sexta-feira, 29 de maio de 2009

OS FALSÁRIOS de STEFAN RUZOWITZKY


















Esse impressionante episódio baseado em Evil’s Workshop de Adolf Burger, é magnificamente interpretado por Karl Markovicz. O autor do livro narra a história ocorrida em Sachsenhausen, prisão perto de Berlim, durante a Segunda Guerra Mundial. Aí, cento e quarenta e quatro prisioneiros judeus, de treze nacionalidades, foram forçados a falsificar bilhões em notas. O plano foi chamado de “Operação Bernard”. Esse foi um dos episódios mais memoráveis em que os nazistas tentaram o colapso econômico dos opositores. nante drama dirigido por Stefan Ruzowitzky, com supervisão do único sobrevivente da tragédia, o judeu eslavo Burger, autor do livro, foi o ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Vendo a película é fácil compreender porque derrotou o também eficiente Katyn. Trata-se de um filme enxuto e disseca-nos uma história pouquíssimo explorada, dentro da já tão retratada Segunda Guerra Mundial. Salomon Sorowitsch (Markovicz) era um judeu russo, o maior falsário de sua época. Na primeira cena o vemos em Mônaco de 1946, sentado diante do oceano escuro. Ele está gastando uma fortuna, em um cassino, cercado por lindas mulheres e sua escolhida reluta em dormir com ele, por ter gravado no braço seu número de um campo de concentração. Depois dessa cena, retrocedemos para 1936, Berlim, em um campo de trabalhos forçados. Alguns artistas como ele, os melhores em suas profissões, são selecionados para ir a outro campo, Sachsenhausen, onde se passava a “Operação Bernard”, que era inteiramente desconhecida dos prisioneiros e demais cidadãos. Havia a tentativa de falsificar milhares de libras esterlinas e em seguida dólares, a fim de inundar o mercado aliado com moedas falsas, o que desestabilizaria esses países, pois a Alemanha já estava em plena bancarrota. Esse pequeno espaço da prisão apresentava algumas regalias como: comida melhor, uma cama descente e um pouco de sol. No entanto, o muro de madeira que os cercava do resto do campo, não era suficiente para barrar os gritos de horror e o som dos fuzilamentos ocorridos, bem ao lado deles. Múltiplas personalidades artísticas se misturavam nesse reduto, tais como o jovem Burger que já sobrevivera em outros campos e que tinha sua mulher, Gizela, presa em Auschwitz. Possuidor de um forte sentido de justiça, patriotismo e caráter é totalmente contra ser um agente colaborador da SS. Outros, porém, pensavam em suas famílias e sua sobrevivência. Surge uma divisão, uma cisão entre eles. Salomon, que nos narra a história sob sua ótica, é um homem duro, sofrido, pragmático que tenta conciliar o trabalho de falsificação com a sua sobrevivência e dos demais, por se mostrar possuidor de uma personalidade genial e perseverante. Está disposto a não esquecer as dificuldades de seus companheiros, sendo um dos mais velhos do grupo. O espectador não presenciará cenas terríveis de violência, mas sim de dignidade e autopreservação, apesar das ameaças constantes dos oficias nazistas e suas humilhações. Essa bela história termina, novamente, em Mônaco, na mesma praia, com Salomon e sua preferida dançando à luz do luar. É um filme imperdível, por toda a grandeza que encerra essa narrativa.
Curiosidade: Em julho de 2000, o escritor esteve presente no lago Toplizee, quando milhares dessas notas vieram para a superfície.

