quinta-feira, 31 de julho de 2008

4 meses, 3 semanas e 2 dias




Uma mesa coberta por uma toalha de plástico estampado, em cima um aquário de peixes, diversos objetos esparramados e uma xícara (chá ou café?). Ao lado, uma cama de ferro azul, um tanto descascada, na cama uma jovem de cabelos e olhos escuros e tez clara. Ela aparenta ansiedade e ao seu lado vêem-se papéis escolares e uma mala semi feita. A câmara se distancia e aparece outra cama igual e vemos que é um quarto, possivelmente uma república de estudantes. Esse filme romeno, de Cristian Mungiu, premiado com a Palma de Ouro, dá uma sensação de déjà vu para nós dos países em desenvolvimento. A começar pela descrita mesa, que poderia estar numa casa de interior do Brasil. O título refere-se ao tempo de gravidez dessa jovem angustiada, estudante solteira. Nossa real heroína não é Gabita (Laura Vasiliu), mas sim sua fiel amiga Otilia (Anamaria Marinca). A república de estudantes universitários é decadente. Otilia circula por ela com grande desenvoltura, mostrando desde o início do filme que é uma jovem decidida e pragmática. O ano é 1987, às vésperas da queda do muro de Berlim. O regime político é do sádico ditador Nicolau Ceausescu. Temos diversas leis arbitrárias entre elas da contracepção e do aborto (este velho conhecido nosso). Este último é passível de prisão e, sem a contracepção, torna-se essencial. Gabita está grávida, mas não tomou nenhuma providência sobre o assunto. Apática e insegura delega à amiga os mais ínfimos detalhes para fazer o aborto. É insegura, mas é ditatorial.
A Romenia, nessa época, é um país quase fantasma. As ruas sujas, os prédios velhos e sem conservação, as pessoas com expressões duras e secas. É inverno, uma fina neve cobre as calçadas. À noite as ruas são apavorantes e escuras. Apenas alguns postes antigos de ferro com luzes bem fracas. Tudo deveria ter sido muito belo, mas agora está gasto e mal cuidado.
A missão de Otilia é ir até um determinado hotel, reservado por Gabita, confirmar a reserva e chamar alguém que faça o aborto clandestino, neste caso um homem, senhor Bebe. Nada disso se realiza. O quarto do hotel não pode ser ocupado, porque Gabita, irresponsável, o reserva por telefone, quando foi avisada a ir pessoalmente. A busca de outro hotel é angustiante, pois os funcionários são por demais burocráticos, desconfiados e sem nenhum interesse por outro ser humano. O prédio é decadente e as mobílias, apesar de boas, são ensebadas e velhas. O encontro com o Senhor Bebe é um completo fiasco, pois ele não quer fazer o serviço sem conhecer a pessoa. Também tinha pedido que ela fosse pessoalmente. Gabita não quer ajudar-se, pois se sente enfraquecida, mas a determinada Otilia convence-o a ir. Infindáveis perguntas são feitas à jovem grávida, que acaba confessando que está de quatro meses, três semanas e dois dias. “Isso é outro assunto”, diz ele, pois com mais de dois meses de gravidez o procedimento é de alto risco, pois ela e o bebê podem morrer e o preço é bem mais alto. Elas só têm determinada quantia, que o Senhor Bebe considera muito pouco. Todo o diálogo é realizado, quase que exclusivamente, entre Otilia e o jovem homem. Extenuada de tanto argumentar que não tem mais dinheiro, acaba fazendo sexo com ele, a pedido de Gabita, como parte do pagamento. Ele é um homem revoltante, apesar de jovem. Otilia sente-se imunda e vai ao toalete, lavando-se à exaustão. O procedimento é finalmente realizado. Gabita deverá ficar em repouso por muitas horas, para ter garantia de que o aborto seja bem sucedido. Otilia deixa-a sozinha por algumas horas para poder comparecer ao aniversário da mãe de seu namorado. Depois de tantos cuidados, desde a manhã, ela está exausta. O jantar de aniversário é festejado apenas por casais mais velhos, bastante intelectualizados, cuja companhia não é agradável a uma jovem cansada e preocupada. Ao despedir-se de seu namorado têm uma discussão sobre o tema “aborto”. A visão deles não é a mesma e ela se sente muito isolada e desamparada. Agora temos uma cadeia de acontecimentos aflitivos e tensos. Quando chega, Gabita já abortou e o feto está no chão do banheiro. Vagarosamente nossa heroína aproxima-se da possa de sangue e aturdida vê o feto, ainda em formação, enrolando-o numa toalha e depois num saco plástico, saindo desesperadamente à procura de um prédio alto, onde possa jogá-lo pela tubulação, para que não seja descoberto. Esse foi o conselho dado pelo Senhor Bebe, pois isso é um crime muito grave! Com o feto na bolsa ela percorre, às escuras, as ruas da cidade. Toda a tela é negra, com ocasionais pontos de luzes incidindo sobre seu cabelo loiro. Seu passo é rápido e sua respiração muito ofegante. Essa é a música do filme: seu arquejo! Encontrando o prédio certo ela volta para o hotel depois de cumprir essa missão horrível e perigosa! Chegando ao hotel é surpreendida por uma festa de casamento e, aturdida, encontra Gabita à mesa do restaurante com um prato vazio e uma garrafa de água. Ela estava esfomeada e resolvera comer alguma coisa, para surpresa de Otilia.
O filme termina nessa mesma cena, com as duas dividindo uma garrafa de água mineral. Só isso. Nenhum sentimento é expresso, mas é óbvio que Otilia está totalmente esgotada e preocupada com o bem estar da devoradora Gabita, e Gabita gostaria que o feto tivesse sido enterrado, mas resolvem nunca mais falar sobre o assunto.
Tudo isso: essa falta de apoio, essa desolação, essa desestrutura lembra muito um grande país do outro lado do mundo, na América do Sul. Vocês não acham?

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Era uma Vez de Breno Silveira


