segunda-feira, 26 de julho de 2010

VENCER DE MARCO BELLOCCHIO











VINCERE- ITÁLIA-FRANÇA/2009

Marco Bellocchio é um grande cineasta contestador, surgido nos anos 1960, sempre ligado à política e à análise do ser humano. Este belíssimo drama documental relata a fase iniciante de Benito Mussolini (excelente Filippo Timi), como sindicalista e socialista, que era literalmente contra a Primeira Guerra Mundial, contra a Monarquia existente e contra a Igreja. Contudo, o foco desse filme é sua primeira mulher, Ida Dalser (ótima Vittoria Mezzogiorno). Essa jovem obsessiva e socialista enamora-se perdidamente por Mussolini desde quando ele discursava no sindicato do Partido dos Trabalhadores. Encontrando-se, casualmente, surge uma grande atração mútua. A Itália que sempre foi politicamente uma colcha de retalhos encontrava-se enfraquecida com o nascer da Primeira Guerra. Esse primeiro contacto dá-se em 1914, quando ele desejava abrir seu próprio jornal para esclarecer o povo italiano das injustiças que ocorriam contra os trabalhadores mais pobres. Ida Dalser comunga com suas idéias e sente-se fascinada por ele, um homem sedutor. São três elementos que afloram, os quais são irresistíveis: política, sexo e poder. Ela vende tudo o que possuía para que Benito possa abrir seu jornal e ele aceita. Mais do que ficar sem nada ela está grávida e nasce um menino, Benito Dalser Mussolini. Casados somente no religioso, o político vai crescendo, se transformando e afastando-se dessa bela mulher. A guerra já se iniciara e Mussolini, ao contrário de suas convicções anteriores, se junta a ela. Ida fica sozinha com o filho, a espera de seu retorno e de uma união estável. Isso era totalmente impossível, uma vez que famoso, unira-se a outra mulher e constituíra uma família com quatro filhos. Ocorre que Ida jamais concordaria com isso e passa a se expor demais a fim de conseguir seu intento, o reconhecimento de seu filho e casamento. Ela não aceita ter sido rejeitada, já que tinham os mesmos ideais. Benito e seus asseclas, camisas pretas, colocam-na em um hospício, onde recebe fortes doses de remédios e é incompreendida. Seu filho é tirado de sua guarda e colocado em internatos, onde passa grande parte de sua vida. Ela morre em 1937, seu filho alguns anos após, também em um hospício, e Mussolini é assassinado diante de um pelotão em 1945, antes do fim da Segunda Guerra Mundial, por suas ligações íntimas com o nazismo de Hitler, que passa a repudiá-lo. O filme é, a partir da primeira fase, permeado por imagens documentais em preto e branco de Mussolini, seus discursos, seus gestos grotescos e sua nova família. A história de Ida da qual o diretor não conseguiu muito material é ficcionalizada de modo persuasivo, com belíssima fotografia e as interpretações dos dois heróis é magnífica. A trilha sonora perfeita. Filippo também interpreta o filho do fascista, quando jovem. Um pedaço da história do século vinte que deve ser vista e analisada. Poderemos ponderar o porquê dos italianos escolherem tão mal seus dirigentes.
Pequena biografia:
Nasceu em 29/7/1883 e morreu em 28/4/1945 na Itália.
Foi professor na Suíça por dois anos e funcionário público em Trento, quando era território austríaco. Chefe da redação do Avanti de 1912 a 1914, órgão de propaganda Socialista. Pertenceu a ala esquerda do Partido Socialista. Defendeu a participação da Itália no conflito com a Áustria. Em 1914 funda o jornal Popolo d’Itália que é mostrado no filme Vincere, que seria o órgão oficial do fascismo. Foi expulso do Partido Socialista Italiano.
Em 1921 funda o Partido Nazionale Fascista o qual era contra as organizações de trabalhadores. Consegue ser nomeado chefe de estado pelo rei Vitor Emanuel II. Construiu o primeiro estado fascista na Europa. Em 1926 governou com poderes de ditador. Reconciliou-se com o papa Pio XII. Depois de 1936 aproxima-se da Alemanha e o Pacto de Aço de 1939 faz com que se submeta a Hitler. Em 1940 assumiu pessoalmente o comando das tropas italianas na Segunda Guerra Mundial. Deu-se a ruptura com a frente de combate alemã e o Duce foi capturado quando tentava fugir com a amante, Claretta Petacci. Foi sumariamente fuzilado.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