domingo, 17 de maio de 2009

DESEJO, PERIGO de ANG LEE














O filme começa na Xangai de 1942, sob ocupação japonesa. Em um elegante bairro, um grupo de quatro mulheres lindíssimas joga, enquanto conversam para passar o tempo. Às 14.55 horas a mais jovem, Mrs.Max, sai para um compromisso. Ao chegar a um elegante café, telefona para um homem e a próxima cena conterá cinco jovens com armas na mão, prontos para matar. Voltamos para Hong-Kong em 1938, quando Max, na verdade Wong era estudante. Jovens universitários, alunos de teatro, reúnem-se e formam um grupo de resistência contra a invasão japonesa na China. São quatro rapazes e duas moças, totalmente amadores, mas profundamente nacionalistas. O plano é resgatar a China do Japão. O plano concebido é que a bela Wong (excelente Tang Wei), atuando como senhora Max seduza o chefe dos colaboracionistas chineses, senhor Yee (ótimo Tony Leung). A história é muito bem dirigida por Ang Lee e ambientação muito convincente. Wong se infiltrara na casa de Yee, conseguindo a amizade de sua esposa, ao mesmo tempo em que tenta atraí-lo discretamente. Marcam um encontro em um restaurante vazio, onde o jogo de sedução se instala, ela vestida com um lindo vestido azul royal transparente e florido, que ele lhe dera de presente. A conversa é amena, contudo inteiramente sedutora. Esse jogo é bruscamente interrompido, mas continuará em Xangai, anos mais tarde, para onde Yee fora enviado há três anos. Estamos em 1942. Ela, ainda atuante em sua meta política, concorda com o jovem líder a continuar sua missão. Instalada no quarto de hóspedes da casa dos Yee, é comandada por um velho soldado chinês da resistência, Wu, o qual havia presenciado a morte da esposa e seus dois filhos por Yee, agora cabeça da organização colaboracionista. Wu explica-lhe que a missão é de alto risco dando-lhe, inclusive, uma cápsula para morrer quando em perigo. Segue suas ordens ao pé da letra. Terá que propiciar um momento adequado e extrair informações. Com o passar do tempo, Yee e Wong, finalmente, encontram-se em um quarto discreto, quando esse homem vigoroso revela-se brutal, chegando a machucá-la e praticamente estuprá-la. Aconselhada pelo jovem líder dessa pequena brigada, por quem nutre um amor contido que parece ser correspondido, segue a procura de um momento em que estejam sós e seu amante possa ser assassinado. Entretanto, nesses encontros a dominância masculina continua, mas há além do desejo, muita atração de ambas as partes. É sexo forte e contundente, o que parece satisfazer a ambos, nesse momento de suas vidas. No luxuoso bairro japonês ele a recebe, mas Wong prefere cantar-lhe uma canção romântica que fala sobre a agulha e a linha que não poderiam mais viver separadas. Pela primeira vez os olhos de Yee ficam marejados de lágrimas, mas é algo bem sutil. O filme é muito marcado pelas expressões dos artistas, mais do que os diálogos e há muita simbologia. Temos a impressão de que os dois estão realmente envolvidos. Ela pela morte da mãe e abandono do pai e ele por sua posição. Depois desse encontro Yee lhe entrega um envelope e um endereço. É uma joalheria onde ela recebe de presente um anel de diamante, magnífico, de 6 quilates, o ovo de codorna tão cobiçado pelas mulheres. Wong se desestabiliza ao fitá-lo. Ele será feito como ela o desejar. Esse fato é comunicado para os revolucionários da resistência. No dia em que pegarão a jóia, que já estava pronta, uma armadilha é montada para assassiná-lo. Ao ver o anel deslumbrante ela cora e quer tirá-lo do dedo, mas Yee não permite (seria ele o símbolo da paixão?). Ela fita Yee com uma mistura de sentimentos que estão incontroláveis, nesse instante, e pede para que ele fuja imediatamente. Ele consegue! O amor dela por ele, finalmente, fora declarado sem simbolismos. As cenas finais que se seguem são as mais opressoras e entorpecentes possíveis. Um belo filme de quem já fizera Razão e Sensibilidade e O Segredo de Brokeback Mountain. O espectador sai fadado a compreender a perplexidade do amor e do desejo. Não deixem de conferir o lençol branco amassado da cama de Wong. O filme é baseado nos contos da famosa escritora Eileen Chang, morta em 1995.