de Breno Silveira
Um morro carioca, a favela do Canta Galo. Um grupo de crianças joga futebol em um exíguo espaço entre os barracos. Beto é um excelente jogador, deixando a torcida enlouquecida por seus gols. Ele está acompanhado do irmão caçula, Dé de 8 anos, que o venera. Após diversos passes sensacionais a torcida contra, pertencente ao chefe do morro, resolve alterar o resultado do jogo espancando o menino até a morte. Carlão, o irmão mais velho, interfere na briga, mas já é tarde demais. A mãe dos garotos, Bernadete, se desespera e pede para que ele desapareça de lá, pois seria morto. O rapaz perambula pelas praias de Ipanema sem destino, dormindo em caixas de papelão. Encontrado pelo pequeno Dé, o dissuade de usar a arma que pegara em uma loja da favela. O filme salta dez anos e o adolescente Dé (excelente Thiago Martins) trabalha em um quiosque na orla da praia vendendo cachorro quente. Está perdidamente apaixonado por uma garota que mora na avenida em frente ao seu trabalho. Ele a observa o tempo todo, sabendo que nunca será notado, pela diferença de classes sociais que os afastam. Retrocedemos dez anos e Carlão diz a seu irmãozinho que matar não é correto, são pessoas honestas e irão encontrar uma saída para a situação humilhante em que se encontram. Contudo uma blitz da polícia o prende por estar portando uma arma. De volta ao presente, vemos sua amada Nina (Vitória Frate) terminando o namoro e desesperada atravessa a rua, deixando sua bolsa solta no banco. Um grupo de garotos do morro aproxima-se, mas o rapaz vai a seu encontro, levando-a para casa. Esse é o primeiro encontro entre eles. Depois de algumas passagens em que tenta se insinuar para a menina, sem sucesso, finalmente tem a oportunidade de se sentar ao seu lado, durante uma festa na praia, passando-se por um menino rico. Desmascarado por um surfista, que diz ser seu amigo, mas que está corroído de ciúmes, o jovem parte sentindo-se muito humilhado. Com carinho e cuidado, começa um namoro arriscado, apesar do medo inicial de nossa heroína, que é encorajada pela melhor amiga. Com o passar do tempo eles se tornam verdadeiramente apaixonados, mas o abismo é brutal. Moram a alguns metros de distância, entretanto a maior barreira é social, somando-se a preocupação da mãe de Dé, que fora abandonada pelo marido e do pai de Nina, viúvo, que não acreditam que isso possa prosseguir sem graves acidentes. Bernadete pede para que ela não suba mais o morro, embalado ao som do funk e crimes, e o pai de Nina, empresário, argumenta que namoro, só no apartamento deles. Consentirá com a situação, por amor a sua filha, contanto que Nina não minta e não se envolva com os outros habitantes da favela. Numa conversa franca com seu namorado, afirma que começou do zero e que dará uma chance ao jovem que é honesto e trabalhador. Dé, um dia, é surpreendido na praia por seu irmão Carlão (ótimo Rocco Pitanga), que fugira da prisão, pois iria morrer se lá permanecesse. Dé chora com as más notícias, mas acaba compreendendo o ponto de vista de Carlão que descreve o presídio como “uma selva em que bicho come bicho todos os dias” e ele próprio acabara de matar um bandido para não morrer. Contrafeito o garoto pede que ele vá para casa e fique com a mãe, mas é contrariado, pois seu irmão havia achado um “cafufo” para esconder-se e só subiria o morro a fim de matar o assassino do irmão. O que advém para desesperança da família e ainda pega a corrente de ouro do jovem morto, na qual estava pendurada uma bala. Agora com a corrente no pescoço, um santo é o seu amuleto. Exatamente isso, Carlão se tornara um marginal. Após dez anos de cadeia, essa era a única coisa que poderia fazer - trabalhar normalmente está fora de cogitação, tendo a polícia em seu encalço. Substituiria “Café Frio”. Presentemente é o principal membro de sua milícia armada até os dentes, no tráfico de drogas. É o dono do morro. Dé é constantemente confrontado com a desigualdade social entre ele e a sociedade em que sua namorada vive, sentindo seu orgulho ferido, pois acredita que ser pobre não é nenhum problema contanto que se seja honesto. Resolvendo fugir, pelo perigo apresentado em algumas ocasiões, o casal planeja morar em qualquer praia do nordeste e abrir um pequeno negócio, pois o pai de Nina quer levá-la para viver na Europa, já que nada o prende no Brasil. O jovem procura sua namorada, com as passagens já compradas. Felizes, como só os adolescentes sabem ser, decidem o dia da fuga e Dé pede conselhos ao irmão sobre como proceder. Encantado com o insólito casamento com a princesa, oferece-lhes como presente um punhado de notas e uma grande festa de casamento. No entanto, seu chefe no tráfico de drogas vem cobrar sua parte nos negócios, mas como o dinheiro fora dado ao seu irmão, tendo o prazo de dois dias para efetuar o pagamento. A situação piora muito porque é também achacado pela polícia, que de maneira selvagem, reenvidica sua parte para fechar os olhos. Apesar de pressionado por todos os lados, a festa se realiza com muita cerveja, churrasquinhos, e um enorme bolo de noiva. Nina volta para casa e Dé continua na festa, junto à sua família. A grande oportunidade será na tarde do dia seguinte, quando ela e seu pai viajariam para a Europa. Atrasados, o empresário abre a porta do quarto da filha, mas está vazio. Ao mesmo tempo o telefone toca e ele se desespera: Nina fora seqüestrada e esperam o resgate. Sua amiga vai procurá-la na casa de Dé, mas o garoto também não conhece seu paradeiro. A essa altura, pensamos que Carlão é o seqüestrador. O rapaz, apavorado, vai procurar o irmão, exigindo saber onde sua amada está. Desconfiado invade um cômodo, onde ela se encontra amordaçada. Atormentado, Dé arrebata Nina do cativeiro, desentendo-se com seu irmão e, agora, tirando-lhe a arma, aponta-a em sua direção, começando uma violenta discussão sobre o bem e o mal; entretanto sem saída decide dispará-la, acertando Carlão. Apesar de mortalmente ferido, os protege para que saiam ilesos do morro. Contudo o pai de Nina havia chamado um jornal e a polícia, incriminado Dé pelo seqüestro. Acuados os jovens refugiam-se no quiosque, porém a polícia, os pais e toda a mídia encontram-se no local. Isso impossibilita a evasão deles e após cinco horas de martírio eles decidem sair. Fingindo seqüestrá-la, mantem o revolver na sua cabeça. Ela na frente para protegê-lo e seu amor atrás! Na hora em que ela se afasta um pouco para falar com o pai, Dé é atingido por uma bala, matando-o na hora. Caído ensangüentado na areia a jovem Julieta ao ver seu Romeo morto atira em direção aos policiais e é assassinada no mesmo instante. A câmera fecha mostrando o corpo dos jovens amantes, um sobre o outro, mortos na areia da praia.
Durante os créditos vemos Thiago Martins dando um depoimento, no qual ele afirma morar na favela do Canta Galo e que a história é velha conhecida dele, mas a cidade do Rio de Janeiro precisa mudar e que para isso aconteça depende das pessoas “passarem a olhar mais uma para as outras”.




A miséria e brutalidade deste filme, algumas vezes, são mostradas de maneira abrandada, pois o que interessa ao diretor é acentuar os desejos e sonhos dos jovens, os quais lhes parecem sempre viáveis e possíveis, independentemente da classe social. Breno consegue seu objetivo indo fundo à alma dos personagens. O elenco interpreta muito bem seus papéis, a direção é segura, a fotografia é ótima. Os belos sambas de Marisa Monte e Luiz Melodia complementam esse filme que merece ser visto.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

As sombras de Goya




Este é um filme bonito de se ver, pelo luxo, e questionador, pelas cenas chocantes, mas não brutais (deveriam ser pela seriedade do assunto). É dirigido por Milos Forman.
Começa com uma junta de padres discutindo sobre os temas fortíssimos de algumas gravuras de Goya (Stellan Skarsgaard), retratando os pesadelos da santa inquisição, que já não adotava os métodos arcaicos da tortura. Entretanto um dos inquisidores, padre Lorenzo (Javier Barden, ótimo) é totalmente a favor dos velhos métodos de tortura e da queima em fogueiras públicas de todos os que contestam a direção autoritária da igreja católica espanhola. Apesar de saber que provavelmente o pintor das gravuras é Goya, Lorenzo, homem muito vaidoso, tem uma grande tela sendo pintada por ele que é o primeiro pintor da corte de Carlos IV.
São tempos dificílimos na Europa do século XVIII, pois é um período de grande convulsão social, tanto lá como nas Américas. Goya, sendo um pintor de guerras, mulheres e crianças, tem uma jovem e linda musa predileta, Inez, (Natalie Portman, excelente) que posa para ele em diversas situações, entre elas é o anjo da magistral abóboda da Basílica da Pilar de Zaragoza. Reconhecendo o rosto em outra pintura, Lorenzo acha que tem um trunfo nas mãos. A perseguição aos não católicos começa de modo cruel e rápido. Os inquisidores espalham-se pela cidade, em lugares públicos e observam atentamente todas as pessoas. Ao verem uma bela moça, Inez, divertindo-se numa taberna, percebem que, por mais de uma vez, ela se recusa a comer carne de porco. Imediatamente, sua família rica e aristocrática recebe uma intimação para que a jovem compareça ao inquérito do Santo Ofício. Ela se assusta, mas não tem nada a temer. Levada pelo pai às portas da igreja, agora sozinha, responde aos questionamentos dos padres e é acusada por Lorenzo de ser judia. Trancafiada na masmorra é flagelada e estuprada por ele e finalmente presa com outros supostos renegados. Seu pai, amigo de Goya, suplica-lhe que o ajude a encontrar Inez. Um jantar formal e luxuoso é marcado para Lorenzo, que receberia uma imensa fortuna se devolvesse sua querida filha. Sua mãe afirmando serem católicos de longa estirpe é desafiada pelo convidado, que afirma ser judeu o bisavô de seu marido de origem holandesa. É uma cena tensa, pois a troca de favores está exposta, como uma ferida. Firmemente o anfitrião afirma que qualquer ser humano sob tortura confessa o imponderável. Lorenzo não move um músculo do rosto. O pai de Inez exige que todos, incluindo Goya, saiam da sala e trancando a porta prendem o inquisidor, com uma corda nas mãos no lustre da sala. Covarde, em poucos minutos assina um documento, no qual se reconhece como um macaco, seguindo a teoria de Darwin. Não conseguindo negociar com seu superior, foge, para não sofrer as conseqüências de seu ato.
Há um hiato de quinze anos e vemos as tropas napoleônicas tomando a Espanha, seu rei deposto e o irmão de Napoleão coroado como rei de Espanha (1803). Durante esses períodos terríveis e angustiantes, onde a convulsão social impera e intelectuais como Voltaire, Rousseau, Lavoisier, Darwin e tantos outros tentam mostrar que a razão e a liberdade individual são mais importantes que o retrocesso, Goya sofre e pinta esse sentimento e tenta sobreviver a esse caos. Ao mesmo tempo em que é generoso com o povo, tem que conviver com a aristocracia para sua segurança e de sua família.
Com a coroação do novo rei e do novo regime, a igreja é obrigada a soltar seus miseráveis e enlouquecidos prisioneiros e os inquisidores são encarcerados. A dualidade continua numa Europa desagregada. Dentre os esfarrapados prisioneiros dos católicos, vemos uma mulher de 31 anos, maltrapilha, repleta de chagas, com dentes apodrecidos, maxilar quebrado, poucos fios de cabelos emaranhados e confusa. Nossa heroína arrasta-se até sua casa, mas a encontra vandalizada e sua família morta pela turba. Confusa procura por Goya, que agora surdo e mais recluso não a reconhece. Tentando salvar Inez entra em uma igreja, onde se realiza um tribunal, que decidirá os novos rumos da Espanha e não outro que Lorenzo é o porta-voz da nova ética política e social. Casado e com três filhos, é abordado pelo pintor que relata estar com Inez e que ela quer ver a filha que teve com ele e que lhe foi arrancada dos braços. Maquiavélico envia a pobre moça para um hospício e sai à procura de sua filha, que agora é uma prostituta. Presa, a seu mando, com outras jovens é enviada para a América. Porém, chegam tropas inglesas, que agora coroam outro rei. A Espanha está, novamente, subjugada. Lorenzo agora é réu e prisioneiro da igreja, que lhe oferece perdão caso se retrate em praça pública. Desta última vez ele consegue ser coerente e não nega seus novos princípios. Vemos uma praça espanhola, abarrotada de pessoas rejubilando-se com o novo enforcamento. Goya faz outro esboço da violência que não acaba. Nas sacadas dos solares, estão os novos monarcas e seus soldados. Ao lado de um deles, abraçada e linda, encontra-se a sempre sobrevivente Alícia, resultado do estupro de Lorenzo e sua vítima. Ao fundo vemos Inez e um bebê, achado no bordel onde sua filha foi encontrada e presa. Quando passava por lá vê a criança abandonada por uma das moças, sob uma mesa. Pensando tratar-se de sua própria filha, arrebatada há quinze anos, a acaricia e a leva consigo, a fim de criá-la. Aos gritos o povo clama por justiça e morte de Lorenzo. Carinhosamente, Inez chama por ele e mostra-lhe seu bebê. Mais seguro espera pelo enforcamento. Desfalece e é levado por uma carroça. Outra cena belíssima e triste. Crianças pobres que convivem com a violência, correm atrás do títere (como o chamam) e cantam uma canção infantil horrível, mas que para elas não faz o menor sentido. Ao longe junto a elas encontra-se, agora, a feliz e enamorada Inez com seu bebê, caminhando ao lado de seu único homem, Lorenzo, que ainda vivo a acompanha com os olhos arregalados e marejados de lágrimas. Foi a única pessoa que o perdoou nesse universo de luzes e sombras, sob a ótica de Milos Forman!

