segunda-feira, 19 de setembro de 2011

UMA DOCE MENTIRA DE PIERRE SALVADORI












DES VRAIES MENSONGES, FRANÇA, 105 MIN. COMÉDIA
ELENCO:
AUDREY TAUTOU – EMILIE
NATHALIE BAYE – MADDY
SAMI BOUAJILA - JEAN

Pierre Salvadori e Benoit Graffin escreveram esta comédia especialmente para Nathalie Baye e a partir daí o diretor escolheu os atores seguintes, Audrey Tautou e Sami Bouajila. É um filme onde três personagens fazem um triângulo amoroso bastante bizarro. Todos são figuras oscilantes e inseguras. Maddy, a maravilhosa Nathalie Baye, é uma mulher trocada pelo marido por outra mais jovem que a filha, e desde então está em estado de profunda depressão, apesar de ser intelectual e inteligente. Emilie, a ótima e encantadora Audrey Tautou, sua filha, é uma cabeleireira novata, bem intencionada e amorosa. Contudo seu cérebro ainda guarda vários espaços vazios para serem preenchidos com maturidade e sabedoria. Emilie recebe uma intensa carta de amor anônima, que amassa e joga no cesto, não sabendo que quem a escreveu foi seu tímido empregado de descendência árabe, um faz tudo, que a vê, desolado, lendo e desprezando sua declaração de amor. Para encorajar a mãe, resolve copiar a carta e mandá-la pelo correio. Essa pequena mentira poderia salvá-la. Maddy leva a serio e começa a desenvolver um comportamento completamente inverso ao que estava tendo. A mãe entristece-se novamente por não ter recebido outras cartas e Maddy, em seu egoísmo e infantilidade, resolve dar continuação a essa mentira. A situação se torna insuportável quando Emilie, moça de pouca leitura, descobre que seu empregado, depois de falar mandarim corrente, era na verdade um erudito que havia se cansado da vida intelectual e resolvera dar um tempo, trabalhando com as mãos e absolutamente anônimo. Ela se intimida diante dele e não consegue sequer encará-lo ou falar um francês fluente, com medo de errar. As situações se agravam para os três personagens, pois sempre há um que não sabe se o que está ocorrendo é fruto de mentira ou de verdade. Maddy acaba descobrindo o segredo da filha, em uma cena maravilhosa onde ela vê, através de um biombo, os jovens confessando suas razões para as atitudes tomadas. Sentindo-se humilhada com o plano, cura-se com o sentimento de raiva, ressurgindo em sua total grandeza. Contudo, concebe uma maneira astuta de fazer com que sua filha amadureça, reencontre o pai em Paris e veja a realidade. O roteiro é muito divertido e verdadeiro, as atrizes excelentes, Sami Bouajila bastante sensível e a direção segura. Comédia que só poderia ser feita por Salvadori com sua competência e sutileza e sem os exageros americanos atuais.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

UM CONTO CHINÊS DE SEBASTIÁN BORENSZTEIN














UN CUENTO CHINO, ARGENTINA – ESPANHA, 2011, 93 MIN.
COMÉDIA DRAMÁTICA
ELENCO:
RICARDO DARÍN – ROBERTO
IGNACIO HUÁNG – JUN
MURIEL SANTA ANA – MARI