sábado, 2 de maio de 2009

A JANELA de CARLOS SORÍN








Esta é uma pequena jóia que deveria ser muito bem guardada. Trata-se do filme de Carlos Sorín, que sendo admirador de Chekhov, escreve um drama como os contos do famoso escritor: curto, preciso e detalhado. Uma voz envelhecida, conta-nos um sonho “raro”: um senhor sonha que sua mãe despede-se dele, pois iria a uma festa e o deixa aos cuidados de uma bela babá. Contudo essa criança de 5 anos ouve música no andar de baixo e percebe que o baile era em sua própria casa. A babá se aproxima e ele a vê, belíssima. Acordando, tem medo de perder essa imagem escondida em seu cérebro, há mais de oitenta anos. Seu rosto ele não conseguira vislumbrar. Esse é um grande dia para o escritor Don Antonio, pois seu filho que não via há longos anos devido a um desentendimento, voltaria da Europa para visitá-lo. Don Antonio tivera um grave problema de saúde e está de cama. O cenário nos mostra a importância do tempo nesse drama, em que a morte espreita. Dois relógios, um velho carrilhão de parede e um despertador marcam o tempo da história, assim como o gotejar do soro que corre para suas veias enfraquecidas. A casa se encontra em uma estância no campo argentino. É antiga e muito bonita. O movimento de pessoas nesse dia é grande: além das duas funcionárias que tratam dele e da casa, havia um capataz e um afinador de pianos. Esse homem encontra entre as cordas desse belíssimo piano alemão, dois soldadinhos de chumbo de seu filho Carlos... Don Antonio, que fora amigo do grande escritor Luís Borges, é desaconselhado pelo médico a sair da cama, caso contrário seria internado em um hospital. Mas a força e imaginação do velho senhor o fazem escapulir pela porta da frente e visitar seu pomar. Segurando uma bengala e seu soro, anda extasiado por sua propriedade até que as forças lhe fogem e ele cai em meio a um alto capinzal. Descoberto por duas jovens que andavam de bicicleta, semi-inconsciente, é levado pelos amigos das moças e seu capataz até sua cama. Em estado muito delicado e ansioso com a chegada do filho, fica repousando em seu quarto, na penumbra. A música do filme são os sons dos relógios que marcam o tempo e os ruídos da natureza, que não param. Ao entardecer Pablo chega com sua companheira, que só se preocupa com o sinal de seu celular. O encontro entre pai e filho é emocionante e singelo. Ele beija seu pai, como se o tempo não tivesse passado, e três taças são cheias com uma garrafa de champanhe de quarenta anos, que é aberta e um brinde para Pablo é feito. Depois disso, retira-se para uma ducha e sua amiga fica com Don Antonio, no quarto, pois era o único lugar da região onde havia sinal para seu telefone. Ele está acordado, porém calado e ela ansiosa para receber uma chamada que aguardava. Ao abrir a janela, já com a noite fechada, o frágil homem chama-a e pergunta “de onde vinha a música que ouvia; do andar de baixo?” Ela percebe que ele está delirando e senta-se ao seu lado para beijar-lhe a testa, quando finalmente o escritor vê o rosto de sua babá, uma linda jovem de vinte anos em que ela se transformara. Don Antonio havia realizado seu último desejo!
Segundo informações de Luiz Carlos Merten, Carlos Sorín gosta de histórias enxutas e seu último longa metragem chama-se Histórias Mínimas. Don Antonio é representado pelo ator de teatro uruguaio Antonio Larreta de mais de oitenta anos. Sorín afirma que “A casa é tão perfeita quanto Larreta. Ambos são aristocráticos e decadentes”.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