Notas:
Goya, um dos grandes mestres do neoclassicismo do século XVIII, nasceu em Zaragoza, no dia 30 de março de 1746. Pintor e gravurista. Viveu no início da modernidade. Período de grandes conturbações sociais na Europa e nos Estados Unidos da América. (Constituição de 1787), Queda da Bastilha e a Declaração dos Direitos dos Homens na França. Execução dos monarcas franceses (1799), Napoleão proclama-se imperador (1803), guerras napoleônicas por toda a Europa, abdicação de rei da Espanha (1808), início da Guerra da Independência da Espanha, rei Fernando atacado pelos britânicos.
Intelectuais: Voltaire, Rousseau, Goethe, Kant, Balzac etc.
Ciências: Lavoisier, Darwin e outros.
Música: Chopin, Mozart, Haydn.
Para ele a guerra é fútil e sem glória. Sangrenta conquista da liberdade a partir da razão e da imaginação. Goya tinha que tomar decisões comprometidas e arriscadas. Vive com entrega e generosidade. É necessária extrema concentração dos dramas pessoais. Últimas gravuras compõem o mundo atormentado (inquisição) em que vive. Em 1820 pinta nos muros de sua casa Las Pinturas Negras, as mais terríveis. Em 1828 morre em Bordeaux, longe da querida Espanha, tendo escrito em um dos seus últimos trabalhos “Aun aprendo”!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Luz Silenciosa de Carlos Reygadas





- Dirigido por Carlos Reygadas

Este é um filme com ritmo e tempo próprios. É um belíssimo filme com enormes imagens, pouco movimento e quase nenhum diálogo – contudo o som é determinante.
A primeira cena do filme é representada por um céu muito escuro pontilhado de estrelas e, à medida que o tempo passa, podemos vislumbrar, primeiro vagamente, depois mais claramente duas árvores frondosas, porém retorcidas. O amanhecer chega devagar com a luz do sol e o azul mais claro, em embate, culminando com um céu claro e ensolarado. Vemos também uma terra árida, o som dos bichos acordando e ao longe os telhados de algumas casas. Um relógio antigo marca seis e meia. Dentro da sala temos um homem sério, de olhos fechados, orando em silêncio. Logo a câmera nos mostra sua mulher e seus sete filhos, à mesa, rezando introspectivamente. Os filhos são desde adolescentes até uma criança de um ano e pouco. O café é tomado com seriedade, todavia o sentido de amor e carinho está presente. A filha mais velha e os outros filhos dirigem-se para a escola. Ester fica com Johan (Cornelio Wall Feher), pedindo-lhe que fique mais um pouco em casa antes de sair. Os gestos e os rostos dos personagens, incluindo os filhos maiores, são contidos e cheios de rigidez e obediência. Johan acaba chorando, mas é um choro de angústia, pelo seu semblante, não um choro de ódio. Trata-se de uma comunidade religiosa menonita, radicada no México, mas de origem alemã. Dedicam-se ao trabalho e aos princípios morais, excluindo qualquer prazer ou desejo. Johan encontra-se com um amigo, passando por enormes campos de milho, em uma oficina. Reprimido, conta-lhe que está se sentindo mal por continuar a amar outra mulher, Mariane, que é a pessoa perfeita e adequada para ele, e não Ester que tanto amou e ainda respeita. Fora um erro de escolha e se sente culpado por trair sua mulher e seus filhos. O amigo argumenta que tal escolha pode ter sido o desejo de Deus. Mais motivado encontra-se com Mariane e o casal se beija prolongadamente, mas refreadamente. Essa será a tônica dos sentimentos de todos os personagens apresentados no filme. Não conseguindo acabar o relacionamento, já no inverno, com o horizonte coberto de neve, aconselha-se com seu pai, que também é o pastor da igreja, como deveria proceder. Sua pergunta o faz lembrar-se de sua própria juventude, quando também se apaixonou por outra mulher, mas sublimou o desejo e afastou-se dela, sentindo um grande alívio e com o passar do tempo a dor fora completamente curada. Johan afirma que sua mulher, a bela e loira Ester, sabe do seu sentimento, desde o início, mas se comporta de maneira resignada e carinhosa. Mariane é alta, magérrima e tem um rosto de águia, é uma beleza estranha, quase feia, mas atraente pelos lindos olhos oblíquos. Ela também está consciente do seu comportamento mas, como seu amante, não consegue afastar-se dele. As cenas e decisões evoluem em tempo lento e pausado. O carinho de Johan e sua mulher pelos filhos é muito grande e uma cena em especial demonstra esse sentimento. Encontram-se dentro de uma represa de água doce rodeada por capim alto. Aí eles nadam e banham seus filhos com alegria. É o único momento em que todos sorriem e se soltam. Resolvido a escolher uma das duas, procura Mariane e fazem amor de um modo delicado, um desabotoando a roupa do outro, com timidez e amor. Ela anuncia que esta será a última vez, pois a liberdade é bem maior do que a paixão. Voltando ao cotidiano de suas vidas, agora verão novamente, o céu está escuro, prenunciando uma tempestade. Ester e Johan partem de carro, apesar do temporal. Durante a viagem, calados, Ester lembra-se de quando adoravam viajar e cantavam o tempo todo e eram tão felizes. Seu marido diz que apesar de se esforçar para deixar Mariane, tinha encontrado com ela mais uma vez, pois seu desejo tinha sido mais forte do que sua promessa. Foi sem dúvida uma afirmação muito dolorosa para qualquer mulher, talvez para aliviar sua culpa , tenha dito uma verdade tão pesada.Ester desolada passa a se sentir mal e pede para que ele pare o carro, pois precisa sair. A chuva não a impede de caminhar até uma árvore e lá se recostar e chorar de maneira intensa e muito sofrida, acabando por dobrar-se de dor no chão encharcado. Johan, depois de longo tempo, a procura e a encontra desmaiada. Levando-a até seu carro, paralisado é socorrido por dois mexicanos. No hospital, recebe a notícia de que ela morrera, em conseqüência de um enfarte coronariano. Seu corpo é levado para casa. Ele é banhado, acariciado por sua mãe, sogra e filha mais velha. Seus cabelos são penteados, as unhas cortadas e a pele massageada com finos óleos. Pronta é levada por seu marido à uma sala completamente branca, sendo o único elemento de cor um tapete persa vermelho sob o esquife, ladeado por dois castiçais altos de prata. Sua roupa é branca, assim como o lençol que a reveste. A família toda, inclusive os primos do norte e a comunidade encontram-se presentes. A culpa e o desespero de Johan são autênticos e sinceros. Sua filhinha de 7 anos pergunta-lhe se morrer é como dormir sem acordar, como sua avó cantara-lhe. Respondendo que sim, afasta-se do local, deparando-se com Mariane, que quer ver o corpo de Ester. A sós com a outra mulher falecida, fita-a longamente, terminando por beijá-la na boca. Temos a impressão que algo brilha em seu rosto inerte e morto como uma lágrima. Depois ouvimos uma respiração e finalmente Ester abre os olhos e fita Mariane, no momento em que suas duas filhas pequenas entram na sala. As crianças recebem o milagre como algo natural e começam a conversar com ela sobre os preparativos do enterro. Mariane, feliz e livre, já havia saído. O mesmo velho relógio, que estava parado, é dado corda e recomeça seu tique taque, como um símbolo do início de uma vida nova. As meninas chamam o pai desolado para falar com mamãe que já havia acordado! Sim, acaba com essa cena, o que preserva a beleza do filme. Você imagina o que ocorrerá em seguida. O filme termina com o mesmo céu azul ficando cada vez mais escuro, as mesmas árvores frondosas e retorcidas, os sons dos bichos se recolhendo e finalmente aquelas maravilhosas estrelas cintilando. Os artistas desse filme não são profissionais, retratando fielmente os costumes do lugar e falando correntemente o idioma. Isso só acrescenta fidelidade e credibilidade à obra. Imperdível para quem aprecia temas intimistas e acredita na força da liberdade. Será? Foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro.