Sebastián Borensztein dirige e escreve essa magnífica comédia usurária em diálogos, contudo rica em conteúdo psicológico, que nos conta a história baseada em fatos verídicos sobre dois homens – um veterano da guerra das Malvinas, Roberto (excelente Ricardo Darín) e um jovem chinês, Jun, (perfeito Ignacio Huáng) que um dia simplesmente “brota” em Buenos Aires. O cinema argentino com essa obra só vem confirmar a crítica passada de Medeaneras. O país está se abrilhantando com filmes baratos e conteúdos muito especiais. Na primeira cena vemos um belíssimo lago na China, onde dois jovens enamorados dentro de um barquinho trocam juras de amor, que não compreendemos, mas o rapaz pega uma caixa de jóias com duas alianças e imediatamente uma vaca cai do céu e afunda o barco. Cena seguinte: Roberto é um enfezado dono de uma loja de ferragens, que além de contar cada prego que compra, atende muito mal sua clientela. É um personagem melancólico, metódico, rude, econômico em palavras e mais ainda em relacionamentos humanos. Habituado a estar só, passa seus fins de semana vendo aviões movimentar-se no aeroporto de Buenos Aires, comendo pão com embutidos. Sua extravagância é comprar bibelôs cafonas de bichos de vidro e colocá-los ao lado da foto da mãe falecida, que guarda em uma cristaleira velha. Em um desses fins de semana assiste a uma cena inusitada: um jovem chinês é jogado para fora de um táxi e, ferido, chora sua sina. Roberto compadece-se do rapaz e tenta ajudá-lo a encontrar seu destino, apesar dele não falar uma palavra em castelhano, mas ter um endereço tatuado no braço. Ao levá-lo em seu carro, Jun tem uma crise de vômitos e é despachado de seu veículo. Depois de algum tempo, com um forte temporal, resolve voltar e ajudar esse personagem que não sairá tão rapidamente de sua vida. Apesar da conduta com seus vizinhos, Mari é apaixonada por ele, mesmo morando em outra cidade e vir esporadicamente visitar seus parentes que residem no mesmo bairro. Nem mesmo essa bela figura consegue romper seus traumas de infância que o tornaram tão soturno. Os três passam a conviver e com a ajuda de um entregador de comida chinesa conseguem conhecer a sina do rapaz. Roberto, afoito em se livrar de Jun, faz o possível para ajudá-lo, indo à embaixada chinesa e ao bairro chinês. Nada é descoberto, apenas ficamos sabendo sobre alguns pormenores da existência de Roberto, como por exemplo, que coleciona notícias bizarras e as cola em um velho álbum. Ao comentar um dos recortes veremos o quanto esses dois homens tinham em comum e o enorme sentido que fazia essa aproximação. A partir de então as peças começam a cair nos lugares certos para completar esse quebra-cabeça delicioso. Programa imperdível pela qualidade de atuação dos atores, verdades portenhas, música perfeita de Lucio Godoy e o engenhoso enredo. Certamente um dos melhores filmes do ano.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

MEDIANERAS – BUENOS AIRES NA ERA DO AMOR VIRTUAL DE GUSTAVO TARETTO












MEDIANERAS, ARGENTINA/ESPANHA/ALEMANHA 2011, 95 MIN.
COMÉDIA DRAMÁTICA
ELENCO:
JAVIER DROLAS – MARTÍN
PELAR LÓPEZ DE AYALA – MARIANA

Esse ótimo filme dirigido pelo astuto e jovem diretor Gustavo Taretto ganhou vários prêmios em festivais. Com grande competência nos apresenta os jovens de cerca de trinta e poucos anos, Martín e Mariana. Passeia com sua câmera pelas ruas de Buenos Aires, com seus prédios tão diferentes em estilo e gosto, até chegar às caixas de sapato, edifícios grandes com apartamentos minúsculos, onde os raios de sol mal conseguem alcançá-los. (Nesse ponto vemos todo o simbolismo de outro filme argentino “O Homem do Lado”, que faz um buraco para abrir uma janela no muro da bela casa do vizinho, desenhada pelo famoso arquiteto Le Corboursier). Eles têm a face da frente, o face de trás e as “MEDIANERAS”, ou seja, as paredes laterais sem qualquer função, a não ser de se colocar um anúncio gigante. Primeiramente Gustavo revela o casal principal, que não se conhece, descrevendo a solidão em que vivem e suas ansiedades e neuroses. Martín é um belo tipo, abandonado pela namorada e vive da criação de sites, em seu próprio apartamento. Sua casa é caótica assim como ele, ansioso, maníaco, que só anda a pé e tem pavor de subir em avião. Cuida da cachorrinha de sua ex e contrata uma jovem passeadora de cães, que o ajudará em algumas situações. Porém suas relações não vingam, já que é difícil e muito exigente. Mariana é apresentada depois. Trata-se de uma linda arquiteta que jamais construiu um prédio ou um banheiro, como ela mesma diz. Nesse ínterim trabalha como decoradora de vitrines e se sai muito bem. Ela também é alterada e solitária, tendo perdido o namorado. Com síndrome do pânico, tem dificuldades de sair, andar de elevador e se relacionar. Prefere a companhia de seus manequins aos humanos e adora o livro infantil Wally, do mesmo modo como Martín prefere o sexo virtual. Ambos moram na mesma Avenida Santa Fé, a poucos passos um do outro, mas nunca se encontraram, com exceção de duas vezes: uma atravessando a rua e outra, durante um apagão noturno, onde vão comprar velas. Nessa enxuta comédia eles saberão da existência um do outro através de um programa de chat via internet, quase no terço final. Martín e Mariana são almas gêmeas, porquanto gostam dos mesmos filmes (alusão explícita a Woody Allen), construíram janelas proibidas nas “medianeras”, ouvem e cantam as mesmas músicas e são igualmente desajustados, na medida exata da afinidade total. É uma crônica sobre os tempos modernos, em qualquer metrópole mundial, com um toque de carinho e bom humor muito especial e antevendo esperanças futuras. As interpretações são ótimas e o enredo diferenciado. Prova de como o cinema argentino vem se agigantando com filmes de orçamento razoável e ideias brilhantes.