detida pelo chefe dos agentes secretos e levada à força para casa. Tempos depois, quando chega o grande dia, as duas mulheres estão arrasadas. Salma está com medo e seu defensor, ao vê-la ainda de roupão, pergunta se ela vai desistir de tudo, após tanto trabalho e esforço. Nossa heroína se arruma, com um belo tailleur e ao passar batom nos lábios é surpreendida por ele. Juntos em frente ao espelho, dão um longo beijo apaixonado. Ele a considera a mulher mais linda e corajosa que já vira, apesar de estar noivo de uma moça, filha de uma personalidade local. A notícia desse litígio é divulgada por todo mundo, através de televisão e jornais. Oslo, Madrid e outras capitais importantes estão apoiando sua causa e à sua disposição. Desesperado Israel fica entre dois lados, pois para ele, igualmente, destruir as árvores é um ato de agressividade muito grave. Chega o grande dia. Dezenas de repórteres internacionais e locais cercam os palestinos em busca de respostas. Dentro do tribunal, os advogados começam um sério embate e o fiel amigo de Salma, ao depor, afirma que as árvores têm vida e alma como as pessoas humanas. Cortá-las seria um grande crime, um assassinato. Finalmente a juíza decide que o limoeiro é uma ameaça nacional, mas que ele seria poupado em sua metade, mas esta metade seria podada a trinta centímetros do solo!! Esta é a primeira vez que um tribunal israelita concede alguma coisa à causa palestina. Nesse último terço do filme, além das cenas do julgamento, vê-se Salma de certa forma conformada com a decisão tomada, pois não poderia fazer mais nada, havia lutado com todas as forças contra tudo! Nova cena, Mira, em seu carro esporte, despede-se do chefe dos seguranças, agradecendo por seus serviços e parte velozmente (divorciara-se ou partira para uma viagem?). A câmera dá uma pausa. Alguns segundos depois, ela nos mostra o interior totalmente escuro de sua casa. Dentro, a claridade aos poucos começa a penetrar. É quando Israel, sentado em uma poltrona, aperta o controle remoto para que as persianas se abram. Seu rosto está tenso e muito grave. Olha em direção à janela, por onde se avistava o pomar, contudo o que vemos é um altíssimo muro erguido pelo Estado de Israel, a fim de dividir as fronteiras vizinhas. Ele, em seu semblante lamenta a decisão. Logo em seguida vemos os limoeiros, todos podados, e Salma caminhando entre eles, com uma expressão triste, apesar de resignada (a metade fora poupada). Ela olha em frente, mas tudo que pode vislumbrar é um alto muro de cimento cinza! Palestinos e israelitas estão separados por um muro da vergonha. Esse maravilhoso filme foi inspirado em fatos reais.


Observações:
O diretor, Eran Rikts, viveu no Brasil de 1968 a 1971, tendo presenciado o degradante regime militar brasileiro. Uma história que fala do cotidiano das pessoas “É a melhor maneira de falar de política... falando de gente”, afirma Eran. Esse é um filme que discute atitudes de pessoas e seus desdobramentos, quer sejam políticos, sociais ou amorosos. Mostra nossos medos, intolerâncias e reações às diversas frustrações que vivemos atualmente. O mundo poderia se acalmar um pouco e a tolerância começar a tomar lugar do individualismo e do terrorismo que parece só crescer, sem dar tréguas à felicidade! Esse grande absurdo de duas etnias separadas por motivos políticos é também mostrado na comédia de Dennis Dugan, em cartaz, com o título de Zohan – O Agente Bom de Corte, com Adam Sandler.