Os Menonitas (ou Mennonitas) são um ramo dos
Anabatistas, movimento religioso surgido na Europa na época da Reforma.
O testemunho pessoal e a
perseguição religiosa levaram os anabatistas e a nova doutrina a diferentes países da Europa, surgindo inúmeras igrejas inicialmente na Suíça, Prússia (atual Alemanha), Áustria e Países Baixos. Neste último, um dos grandes líderes anabatistas foi Menno Simons (1496-1561), cuja influência sobre o grupo foi tão profunda (moderada para alguns) que seus adversários passaram a chamar aos anabatistas de "menonitas".
O principal ponto de discórdia entre os menonitas e seus perseguidores era o
batismo infantil. Os menonitas acreditam que a igreja deve ser formada a partir de membros batizados voluntariamente. Isso não era tolerado pelo Estado, nem pela igreja católica nem pela igreja protestante oficial da época.
Os menonitas tiveram durante a sua história diversos pontos de discórdia entre si o que sempre acabou levando a divisões e novas denominações entre eles, como por exemplo os
Amish.
Durante o
século XVI os menonitas e outros anabatistas foram duramente perseguidos, torturados e martirizados. Por isso muitos deles emigraram para os Estados Unidos, onde ainda hoje vive a maior parte dos menonitas. Eles estão entre os primeiros alemães a imigrarem para os Estados Unidos.
Em 1788, a convite de
Catarina, a Grande, imperatriz da Rússia, agricultores menonitas da Prússia (atualmente Alemanha e Polónia) emigraram para Chortitza (em 1789) e Molotschna (em 1804) no sul da Rússia (atualmente Ucrânia). Com o passar do tempo, por escassez de terra e outros motivos, surgiram muitas outras colonizações menonitas que lutaram pelo seu bem-estar espiritual, cultural e material em diversas regiões da Rússia Europeia e asiática.Outros imigraram para as Américas.

La graine et le Mulet


de Abdel Kechiche
É verão, um porto cheio de barcos, o céu é azul e a voz de um guia informa aos turistas sobre as belezas e os problemas do local, Marselha, Porto Séte. Uma das turistas não tira os olhos do jovem árabe. Subitamente ele desce as escadas do barco deixando uma moça em seu lugar. A turista e o rapaz são amantes e fazem sexo rapidamente na própria escadaria. Depois vemos um homem magro de sessenta e poucos anos, com uma fisionomia séria e circunspecta, trabalhando no estaleiro e sendo advertido por não consertar o barco no tempo estipulado. Ele é demitido, recebendo uma pequena indenização, já que seu registro na firma é de 16 anos e não 35 como ele menciona, trabalhando entre o sol e o sal. Slimane é pai do jovem guia, imigrante árabe que como quase todos os outros trabalhadores do porto têm uma situação difícil e irregular no sul da França. Sabemos dos problemas trabalhistas através das falas de seus amigos. Neste filme as circunstâncias políticas, sociais e familiares são contadas de maneira indireta e detalhadas, através de atos e diálogos dos personagens. A próxima cena é uma mulher madura lavando o chão da cozinha, mas o que aparece não é seu rosto, mas sim seus fartos seios, característica de mulheres árabes. Ela é a ex esposa de Slimane. São divorciados e ele vive com outra mulher, Latifa, dona de um hotel decadente, e sua enteada Rym, por quem nutre um profundo afeto paternal. Todos os domingos os cinco filhos do casal, genros, noras e netos reúnem-se na casa de Souad, para saborear seu prato mais importante: o cuscuz marroquino, com peixe e legumes. Hamid é o maior problema da família, casado com uma russa e pai de um filho pequeno, é um marido infiel e um pai relapso. Durante esses almoços ficamos sabendo qual é o relacionamento dos familiares, suas esperanças, suas dificuldades como jovens franceses de origem árabe, que quando estão entre si falam uma terceira língua, o árabe misturado com francês. Souad é tão generosa quanto Slimane e, como ele não está presente, ela faz uma grande travessa com seu prato preferido para que ele coma mais tarde com sua filha Rym, pois é assim que ele a chama. Com o dinheiro ganho em sua demissão voluntária, Slimane resolve abrir um negócio que fique para seus filhos e enteada. Incentivado por ela vão a procura de mais recursos para reformar um barco enferrujado e transformá-lo em um restaurante, que ficaria aportado no Quai de la Republique, onde já existem outros iguais. Contudo a burocracia francesa é tamanha, que inviabiliza o sonho de empréstimo. Slimane conta com a ajuda de seus filhos e sua ex-mulher que, cozinheira de mão cheia, faria seu famoso cuscuz e o barco seria um ponto de encontro para a comunidade mulçumana que se encontra espalhada. Batalha pela sua aspiração consertando o barco, com ajuda de um filho e Rym. Todavia, sabemos pela conversa descompromissada de seus amigos, que Latifa está muito enciumada com tal situação, pois contava que ele reformaria seu hotel e legalizaria a situação deles. Um dos amigos narra o dilema entre eles e a família de forma lúcida, simples e eficaz. Esse grupo forma um conjunto musical que toca em festas e eles se comprometem a tocar no jantar, em troca de comida e bebida, que será oferecido “aos figurões da cidade” e a comunidade mulçumana, para que conhecendo o local e provando a comida excepcional de Souad, possam ajudá-lo a legalizar seu sonho. O barco reformado chega ao Quai de la Repulique. Há um número enorme de convidados, mais de cem, que encantados sobem para a embarcação e se deliciam com as entradas que lhes são oferecidas. O futuro prefeito e sua mulher (a amante do jovem) estão lá, assim como o banqueiro e outras autoridades que lhe negaram auxílio. A família serve os convidados e a colossal quantidade de comida foi feita na própria casa de Souad, que tímida não vai à inauguração. O cuscuz e seus acompanhamentos são levados no carro do filho problemático e transportados, em enormes panelas, para a cozinha do barco. Hamid ao ver que sua amante está entre os convivas sai por três horas, pedindo que seu irmão minta por ele, enquanto estiver fora. A festa já está a pleno vapor, quando descobrem que tudo está lá: legumes, molho, peixes, menos o cuscuz, que foi deixado no carro. Hamid é procurado por todos os lados, mas seu celular está desligado e seu irmão não quer denunciá-lo. Nesse ínterim Rym tenta convencer sua mãe a ir à festa, mas Latifa está irredutível: não irá. Com muito esforço sua filha faz com que ela ceda e vá. Chegam e são recebidas pela família de Slimane, que não se encontra, pois fora em busca do filho com sua pequena motocicleta. Chegando à casa da mãe de seus filhos, Souad não está, pois a caridade é essencial para ela e fora levar comida aos pobres. Slimane ao voltar, depois de algum tempo, pois presenciara o drama de sua nora que quer abandonar seu filho, não vê seu veículo. Desesperado, mas sem pronunciar uma só palavra de queixa desde o começo do filme, pois é um homem taciturno e fechado, corre atrás dos três garotos que pegaram sua moto. São cenas dilacerantes, pois se intercalam visões da festa que agora vai mal, pela falta do prato principal, excesso de bebida, e deselegância em receber( opinião dos franceses), com a falta de uma atitude mais pragmática de nosso herói para resgatar a moto ou tomar outra atitude qualquer que o ajude na situação em que se encontra. O barco fica sem luz, para desespero do expectador, mas logo depois ela volta e uma fulgurante figura de seios copiosos, com uma roupa carmim de dança do ventre entra em cena, para delírio dos convivas. É Rym, dando o melhor de si em uma dança maravilhosamente sensual. É o alimento que faltava aos franceses e mulçumanos. Outro flash mostra sua mãe saindo, às pressas, do barco. Contudo, nem nossa jovem Rym, depois de tanto tempo dançando, é capaz de segurar a impaciência das pessoas. Em outro flash Latifa sobe o convés com uma imensa panela de cuscuz marroquino, feito por ela O jantar está salvo! As intercalações prosseguem e agora vemos nosso herói, cansado, sem fôlego, verdadeiramente exausto e exaurido pelo cansaço de tanto correr, já que é um pesado tabagista, desmaiar em plena rua sob o céu estrelado. Sim, esse é o fim do filme. É um espaço aberto para que cada um idealize seu final, dependendo de sua cultura, seu comportamento e sua imaginação. É um grande filme. Os franceses têm realizado filmes cada vez mais belos e depurados sobre o conflito de estrangeiros imigrantes em seu país!
Esse drama recebeu 4 Césares em Veneza, no ano de 2007. Os atores que encabeçam o elenco, grande parte formado de artista s amadores, são os ótimos Habib Boufares (Slimane) Katifa Karaoui (Latifa) e a bela Rym ( Hafsia Hersi) premiada como revelação.