ALEKSANDRA de ALEKSANDR SOKUROV









Emocionante! Não há outro adjetivo. O filme começa com o foco em uma linda cabeça branca, de cabelos longos, trançados e enrolados em forma de rodinha, presos por um lindo pente. Quando a cabeça se volta, vemos um belo rosto tranqüilo de uma senhora de olhos claros e corpo pesado: a figura feminina russa que nos dá segurança e apoio. Essa mulher de seus oitenta anos sobe em um trem de carga, ocupado por “soldados meninos” e depois de horas, embarca em um tanque de guerra, auxiliada por eles, e desembarca em um acampamento de guerra, poeirento e solitário. Do tanque blindado segue para uma tenda que chamam de hotel, com uma cama de ferro. Cansada adormece. Ao raiar do dia, percebe que não está só. Ao seu lado dorme um jovem soldado russo. Quando ele acorda há um emocionante abraço entre avó e neto! Alexandra fora visitá-lo no acampamento do exército russo na Chechênia. O filme se passa durante a guerra Russa com a Chechênia, mas não veremos um tiro. É um filme de amor, saudades e compreensão entre os povos. Essa mulher resoluta e destemida decide ver o neto, pois sentia muito sua falta e estava sozinha no mundo. Durante sua estada ela não para, nem por um minuto sequer, apesar de suas pernas doloridas e seu corpo lento. Ela queria ver com seus próprios olhos, como todas as avós, o estado em que se encontrava seu neto e os “meninos soldados” que eram mandados para os campos de batalha. Sua presença não os constrange, pois era esperada. Seu neto, capitão, havia conseguido uma licença para que ela o visse por alguns dias. A história é contada com olhares, que são fundamentais na película, mais do que diálogos que são poucos. Ela transita pelo acampamento, como se fosse a rua de sua moradia, não aceitando ajuda ou favores. Autoritária e ao mesmo tempo doce, encanta os jovens perguntando-lhes, como se fora sua avó, se sentem calor, fome ou saudades de casa. Quais são seus desejos e seus medos. Temos cenas maravilhosas, com a que ela se despede do neto, acenando-lhe, e ele está em cima de um tanque de guerra. Ou outra ainda mais comovente: ele penteia seus longos cabelos grisalhos e os trança como fazia quando era garoto. O amor entre eles é incondicional, mas o jovem capitão consegue confessar-lhe que o autoritarismo familiar caucasiano[1] havia lhe afetado muito, assim como doera a falta de carinho de sua avó para com sua mãe. Alexandra declara ao neto “possuir um corpo velho que está morrendo, mas uma mente jovem que estava pronta para receber uma alma nova.” Não se contentando em ficar confinada no acampamento, se aventura para o mercado local. Até aqui você imagina que o local seja um quase deserto pelo calor insuportável e poeira, que levantava a todo instante. Entretanto, estavam no centro de uma cidade chechena, cercada por prédios destroçados, onde ainda moravam pessoas que não tinham para onde ir. Prometendo trazer biscoitos e cigarros aos jovens soldados, entra no mercado ao ar livre, com tendas empoeiradas, e senta-se ao lado de uma senhora, Malika, que fala russo fluentemente. Vendo a velha senhora cansada, convida-a para um chá, abandonando seu comércio, em seu pequeno lar devastado e conversam sobre os homens e a guerra: “Eles gostavam de destruir, mas não de reconstruir.” Falam da inutilidade dos combates e de como elas, em poucos minutos e ainda estranhas, haviam se tornado duas irmãs e da diferença entre russos e eslavos[2]. O filme prossegue sempre nesse tom de amor, dificuldades e esperanças... Os diálogos apesar de poucos são bem estruturados e significativos. Finalmente ela parte para a Rússia e três mulheres chechenas, de diferentes idades, acompanham-na ao trem, com olhos lagrimejantes, e o comboio se afasta com Alexandra despedindo-se, pensativa e totalmente absorta nessa absurda circunstância.

Alexandra (Galina Vishnevskaya) é uma das principais sopranos do séc. XX.
[1] Povos de pele clara, habitantes de países próximos ao Mar Negro.
[2] Povos indo-europeus muito claros. Deram origem aos países do Leste Europeu.