segunda-feira, 25 de julho de 2016

CHOCOLATE DE ROSCHDY ZEM




CHOCOLAT, FRANÇA, 2016, 120 MIN., DRAMA
ELENCO:
OMAR SY – CHOCOLAT – CUBANO RAFAEL PADILLA
JAMES THIÉRRÉE – PALHAÇO FOOTIT


O diretor Roschdy Zem é francês de origem marroquina e este ótimo filme é o quarto longa que dirige sem nunca perder a mão. Mostra o preconceito de raça que ainda hoje existe em todos os lugares, principalmente mais atrás, no final do século XIX (1897) e começo do XX (1917), quando essa triste história ocorreu. Baseado em fatos reais, o longa vai contar a vida de Rafael Padilla, cubano, nascido em 1868. Vendido como escravo, o carismático e ótimo ator, Omar Sy de Inseparáveis, na pele de Chocolat, vai parar no norte da França em um circo mambembe, quando o filme começa. Aí faz papel de canibal, levando pela mão uma macaca, assustando e divertindo a todos com seus gritos. O talentosíssimo palhaço Footit está em fim de carreira e encontra-se nessas cercanias. Ao se deparar com o desempenho de Rafael, o convida para atuar ao seu lado, fazendo uma dupla – o branco europeu e o bom negro que aguenta qualquer galhofa.  Na realidade foi achado nas Docas do país. A dupla se mostra tão talentosa e de humor altamente hilário, que atrai a atenção do dono de uma poderosa casa de espetáculos em Paris. Lá são muito aplaudidos, ganham dinheiro e se tornam sensação na cidade do dia para a noite. Rafael passa a ser conhecido como Chocolat. Muito talentoso, torna-se o primeiro artista circense negro da França. A fama e o dinheiro, todavia, não combinam com esse homem fragilizado pelo excesso de horrores ocorridos em sua vida. Em flashbacks vemos o que teve de suportar até então. Apaixona-se fácil e desta vez por uma viúva enfermeira, que fora casada com um médico e tem dois filhos. Compadecido com a situação de crianças doentes vai fazer filantropia em um hospital, onde trabalha a bela viúva. A convivência faz com que ela se una a ele pelo resto de suas vidas. Não será uma vida feliz, pois se tornara bêbado contumaz e viciado em drogas muito fortes. Eventualmente encontra, na prisão, um negro haitiano, intelectual, que desperta sua consciência e seu verdadeiro papel na sociedade. Desfaz a dupla, pois deseja ardentemente representar Otelo de Shakespeare, papel sempre de brancos com cara pintada. Consegue realizar seu sonho, mas depois da estreia da peça a plateia indignada com aquele negro talentoso, começa a vaiá-lo e atirar coisas em sua direção. Desiludido, abandona tudo e com sua mulher vai passar seus últimos dias como faxineiro em um circo ainda menor que o primeiro (1917). O papel é de alta dramaticidade, exigindo muito de quem o interpreta. Omar Sy não decepciona, pelo contrário. Belíssimo filme que não deve ser perdido. Talvez um dos poucos que nos comovam bastante sem o uso de chibatadas ou esteriótipos contra os escravos. Aqui ele é escravo de si mesmo.



JULIETA DE PEDRO ALMODÓVAR




JULIETA, ESPANHA, 2016, 109 MIN., DRAMA
ELENCO:
JULIETA MADURA – EMMA SUÁREZ
JULIETA JOVEM – ADRIANA UGARTE
DANIEL GRAO – XOAN
DARIO GRANDINETTI – NAMORADO
ROSSY DE PALMA – MARIAN, GOVERNANTA
BLANCA PARÉS – ANTÍA, FILHA JOVEM