Do outro Lado


de Fatih Akin (Auf der Anderen Seite)



Este é um filme de procuras e perdas. Perdas de vidas humanas, mortes. Procuras de pais e filhos.
A primeira cena mostra-nos um lugarejo ensolarado e um pouco decadente, um posto de gasolina e um jovem colocando combustível em seu carro. Pagando cento e trinta liras, sai pela estrada. Aqui é a Turquia. Depois o vemos em um trem, continuando seu destino. Na Alemanha, Bremen, um velho baixo e muito forte anda pelas ruas das prostitutas, parando para conversar com uma que lhe agrada. Fazem amor e ele se apaixona por ela. Ali é turco e ela também. O tempo passa e eles se dão muito bem. Um dia pede que ela vá morar com ele, pois é viúvo desde que seu filho tinha seis meses, e solitário. Pagaria o mesmo que recebe em seu trabalho, mas seria só dele. Essa mulher madura, bela, e forte aquiesce e vão viver juntos. O jovem turco é Nejat e filho de Ali. Ele aceita bem a escolha do pai, apesar de ser um professor universitário, dando aulas de alemão, focado em Goette, em uma faculdade alemã. É culto e ganha bem, sendo isso um feito raro para um filho de imigrante. Ali é aposentado, mas um homem ainda cheio de vida e desejos sexuais. Após um jantar com os três personagens, Ali se embebeda e tem um infarto, ficando preso ao leito de uma UTI. A mulher escolhida não o abandona, tornando-se amiga de seu filho. Ela confidencia que tem uma filha de 27 anos, na Turquia, e não a vê por muito tempo, desmanchando-se em lágrimas de saudades. Quando curado, Ali volta a seu lado. Contudo, seu ciúme com relação ao filho faz com que, numa discussão, ele a esbofeteie, matando-a! Ele é preso por assassinato e o corpo da bela amante é levado de volta para a Turquia, para ser enterrado. É uma cena e tanto, vemos seu caixão ser transportado para o bagageiro do avião. Nejat participa do enterro e conhece a família, levando consigo um retrato dela, decidido a encontrar o paradeiro de sua filha e custear-lhe os estudos. Compra uma livraria alemã em Istambul e passa a morar nesta cidade, sentindo-se bem e feliz. Ayten, filha da recém-falecida, é uma jovem ativista política, militando pelos direitos dos mais pobres de trabalhar, estudar e viver como cidadãos, pois isso lhes é negado pelo governo turco. Após uma passeata que termina em tiros, ela se refugia em um prédio e na laje dele, esconde a arma que trazia consigo. Perseguida refugia-se na Alemanha, a fim de encontrar sua mãe, que ela acredita trabalhar em uma sapataria. Aí, acidentalmente, conhece a loiríssima Lotte, moça livre e estudante de inglês e espanhol. Amantes, passam a viver na casa da mãe, Sra. Staub (magnífica atuação) que gostava de viajar sem destino como a filha, tendo ambas morado na Índia. Nejat procura Ayten em Istambul e Ayeten procura sua mãe na Alemanha. Os destinos estão trocados. Ayten mora por um ano no novo país, mas é presa por estar vivendo lá ilegalmente. O asilo lhe é negado, visto que a Turquia pretende entrar para a União Européia, e ela, supostamente não seria maltratada em seu próprio país. Deportada para a Turquia fica presa do outro lado de Istambul. Lotte, inconformada, vai atrás dela, indo morar em um dormitório na casa de Nejat, pois o conhecera em sua livraria alemã. Conseguindo visitar Ayten no presídio, assume o compromisso de pegar o revolver e dá-lo a um dos integrantes da facção. Isso feito ela é assaltada por garotos que roubam sua bolsa e seu revolver, sendo assassinada por um deles. Seu caixão é levado para a Alemanha. Temos agora duas mortes que definem o ritmo do filme. A primeira de uma turca na Alemanha, a segunda de uma alemã na Turquia, sendo que ambas eram pessoas boas e admiráveis em seu modo. O cenário é o mesmo do caixão sendo transportado para o avião do início do filme. Nejat mantém o retrato de sua ex-madrasta, afixado no painel da livraria, mas ninguém nunca soube dizer quem ela era, nem mesmo Lotte, amante de sua filha, mas que não a conhecia. Com a morte da jovem, sua mãe vem para Istambul saber como ela vivia. Sozinha no quarto do hotel tem uma crise existencial por remorso e saudade da jovem Lotte que, como ela, gostava de viver livremente. Fica hospedada no mesmo local onde a garota morava, na casa de Nejat, passando a morar em Istambul, onde se sente bem. Querendo realizar o sonho da filha, procura Ayten a fim de tirá-la da prisão. Ayten ao vê-la, pede perdão, sentindo grande culpa pela morte de sua querida amante. Finalmente livre volta à vida normal, mas com outra concepção. Nesse ínterim, Ali já saiu da prisão e é deportado para a Turquia, indo morar no lugarejo que vemos no início do filme, um local paradisíaco, à beira mar. Nejat torna-se amigo da Sra. Staub e ambos rememoram a história bíblica do homem que, para provar sua obediência a Deus, oferece seu filho em sacrifício. Mas Deus faz com que a faca fique cega e no lugar do menino manda sacrificar um carneiro. Apesar das diferentes religiões que professam a história é a mesma. Então a senhora alemã pergunta se seu pai o ofereceria em sacrifício, a que ele responde que essa é uma parábola que sempre o assustou, desde a infância e que perguntando ao seu pai se o faria a resposta foi: “Eu ficaria inimigo de Deus, mas não o ofereceria a ele”. Diante desse fato sobre o qual nunca havia refletido, resolve procurar seu pai, o qual ainda não havia perdoado pelo assassinato. Novamente, a primeira cena nos é mostrada. Em seguida vemos Nejat em busca de Ali que se encontrava pescando em seu barco. Sob o sol quente e o céu azul, sentado na macia areia da praia do mar Negro, diante do oceano de águas calmas e límpidas, Nejat espera pela chegada e reconciliação com seu amado pai.

O diretor é de origem turca, porém nascido na Alemanha. Com este belo filme expõe os estigmas dos dois países e as dificuldades dos turcos que imigram para a Alemanha, se sentindo afinal sem pátria. Os atores são ótimos apesar de não serem conhecidos no Brasil. São eles: Baki Davrak, Hanna Schyguila, Tuncel Kurtiz. As paisagens são compensadoras. Vale a pena ser visto.

O escafandro e a borboleta


Julian Schnabel
Este é um drama que expõe luta, perseverança, resignação e sensações. As sensações são magistralmente focadas pelas lentes do diretor de dentro do personagem principal, de fora, acima e abaixo dele. É a tragédia pessoal de Jean-Dominique Bauby, chamado pelos amigos de Jean-Do. Começa com uma cena de hospital e a imagem sai de dentro do personagem, quando consegue ouvir o médico que lhe explica que teve um AVC, tendo ficado três meses em coma em um hospital em Paris e agora se encontra num hospital de base, à beira mar, por algumas semanas e esta é a primeira vez que abre os olhos. A cidade é a mesma que ele passava as férias na infância e se recorda que lá era um local para crianças e eventos artísticos, mas agora se transformara em casa de saúde. Seguindo as recomendações médicas, olha para a direita e esquerda e conversa normalmente com o clínico, mas este é um diálogo de um só lado, pois ele raciocina e responde, contudo não é ouvido por ninguém da sala, pois está sem fala. Chocado, ele fica sabendo que está sem voz, não pode comer, se movimentar, enfim está totalmente paralítico, movendo somente o olho direito. Seu caso é raríssimo, conhecido como “Síndrome do Encarceramento”. Jean-Do sente-se como um escafandrista paralisado no fundo do oceano, tendo como cordão umbilical um tubo que o liga ao navio dando-lhe ar para sobreviver. Essa metáfora é mostrada toda vez em que ele se sente sufocado ou angustiado pela doença e sua terrível imobilidade. Os médicos são dedicados, competentes e as duas fisioterapeutas, Claude e Henriette, além de lindas mostram-se competentíssimas e interessadas em sua recuperação, não só pela raridade da doença como por sua figura humana, pois ele é um importante editor de revista ELLE francesa, no auge de sua carreira. Uma das jovens trabalha com um método no qual ele é capaz de se comunicar, apenas piscando o olho direito. Uma piscadela é sim, duas são não. Com um alfabeto baseado nas letras mais usadas na língua francesa, ele, com esforço sobre-humano, consegue sair de sua roupa de escafandrista e voar como uma borboleta para o mundo exterior. O mesmo esforço é exigido de Claude, que interpreta seus sinais, e ensina esse artifício para Céline, seus filhos e as pessoas que estão ao seu redor. Ele tem quarenta e dois anos, separado da mãe de seus três filhos e atualmente vivia com Inès, que o ama e é correspondido. Jean pensa muito em seu pai, um viúvo de noventa e dois anos, semi-paralítico, que sente uma saudade enorme da mulher que já se foi. As únicas coisas que lhes são preservadas são o olho direito, sua imaginação e sua memória e elas serão sua vida e sua redenção, pois através delas irá recordar seu passado, imaginar o futuro e reviver os dias anteriores ao acidente. O filme mostra Jean-Do saudável e ativo em seu trabalho, seus momentos de felicidade com sua atual amante e o quanto foi ausente com sua família. Sua mulher, Céline, visita-o constantemente com os filhos e coisas pequenas como celebrar o dia dos pais, fato que nunca havia feito parte de sua agenda, passa a ter um novo significado. Como gostaria de afagar os filhos e colocá-los no colo! Como se arrepende de não ter sido mais carinhoso com Céline que nunca não o abandonou! Outras imagens anteriores nos são apresentadas como a do seu pai, dizendo que se orgulha dele, de um amigo que tendo pegado o seu lugar em um avião, pois estava com um compromisso importantíssimo, acaba sendo seqüestrado e aprisionado por extremistas em Beirute, por quatro anos, sendo confinado em uma minúscula adega. Esse homem quando o visita diz que suas posições, agora, são iguais e o aconselha a tirar o que há de mais humano de dentro de si para sobreviver! Essas recomendações são muito valiosas para sua recuperação. Ocorrendo até certo ponto, lhe permite escrever um livro de memórias, com a ajuda de Claude. O título é Le Scafandre et le Papillon, dedicado aos seus filhos e a ela, no qual se baseia o filme. Todos os abrangidos por essa tragédia rezavam e esperavam por um milagre. Jean-Do, apesar de cético, ansiava que isso ocorresse. Ele menciona que sua vida é uma sucessão de pequenas fatalidades e a metáfora usada é uma cena na qual vemos montanhas cobertas de gelo, que começa a cair até que se tornar uma avalanche e em seguida elas estão outra vez produtivas e em pleno verão. Essa mesma cena é repetida, ao contrário, quase no final do filme, quando, já bem melhor relembra o dia de seu acidente. Durante um final de semana leva apenas seu filho para passar o dia com ele, todavia prometendo que o próximo será só da caçula. No seu novo carro conversível os dois conversam sobre problemas da adolescência, pois ele não quer que o garoto sofra com esse período difícil. Porém o céu começa a ficar nublado e ameaçador. Apesar disso ele sente um calor repentino e pergunta se o filho também está quente. O garoto diz que não. Sua fisionomia vai ficando densa, transtornada e ele sente frio pressentindo que vai chover. Com grande mal estar, adverte o filho que encostará o carro. Felizmente Jean tem tempo para fazê-lo, pois em seguida perde os sentidos. Seu filho corre a procura de ajuda e ele é imediatamente levado para o hospital em Paris. Sua mente volta à clínica de base. A câmera mostra Jean-Do no terraço onde adora olhar o farol, que simboliza sua proteção, e a linda paisagem à sua frente. Cercado de amigos e animado com seu progresso murmura alguns sons como se fosse uma melodia, mas começa, repentinamente, a tossir e é acometido por uma pneumonia. Levado para a UTI a imagem da câmera volta a sair de dentro dele. Imagens cortadas, obscuras, desesperadoras e aos poucos o som de bip vai se tornando cada vez mais fraco e seu pensamento mais difuso, inconsistente... Até que pare. Nosso herói está morto, aos quarenta e três anos!
O excelente elenco é formado por Mathieu Amalric (Jean Do) e Emmanuelle Seigner nos principais papéis.