À PROVA DE MORTE DE QUENTIN TARANTINO










DEATH PROOF, 2007, ESTADOS UNIDOS

Tarantino, diretor, roteirista e ator de Death Proof tornou-se famoso na década de 1990 por seus diálogos rápidos e inteligentes e o uso da violência, trazendo uma nova visão ao cinema americano. Revolucionou os filmes independentes (Kill Bill, Pulp Fiction) e foi premiado no ótimo Bastardos Inglórios. Death Proof é uma homenagem aos filmes B como Corrida da Morte. As primeiras cenas são como filmes da década de 70 e somente quando uma das garotas pega um celular você percebe que é atual. Em Austin, Texas, vemos alguns outdoors com a bela D.J., Jungle Julia, que está com os lindos pés para fora do carro, junto com outras amigas de escola. São belas jovens, ansiosas por uma condição melhor e muita diversão. Elas não medirão esforços para isso. Entretanto, um rasteiro e maduro ex-dublê de carros Mike (Kurt Russel), com topete e jaqueta, resolve incidir sobre essas moças sem nenhum motivo aparente. Ele é fetichista de pés, esperando o momento exato para atacar. Leva de carona uma loiríssima menina, que ao invés disso encontra algo totalmente aterrorizante e brutal. No hospital onde é atendido, um xerife decadente, garante que o motivo da ocorrência é sexo, mas não quer perder tempo com isso. Agora, na segunda parte do filme, Mike está no Tennessee e, aleatoriamente, escolhe um grupo de garotas que trabalham na indústria cinematográfica. Duas delas são dublês, Kim e a neozelandesa Zoe. Querendo uma diversão mais audaciosa, pegam emprestado um potente Dodge Challenger, igual ao da Corrida da Morte, e Zoe, enquanto Kim dirige velozmente, fica amarrada por cintos no capô do carro. Seus pés são lindos e as unhas esmaltadas de vermelho. Zoe, adorando adrenalina, está acostumada com perigos e Mike ao detectá-las começa uma corrida mortal, mas não esperava encontrar adversárias tão à altura de seu “death proof car”. A cena final é impagável. Para quem gosta do gênero é diversão pura.Se você quer um opinião genial sobre o filme,
leia, no Caderno 2 do Estado de São Paulo de 2 de agosto, uma matéria de Matthew Shirts. Vai gostar.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

ALMAS À VENDA DE SOPHIE BARTH









COLD SOULS EUA- FRANÇA 2009 DE SOPHIE BARTH

Esse drama é do tipo ame-o ou deixe-o. Inteligente trabalho, dirigido e realizado por Sophie Barth, é uma metáfora ou uma fábula sobre a insatisfação humana nos dias presentes. Segundo ela tudo se deve ao desenvolvimento e à NECESSIDADE de ser feliz. Mas, vamos a esse original filme em si. O ótimo Paul Giamatti, fazendo papel dele mesmo, está insatisfeito com sua interpretação teatral da famosa peça russa de 1899, Tio Vania escrita por Tchékjov. Preocupado por estar ficando louco, discute com seu diretor sobre o assunto, pois não consegue dar o que espera para o personagem, o qual passa a fazer parte de seu cotidiano e dele mesmo. Sozinho em casa, pois sua mulher encontrava-se fora, recebe uma mensagem onde seu agente indica a leitura de uma revista americana, onde outras pessoas com os mesmos sintomas encontraram uma solução. Desconfiado, mas desesperado com seu drama seu passado e presente, procura o local mencionado. Trata-se de um lugar de alta tecnologia onde as pessoas que não estão satisfeitas com sua alma, suas recordações e vida, podem extraí-las e armazená-las em vidros de laboratório, que são guardados em cofres, como jóias e valores em um banco comercial. Convencido pelo dono dessa empresa (hospital, clínica?) submete-se a essa remoção que é indolor. Amedrontado com seu interior, sequer deseja ver sua alma que é exatamente como um “grão de bico”. O formato não quer dizer que seja pequena ou inferior, é tão somente uma forma. Paul assinara um contrato antes do procedimento e agora se sente mais leve, mais feliz, porém oco. É como se tivesse tomado um medicamento antidepressivo ou antipânico com efeito imediato ou consumido drogas pesadas. Creio que aí está uma dos pontos contemporâneos que nossa jovem diretora deseja discutir. Feliz, não consegue atuar como um russo. Seu diretor está perplexo assim como sua mulher. Volta à clínica e pede sua alma de volta, mas ela fora levada pela bela russa, Nina (Dina Korzun). Essas almas são contrabandeadas de São Petersburgo para New York, através de mulheres. O desenrolar da história é bastante interessante, pois parece a época da guerra fria, com desafios logísticos e técnicos para os dois lados. As almas poderiam ser transplantadas ou trocadas, mas o doador jamais teria a sua própria de volta. A personagem que recebe a alma de Paul é bastante controversa e gera uma série de incidentes vividos por esses dois atores até o final do filme. O filme faz rir, mas também faz com que esses momentos cômicos nos façam pensar mais profundamente sobre nós mesmos. Se não for visto com olhos que sabem discernir será uma peça sem consistência, caso contrário uma delícia.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O PROFETA DE JACQUES AUDIARD