Une Fille Coupée en Deux


Claude Chabrol
Trata-se de uma ótima tragicomédia psicológica de Chabrol, 78 anos, um dos representantes da nouvelle vague francesa, que tinha como integrantes além dele Truffaut, Rohmer e Rivette, todos admiradores de Hitchcock. O filme baseia-se em fatos reais ocorridos em Nova York, no século XIX, e filmados por Richard Fleischer em 1955 sob o título de O Escândalo do Século. Esta excelente história começa com o céu totalmente vermelho sobre uma estrada rodeada de árvores na cor verde escuro e preto. A estrada acaba numa bifurcação e um carro esporte escolhe o caminho da direita, indo parar numa moderníssima casa de campo, em Lyon. As cenas passam a ter um tom normal. Estamos na casa de um maduro e famoso escritor, Charles Saint-Denis (François Berléand), casado há vinte e cinco anos com uma bela mulher independente, e na companhia de sua amiga e editora Capucine. A moderníssima casa é nada menos do que espetacular e seu relacionamento matrimonial parece ser perfeito. Tudo completo. Ele é avesso à mídia, mas precisa dela para vender seus livros e como acaba de lançar seu último volume, comparece a um coquetel de lançamento, onde a fina nata intelectual e financeira está presente, o Jet Set. Sua esposa parte, pois viaja constantemente. Ele, descobrimos agora, sempre insinuante e à procura de novos amores, olha para uma jovem angelical, Gabrielle (Ludivine Sagnier) que é o personagem central do filme. Gabrielle trabalha em um canal de televisão, onde é a moça da meteorologia. Elogiada pelo chefe e seus colegas, tem a possibilidade de ter um programa só seu. No dia seguinte ao coquetel, Charles vai a uma livraria, onde ocorrerá a venda dos livros e o dia de autógrafos. Um jovem dândi, Paul (Benoit Magimel), chega com seu caríssimo carro e, passando à frente dos demais compradores, exige um livro e maltrata o escritor, o qual odeia, mas que o conhece desde a infância, pois era amigo de seu falecido pai. Paul é herdeiro de um império farmacêutico, vivendo com sua mãe e duas irmãs numa enorme mansão em estilo francês. Nesse thriller existem três homens interessados em Gabrielle. O escritor maduro, o bon-vivant e seu chefe. Nossa heroína encontra-se totalmente deslumbrada com Charles. A livraria onde ocorre o lançamento é de sua mãe, tendo a garota sido criada cercada por livros e cultura. Assim ele tem a oportunidade de vê-la novamente, convidando-a para sair. Paul percebe o relacionamento que está surgindo e, morto de ciúmes, quer cortejá-la também, porém é sempre preterido pela experiência e sedução do escritor. O casal com idades e experiências tão diferentes passa a freqüentar uma garçonière, no centro da cidade, sua segunda moradia. Ao deparar-se com uma ótima foto de um trem, ela pergunta de onde é e se ele a levará para conhecer o local, contudo a resposta é negativa e o lugar é Lisboa. Gabrille sai enfurecida e confidencia seu affaire com o conhecido escritor à sua mãe. Ela não aprova a diferença de idade, mas não reprova a filha que se encontra totalmente arrebatada por ele e por seus métodos de sedução. Charles inicia seu encanto comprando para ela, em um leilão, um livro ilustrado raro e caríssimo de um escritor francês fiel seguidor do erotismo e da sensualidade. Sua jovem musa o satisfaz em todas as fantasias sexuais, nunca se sentindo humilhada ou pervertida. Ela é uma jovem carente de 25 anos, sem pai, e com o passar do tempo, se torna inconveniente, por exigir demais sua presença e amor. Acreditando que ele não tem um casamento feliz, quer persuadi-lo a ficar só com ela. Entrementes Paul persegue Gabrielle por toda parte, não aceitando ser rejeitado já que, sendo milionário e mimado, nunca soube o que era não ter o que queria. Apesar de tudo eles se tornam amigos e se vêm com certa regularidade. A mãe de Paul, sabendo que ele está apaixonado pela garota, desaprova o fato, pois porá em risco sua fortuna e credibilidade frente à sociedade francesa e seu grupo filantrópico, típico para amansar a consciência de quem só desfruta do melhor. Como é previsível, Charles desaparece e troca a fechadura da garçonière. Vemos uma Gabrielle frustrada, desesperada e depressiva. Sua mãe não sabendo mais o que fazer, chama seu irmão para ajudá-la e acabam por planejar a história da Bela Adormecida, onde um príncipe beija a jovem, ela desperta, casam-se e são felizes para sempre. Paul e Gabrielle tornam-se namorados, mas ele não consegue esquecer o passado da moça, sendo constantemente atormentado pela visão dela e do escritor. Apesar dos problemas, ela consegue realizar seu sonho de ir a Lisboa e andar no trem da foto mencionada no princípio da história, com seu novo namorado. Contudo, em Portugal, ocorre uma briga muito grande entre o casal e Paul, sacando uma pequena pistola, ameaça matá-la e se suicidar, não passando, porém, de uma encenação. Um ano já se transcorreu e os jovens estão com o casamento marcado, para desespero da mãe de Paul, que jamais aceitaria uma menina comum participando de seu seleto “mundo superior”. Gabrielle no dia anterior à cerimônia vai provar seu vestido de noiva, mas é surpreendida por Charles, que sabendo da notícia, vai abordá-la, pedindo que não se case, pois o rapaz é um psicopata. Gabrielle ainda o ama, mas só ficará com ele se Charles separar-se da mulher, o que está fora de questão. O caso com Paul é grave, ele havia seqüestrado uma menina de 9 anos, quando era adolescente, mas o episódio foi abafado pela família. Os enamorados casados, Gabrielle passa a viver entre os ricos e poderosos, mas não está feliz pela desigualdade de metas entre eles. Durante uma cerimônia em que Charles será homenageado pelo grupo filantrópico de Lyon, cuja presidente é a mãe de Paul, os jovens se atrasam e no exato momento em que Charles se levanta para falar, eles chegam. Ela mais linda do que nunca, vestindo um traje vermelho sangue, e ele elegante em um terno risca de giz e plastron. Andando sempre na frente da esposa, sobe no palco onde Charles já se encontra e postando-se ao seu lado, saca a mesma pistola e atira contra o rival, matando-o fulminantemente. Preso, sua família, depois de contratar diversos advogados, chama o filho do advogado de seu falecido marido para propor a Gabrielle que deponha contra Charles, diminuindo os anos de prisão de sua pena. Nossa protagonista, que agora mora com a mãe, é convencida e concorda em comparecer na casa de sua sogra. Essa fria mulher conta que, antes de Paul nascer, tivera outro filho, com diferença de dez meses. Eram como gêmeos e estavam sempre juntos. Uma noite, durante o banho enquanto os garotos brincavam na mesma banheira e rindo alto, subitamente o riso é só de Paul. Alarmados os pais correm para lá e a cena é de Paul feliz e seu irmão mais velho morto aos cinco com a cabeça dentro da água. Nunca souberam o que houve de verdade, mas está claro que foi um assassinato motivado em ciúmes cometido por uma criança na sua primeira infância! Gabrielle se comove muito com o infortúnio e chega a tocar o ombro da sogra. Chegando a casa afirma para a mãe que só fará uma coisa: contar “la vérité, toujours la vérité[1]”. Ingênua Gabrielle! Seu marido, apesar de receber somente sete anos de prisão graças a seu testemunho, não a recebe e procurando a sogra fica sabendo que ela não terá direito a nada, ficando somente com seu carro esporte vermelho. Mais ainda, Paul foi declarado incapacitado para qualquer ação e com isso ocorrerá o divórcio. Última cena: seu tio, um mágico, tem agora Gabrielle como assistente. No teatro lotado, ele a coloca deitada em uma mesa para ser cortada em dois. Gabrielle enquanto é serrada, vira seu lindo rosto para o lado e uma lágrima cai de seus olhos azuis. O palco fica negro. Novamente a luz se acende e a esplêndida Gabrielle, em pé, abre seus braços e sorri para a platéia. Seu semblante mostra que acabou com sua vida e carreira!
Esse filme consistente nos mostra o preconceito entre classes sociais, ainda tão presente entre os europeus. O psiquismo doentio que se alastra entre tantas pessoas, independentemente do grupo social, a mentira, a infidelidade conjugal, a ambição e desejo Concluindo, todas as fraquezas humanas! A atuação dos atores é impecável e devemos notar como o tom vermelho sempre antecipa fatos vitais no desenrolar da história. O título poderia ser: Desejo, Ambição e Morte.
[1] A verdade, sempre a verdade.

As Aventuras de Molière




Esse delicioso filme trata de um episódio fictício da vida deste conhecido dramaturgo francês, Molière, cujo nome verdadeiro era Jean-Baptiste Poquelin.
O elenco, pouco conhecido do público brasileiro, é estrelado por Romain Duris, que interpreta o escritor, Laura Morante, dama casada com o rico mercenário Jourdain, interpretado por Fabrici Luchini. A película utiliza-se de trechos de suas obras para adaptá-los ao filme, no intuito de revelar a vida desse mestre do humor satírico e sua crítica à sociedade burguesa renascentista. Seu estilo é ácido e inteligente.
Um grupo de carroções, puxados a fortes e belos cavalos, chega a Paris e dirigi-se diretamente a um requintado teatro. Esses são Molière e sua trupe de artistas que, depois de 13 anos de viagens através das aldeias e cidades da França, chegam à capital, a fim de encenarem uma peça a pedido do rei. Molière insiste em escrever uma tragédia, que não é seu estilo e não fora o encomendado pela alteza, mas acaba cedendo para redigir uma comédia. Seu ponto forte eram as farsas, que agora ele desprezava por não atingirem a alma humana. Debruçando para escrevê-la recebe um recado que uma senhora estaria esperando-o, vendo de quem se trata, precipita-se para visitá-la. Então a história retrocede por 13 anos. O jovem Molière encontra-se falido com sua trupe e, numa taverna enquanto atua, é admoestado por dois fiscais que cobram uma dívida, pela qual é preso. Salvo por um tabelião, deixa seus amigos e se dirige para a rica mansão do Sr. Jourdain, que apesar de casado com uma linda mulher e pai de duas filhas, está apaixonado por uma viúva de vinte anos, com uma vida bastante agitada e aberta a conhecer outras pessoas divertidas. Esse bufão quer se servir do talento do jovem para encenar uma pequena peça escrita por ele mesmo. Para isso Molière se passa por um religioso. Todavia tenta fugir algumas vezes, analisando a péssima qualidade do texto e a personalidade do rico homem. Numa última tentativa, vendo a figura nua da bela senhora Jourdain, resolve ficar e tentar fazer alguma coisa com seu destino. A esposa do rico homem e Molière, depois dos primeiros atritos, passam a se admirar, tornando-se amantes. Ela é madura, linda, conhecedora da dramaturgia e muito mais preparada do que outras mulheres do seu tempo. Sra. Jourdain foi responsável por sua estada, pois seu marido havia avaliado mal a peça escrita pelo jovem. O nosso “fanfarrão” escreve bilhetes apaixonados e envia jóias para sua amada viúva, através de um nobre falido, que jamais os entrega. O filme usa trechos verdadeiros de Molière e os insere nessa comédia de duplo sentido, como se falassem de uma terceira pessoa, que na realidade são elas mesmas, resultando no resgate da atenção de quem a vê. Sr. Dorante é desmascarado por Molière, quando rasga um dos bilhetes, vendo-se abrigado a apresentá-lo a jovem Célimène (Ludvine Sagnier). São seqüências de cenas rápidas e hilariantes, que culminam com a recusa da viúva. Enquanto o Sr. Jourdain está focado somente em sua meta, os novos amantes têm oportunidades únicas de se desejarem e discutirem a arte da dramaturgia. Ele quer que sua adorada abandone tudo e o siga em sua turnê artística, mas o plano é recusado por ela, pois seu lugar é outro, como também seu mundo. Isso fere nosso ainda imaturo e ingênuo artista. Há uma cena especial com dois espelhos. Um para Molière e outro para a Sra. Jourdain. Eles iriam se encontrar à noite, mas resolvem ensaiar o que seria dito e respondido pelo outro, diante de suas imagens. Esse diálogo é travado através dos corpos refletidos no espelho, resultando em cenas bem divertidas. Molière resolve ajudar também a filha e a esposa do Sr. Joudain, pois apaixonado, não quer partir e deixá-las em dificuldades emocionais. Sua filha está grávida e amando um jovem sem título ou dinheiro. Seu pai arranja um casamento com o filho de seu nobre e pobre amigo Durante o que transtorna a filha. Irredutível, Molière constrói uma pequena farsa, com a ajuda da mãe da garota, em que a menina teria sido seqüestrada, no porto, por homens que exigem 30.000 liras. A Sra. Jourdain a interpreta à perfeição, mas aumenta a soma para 50.000 liras, para poder ficar com o restante e ajudar o amante. Essa farsa é desmascarada, casualmente, pela própria filha. Desesperada vê-se, do dia para a noite, em frente de um juiz que oficiará a cerimônia. No momento fatal aparece o mesmo tabelião do início do filme, com uma carta atestando que o Sr. Jourdain perdeu todos os bens em um incêndio. Agora quem não quer o casamento é o ambicioso nobre Durante, que sai com o filho às pressas. Aproveitando o juiz que já fora pago, o pai exige outro noivo, surgindo, para surpresa de todos, o seu amado. O casamento é realizado para que a felicidade seja total, pois a bela senhora só poderia sê-lo ao lado das filhas que adora. Outra farsa também é encenada para que o bufão se saia bem diante da recusa da jovem marquesa. Todos satisfeitos, o filme volta ao início, treze anos depois. A cena é Molière, entrando na casa da senhora que clamara por sua presença. Não é outra senão madame Jourdain, que tuberculosa e no final de sua vida, quer vê-lo uma última vez. Ele se emociona as lágrimas e pede perdão pelo longo desaparecimento. Não há o que ser perdoado, pois ele lhes proporcionou anos de felicidade, com netos, as filhas e o marido, agora redimido. Molière já um artista consagrado e admirado pelo poderoso Luís XIV, volta ao teatro e vê sua peça sendo encenada, através de um fino véu, atrás do qual aparecem somente as sombras dos atores, não numa farsa, mas em uma comédia que toca a alma. Finalmente ele conseguiu inventá-la.

Considerações sobre o filme

Venho gostando muito dos mais recentes filmes franceses. São inteligentes, com ótimas atuações e temas muito interessantes. Molière nasceu em Paris, no ano de 1633 e morreu em 1673, aos 51 anos. Foi Tapissier du Roi, aos 18 anos, cargo associado a valet de chambre, tendo convivido com a realeza. Depois de Luís XIII o teatro entrou em voga. Completou sua formação acadêmica na escola de jesuítas, College de Clermont. Fundou a troupe de teatro L’Illustre Théâtre, que acaba falindo. Assume o pseudônimo de Molière. Em decorrência da falência é preso. Ajudado pelo pai sai da prisão e parte em turnée pelas cidades e aldeias francesas, durante 14 anos. Apesar da preferência pela tragédia, é na comédia que encontra seu sucesso. Aconselhado por Richelieu honrou sua profissão como comediante Tinha o lema “ridendo castigat mores”, ou seja, “rindo se corrigem os costumes” Luís XIV foi amigo e admirador do seu trabalho como o Mestre do Duplo Sentido.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