UN PROPHÈTE FRANÇA/ITÁLIA 2009


Essa ótima história dramática, passada quase que totalmente dentro das barras de um presídio em Brécourt, tenta provar como, dependendo das circunstâncias, pessoas aparentemente benignas podem se transformar para manter a própria sobrevivência. Um jovem franco-árabe de 19 anos, Malik El Djebena (ótimo Tahar Rahim), que passara a infância e juventude em um reformatório, pelo abandono dos pais, é acusado de ter agredido um guarda, fato que ele nega, e deverá pegar uma sentença de 6 anos de prisão. É a primeira vez que conviverá com detentos adultos e aqui começa seu destino e drama. A prisão possui dois importantes grupos: um muçulmano e outro da Córsega, sendo este último chefiado pelo cruel César Luciani (excelente Niels Arestrup), detentor de grande influência entre os guardas do presídio e seus internos. Desejando uma jovem e nova face, obriga Malik a servi-lo, forçando-o a matar outro interno, Reyeb, que iria testemunhar contra eles. Porém antes da consumação do fato ele dá bons conselhos ao nosso jovem iletrado. Deveria aprender a ler e instruir-se antes de sair da prisão e lhe oferece vários livros. Esse assassinato o perturba e influencia para o resto de seus dias nessa instituição. Malik se vê qual um animal com uma corda no pescoço, colocada por Luciani, que é solta e depois recolhida com toda truculência. Seus métodos são sangrentos e brutais e, assim, é muito respeitado dentro e fora do presídio, pois seu chefe é uma personalidade de grande controle político e econômico. Com o passar dos meses, Malik torna-se indispensável, conseguindo saídas semanais, através da influência de César Luciani. Esse jovem passa a viver em perigo constante praticando delitos graves, podendo morrer ou ter sua pena aumentada por causa deles. Decidido a sair da prisão vivo, associa-se ao ex detento, Ryad, tentando formar um pequeno negócio de drogas, que teria tudo para se tornar grande e lucrativo. Esses passos são dados com grande dificuldade, pois sua essência parece ser boa. Sendo muito inteligente, sempre se lembra das palavras de Reyeb. Conseguindo alfabetizar-se em francês e aprendendo a língua corsa sozinho, seria um personagem com potencial de reabilitação e inclusão social. Contudo, Ryad, com câncer terminal, lhe oferece sua casa. Para seu filho e sua jovem esposa, pede proteção. Com muita astúcia, depois de um mes na solitária, obtem sua liberdade, apesar da mão brutal de César que se enfraquece. Seu sonho de ter uma família se realiza graças ao amigo. Malik é considerado um Profeta pelas pessoas que o cercam por seu carisma e prognósticos acertivos. Esse não é um final feliz, já que nosso herói foi contaminado pelo ambiente e provavelmente terá um desfecho trágico.
Bela obra, dura e confinada. Os atores principais são ótimos e a história bastante crível e bem contada. Recebeu o Grande Prêmio do Júri em Cannes e nominação ao Oscar como melhor filme estrangeiro.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O PEQUENO NICOLAU DE LAURENT TIRARD










LE PEITIT NICOLAS – FRANÇA 2009

Este maravilhoso trabalho de Laurent Tirard foi baseado nos livros de contos do mesmo nome, escritos por René Goscinny e ilustrados por Jean-Jacques Sempé. Esses artistas, criadores de Asterix, escreveram histórias que se passaram em suas infâncias. Os contos se transformariam em uma série de livros infantis, publicadas nos anos 60. Tirard faz um belo filme sobre as aventuras do adorável Nicolas (Maxime Godard), que é o próprio narrador. Tudo começa com uma pergunta escrita no quadro negro pela jovem professora (Sandrine Kiberlain, a mesma atriz de Mademoiselle Chambon): O que você quer ser quando crescer? Aturdido, não consegue encontrar uma resposta como os outros coleguinhas de classe. A partir daí passamos a ter conhecimento de sua vida familiar, a qual é muito alegre e confortável. Ocorre que um dos meninos de sua classe acaba de ter um irmãozinho, fato que o faz pensar em perder seu lugar de filho único. Nicolas observa, em sua casa, cenas muito parecidas com as descritas por esse garoto e acredita que também será abandonado em uma floresta. Esse grupo de meninos adoráveis resolve formar uma gangue para ajudar Nicolas a se livrar de um possível bebê. Ele deveria ser seqüestrado por um profissional, já que as demais alternativas parecem muito cruéis. Durante os episódios que se seguem, de uma pureza e romantismo que não vemos mais nem em filmes infantis, nos deliciamos com cenas já vividas por nós, quando éramos crianças. Os atores são ótimos, desde os mais velhos aos mirins, com estórias paralelas de muito humor e sutileza. Passam-se, provavelmente no fim dos anos 50 e começo dos 60, pelas roupas e costumes da época, mas sendo na realidade atemporais. No final da película, Nicolas finalmente descobre o que quer: fazer as pessoas rirem. Talvez essa pequena jóia seja até mais apropriada para os adultos do que para crianças, pois não conseguimos parar de relembrarmos os nossos melhores dias da infância. Sucesso na França.
Elenco: Maxime Godard, Valérie Lemercier, Kad Merad.