LadyChatterley




de Pascale फेर्रण


Lady Chatterley, filme dirigido por Pascale Ferran e baseado no romance de D.H.Lawrence, escrito em 1928, nos “seduz”. Com uma fotografia belíssima dos campos ingleses com suas casas peculiares, suas flores silvestres multicoloridas, seus lagos e riachos de água cristalina e seus habitantes típicos de todas as classes sociais, desde os aristocratas até serviçais e trabalhadores enegrecidos das minas de carvão, muito exploradas na época devido à revolução industrial do século XX. As greves grassavam em virtude do péssimo ambiente de trabalho e às reinvidicações trabalhistas. O socialismo parece ser uma saída para aquele tempo.
Nas primeiras cenas, nos deslumbramos com a paisagem do bosque e com a beleza da construção da mansão senhorial do campo mobiliada com ricos tecidos e ornada com pratas de lei e louças caríssimas. Seus proprietários são Mr. Chatterley, que se encontra numa cadeira de rodas devido a graves ferimentos ocasionados pela primeira guerra mundial e sua belíssima esposa de vinte e três anos. Ele depende dela para as mais ínfimas necessidades, desde tomar banho, barbear-se a ser transportado para qualquer lugar. Poderia ter uma enfermeira, mas acha que Constance (ótima Marina Hands) é quem deve ajudá-lo, esse seria seu dever. Realmente ela se desempenha com perfeição, mas a monotonia do serviço doméstico, que ela faz questão de dividir com os serviçais, não é suficientes para uma mulher jovem, sadia e cheia de vida como ela. Em decorrência dessa situação, aparentemente sem saída, adoece gravemente e é levada a um médico em Londres que, após examiná-la acuradamente, conclui que ela está bem, mas precisa mudar totalmente sua rotina de vida, pois esse desgaste pode levá-la a um câncer, como ocorreu com sua mãe. Retornando, aconselhado por sua cunhada, Lord Chatterley cede quanto à enfermeira, uma viúva de quarenta anos, e se adapta muito bem ao novo estilo de vida. As duas mulheres se tornam amigas e a nova ajudante aconselha-a a fazer um passeio até a casa do guarda-caças, pois o local encontra-se repleto de narcisos. O dia está lindo e os pássaros trinando, Constance sai e se emociona, pois faz muito tempo que está encerrada dentro de casa. Ao se aproximar da casa do guarda-caças, se surpreende ao vê-lo lavando-se em um balde, com o torso nu. Cora diante da cena, mas não desvia o olhar nem por um instante, pois se sente curiosa ao ver um físico forte e sadio de um camponês. Quando termina sua toalete, ela bate na porta de sua casa e é mal recebida. Gostaria de voltar mais vezes, pois é um lindo local com paisagem verde ao fundo e diversas aves, como faisões, encomendados pelo marido para o dia seguinte e galinhas de todo porte. O passeio lhe dá outro semblante, agora ela se sente mais revigorada pela proximidade com a natureza, os animais e as flores. Depois de diversas caminhadas para o mesmo local, se sente tão em paz, que resolve ler na porta da pequena cabana de madeira, onde ficam as ferramentas e a ajudar a cuidar das pequenas aves. Pede, então outra chave, para poder vir sozinha e desfrutar daquele maravilhoso sossego. Parkin (excelente Jean-Louis Coull’ch), todavia coloca diversos impedimentos para isso. Ela não desiste e comenta com o marido sobre o fato e ele, sorrindo, acha natural, pois ele é um simples camponês, muito introspectivo, e aquele é seu território, mas se ela fizer questão é só pedir-lhe outra chave. Assim Constance e Jean-Louis começam a ficar mais acostumados com a companhia um do outro e até acham falta desse contato empregado-proprietária, que surge tão espontaneamente, pois ambos gostam da natureza e dos animais. Ele a observa, cautelosamente, enquanto a jovem lê ou trabalha no jardim. Ela mais confiante por sua posição social também retribui a amizade. Certa feita, aproxima-se dele e a atração entre os dois é inevitável, ele um típico trabalhador, forte, sério e sensual, ela uma lindíssima dama, alta, porte esbelto e desprentesiosa. Acariciando seu seio, ele a abraça e ela corresponde suavemente. Fazem amor na pequena cabana pela primeira vez. Os dois vestidos, ela sobre um cobertor e lã e ele, contido, se realiza, enquanto ela sorri e quase o acaricia. “É um fato que estava fadado a acontecer” diz ele muito circunspecto. Concordando Constance parte prometendo voltar. Passam-se dias e ela não aparece. Contudo, algum tempo depois, eles se revêem e a atração dele por ela e seu grande embaraço, por ser uma pessoa de classe social baixa, é evidente sendo esse um tabu na Inglaterra até os dias de hoje. O amor é feito como da primeira vez, num misto de cerimônia e desejo. Um terceiro encontro se dá e agora não na cabana, mas sob uma árvore frondosa do bosque, quando ele se senta em cima de seu casaco e ela no seu colo, trajando um elegante tailleur de veludo encarnado, sente prazer pela primeira vez em sua vida. Agora não apenas sorri timidamente, mas o ama de verdade. Essa situação continua e os dois encontram-se felizes. Ele, porque a venera e ela porque gosta dele, mas ainda não sabemos se o ama, realmente.
Nessa época, na Inglaterra, havia um princípio vitoriano que dizia “ladies do not move”, ou melhor, elas estão sempre subalternas aos mandos dos maridos, não tendo liberdade física ou cívica para fazer qualquer coisa, como estudar, trabalhar ou exercitar-se. São aprisionadas em seus sonhos. Ela pede ao seu marido permissão para ir à Natividad, uma região na Reviera Francesa, com seu pai e irmã por cinco semanas. Depois de trocas de pequenas ironias, Lord Chatterley insinua que todos dizem que ela está à procura de um herdeiro para seu título e que ele consente que ela se relacione, durante esse período com algum homem de origem inglesa e de alta estirpe, pois ele aceitará a paternidade da criança. Ela se sente magoada com tal proposição, mas se lembra de Parkins e que é com ele, um plebeu, que quer ter um filho!
Durante um de seus encontros com o guarda-caças, um forte temporal desaba e ela uma naturalista, que não se envergonha de seu corpo, despe-se e vai correr sob a forte chuva de verão, como uma criança. Parkins abserva-a, com amor e deslumbramento por tanta naturalidade e espontaneidade, e se junta a ela, também nu, e os dois têm momentos de alegria e realização. Sabendo que ela vai viajar, fica amuado e inseguro e nessa noite se posta em frente ao casarão para olhar o quarto de sua amada, que dormia separada do marido.
Constance tem um imenso desejo de ser mãe, de ter um marido que ame e admire e um lar, onde seja a verdadeira dona. Obstinada segue em viagem, depois de passar uma noite toda na casa de Parkin, em sua cama, como sua esposa. É um relacionamento diferente dos outros, pois os dois se tocam e se olham, com seus corpos nus. Essas cenas são de extrema delicadeza e “cerimônia”, pois nos dias de hoje a sociedade é bem permissiva em questões de amor, sexo e nudez. Tudo é descerrado muito cedo e você perde a beleza da conquista e do reconhecimento mútuos, o que nos faz, sem dúvida, mais cínicos! Antes da viagem, o marido de Constance resolve sair em um triciclo motorizado, feito especialmente para ele, para que tenha mais mobilidade e independência. As cenas que se seguem são tristes e patéticas, pois ele, com a determinação que lhe é peculiar, não aceita que o veículo não possa ir aonde ele determinar e depois de inúmeras tentativas de subir em um local íngreme, é empurrado por sua mulher e Parkin. Para seu ego é uma terrível derrota, pois sempre dependerá de alguém. Após esse momento é chegada a data da viagem. Constance mostra-se muito feliz ao embarcar no carro de sua irmã, mas passando em frente ao local onde se tornara, realmente, mulher, agoniada, implora que o carro pare e vai até a querida árvore e, com surpresa, vê que Parkin também se dirigiu para lá. Beijando-o e prometendo voltar e dar-lhe uma pequena fazenda para que possam, quem sabe um dia viverem juntos, a viagem até a Reviera prossegue. Pai e filhas, juntos, fazem com que se fortaleçam os laços de união familiar, ensinados há muito tempo. Constance torna-se, repentinamente, melancólica por saudades de seu amado. Nesse período de férias, recebe muitas cartas de Lord Chatterley, dando notícias sobre sua saúde, seus livros e fofocas locais. Numa delas menciona que o guarda-caças está aturdido, pois sua ex-mulher voltou a morar com ele, tendo sido abandonada por seu atual companheiro. Desesperançada Constance piora, mas recebe uma correspondência da enfermeira de seu marido, dizendo que Parkin está morando com a mãe, pois após o divorcio sofreu uma agressão de bêbados, tendo ferido seriamente a cabeça.
Voltando antes do combinado, encontra seu marido fora da cadeira de roda, com muletas, movendo-se e em ótima saúde e humor! Alegra-se por isso, dando-lhe mais liberdade para resolver seu futuro. Encontrando-se com seu amado, que está dando as chaves de sua casa para o novo funcionário, abraçam-se com certo constrangimento para ele. Ela lhe revela que terá um filho dele e que seu marido vai assumir a paternidade do bebê. Implora para que ele não vá embora e que aceite sua oferta. Depois de refletirem sobre suas condições sociais e emocionais, pois ele é muito sensível e solitário e ela muito segura como mulher, Parkin concorda em aceitar a pequena propriedade e promete esperá-la com fidelidade e paixão, até que ela resolva se quer ou não ir morar com ele. Constance diz que o ama perdidamente e chora quando ele lhe confidencia que ela lhe abriu as portas do mundo, pois antes ele vivia aprisionado e com medo dentro de si mesmo. Ela simbolizava sua CASA, o lugar onde gostaria de estar por toda a sua vida.
Esse filme aborda várias coisas além das comentadas no primeiro parágrafo. A nudez é mostrada pela diretora com pureza e naturalidade assim como as cenas de sexo, que são muito bonitas e discretas. A paixão pela natureza e pela liberdade das mulheres da época é interpretada divinamente por Marina Hands. Sua altivez e postura fazem dela a verdadeira heroína do livro - inteligente e madura. Jean-Louis tem o típico físico dos ingleses atléticos, estatura normal e suas feições são muito definidas e desconfiadas. Ele não baixa a sua guarda e comparta-se com discrição. O filme é contemplativo, as belíssimas cenas são apresentadas sem pressa. Os céus são filmados desde o seu azul ensolarado até, progressivamente, tornarem-se nublados e negros, desabando em tempestades. A representação dos empregados é impecável, enfim você se vê dentro da história e isso é ótimo!

Cultura

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Reca