Adaptado livremente de um dos contos da ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura, 2013, Alice Munro, esse filme não é um drama, mas um dramalhão com d maiúsculo. Almodóvar volta a discutir os problemas femininos, mas não tão feliz quanto aos seus filmes anteriores, pois apesar da história labiríntica, que é sua marca registrada, não traz o suspense e surpresas que costuma causar e nem sua ironia tão característica. Contudo é um bom filme. Trata-se da vida de Julieta, mostrada em duas fases. Começa com ela madura, morando em Madri e com um namorado que preenche sua vida. Prestes a mudara para Portugal e nunca mais voltar, encontra uma amiga de infância da filha, agora adulta e com dois filhos, que acabara de encontrar com Antía, que pensa que a mãe ainda mora em Madri. A partir desse encontro o drama vai se desenrolar em uma longa história de perdas e desencontros. Julieta quando jovem dava aulas de literatura clássica e, em um restaurante de trem, encontra Xoan, um jovem casado com sua mulher em coma e quase morrendo. Fora atraída ao restaurante, por não querer conversar com um homem sentado em um banco na frente do seu. Os jovens percebem uma grande química entre eles e, depois de uma relação sexual imediata, são surpreendidos com uma parada brusca. O homem que Julieta rejeitara, pulou do trem, suicidando-se. Isso marca muito a professora que se sente culpada. Os dois seguem seus destinos, mas recebe uma carta de Xoan, convidando-a para visitá-lo. Apaixonada não resiste e espera por ele dentro de sua casa, mesmo com a severa governanta, a maravilhosa atriz Rossy de Palma, com seu rosto forte e mal humorado, desencorajando-a. Sua mulher morrera e ela passa a viver com o rapaz, que é pescador. A casa fica na beira do oceano, com uma paisagem lindíssima. Nasce Antía que é mais ligada ao pai. Já adolescente tem como confidente a governanta e como mito o pai. Julieta não conta muito em sua vida, mas é uma garota feliz. Durante um acampamento conhece alguém que virá a ser mais do que sua melhor amiga, a moça do início da história. Todavia, Xoan morre durante uma tempestade, deixando Julieta arrasada, pois se lembra do primeiro homem que se suicidara. Talvez fosse a causa de tanta desgraça. A amiga de Antía muda-se para os Estados Unidos e ela resolve fazer um retiro espiritual de alguns meses, sem nenhuma comunicação. O fato vai destruindo a confiança de sua mãe, que nunca fora uma mulher forte. Insegura vai atrás dela, na data marcada, mas fica sabendo que ela escolheu outro caminho, do anonimato absoluto. Passam-se 12 anos e Julieta só, mora agora em Madrid e está prestes a se mudar. Mas o encontro fortuito muda seu destino. Resolve voltar para o antigo apartamento a fim de que Antía a encontrasse. Separando-se de seu namorado, cai em profunda depressão. A partir daí, e já não é sem tempo, pois a angústia e o tempo percorrido já nos corroeram também, as coisas começam a se encaixar. Drama pesado, com boas atuações, mas sem grandes convencimentos, talvez por não ser uma história original do diretor, mas uma adaptação. Bom para quem é fã de Almodóvar como eu. 

quinta-feira, 21 de julho de 2016

AGNUS DEI DE ANNE FONTAINE



LES INNOCENTES, FRANÇA, POLÔNIA, 2016, 100 MIN., DRAMA
ELENCO:
LOU DE LAÂGE – MATHILDE BEAULIEU
VICENT MACAIGNE – MÉDICO
AGATA BUZEK


A Segunda Guerra Mundial é uma fonte inesgotável de acontecimentos alarmantes, mas muito pouco se fala sobre as mulheres durante esse período terrível para a história contemporânea. Anne Fontaine baseia-se em fatos reais, ocorridos durante o gélido inverno na Polônia, 1945, precisamente em um convento de freiras. Aqui se discute não somente a guerra em si, mas também os efeitos dela sobre o sexo feminino e seus desdobramentos quanto ao pertencimento de seus próprios corpos. O filme começa com um coro de freiras jovens e noviças entoando suas orações. Ao final dela, uma das jovens foge correndo à procura de um médico para uma emergência. Esbarra, na Cruz Vermelha, com a médica Mathilde Beaulieu, ateia e comunista, que não dá nenhuma importância ao fato. Depois do ato cirúrgico que ajudara a realizar, olha pela janela e vê a freirinha coberta de neve, ajoelhada e ainda rezando por ajuda. Isso ela não vai ignorar e segue para o convento. O que parecia algo banal, vai se desenvolver em uma cadeia de acontecimentos impressionantes. Na volta para seu hospital, Mathilde é parada por soldados, que tentam abusá-la, sendo salva por um coronel. Pode sentir na própria pele esse assustador sentimento. Durante a guerra o Exército Vermelho da Rússia invadiu o convento, estuprando as jovens, deixando-as grávidas ou sifilíticas.  São criaturas desesperadas pelo ocorrido em seus corpos, impondo vida dentro deles sem que o desejassem. Anne Fontaine vai analisar e explorar com delicadeza e realidade as mais diversas reações silenciosas dessas mulheres recolhidas na religião, indo do total desespero, questionamentos sobre a fé e a constatação de que ter um filho foi natural para virgem Maria. A Abadessa é cruel e não tem piedade, pois ela mesma fora vítima de sífilis, que se espalhou pelo seu organismo, sem que desse um gemido de dor, recusando qualquer tratamento, seria o desígnio de Deus. Mathilde é bem recebida pelas freirinhas, dando amparo médico e humano. O plano inicial da Abadessa seria deixar essas crianças abandonadas à própria sorte. Descoberta, o rumo do filme muda. Serão vários partos na mesma época e Mathilde precisará revelar o segredo e pedir ajuda a seu namorado, também médico. O desenrolar do filme é real e muito inesperado, permitindo que as últimas cenas sejam comoventes. Ótimo roteiro, com atuação primorosa do elenco feminino polonês. Lou de Laâge está impecável como jovem médica. A fotografia é belíssima e o som também. Imperdível.


segunda-feira, 11 de julho de 2016

FLORENCE - QUEM É ESSA MULHER? DE STEPHEN FREARS








FLORENCE FOSTER JENKINS, INGLATERRA, 2016, 110 MIN. TRAGICOMÉDIA.
ELENCO:
MERYL STREEP – FLORENCE
HUGH GRANT – CLAIR BAYFIELD
SIMON HELBEG – COSMÉ MCMOON



Esse ótimo filme tem tudo a ver com Marguerite do diretor Xavier Giannoli, que estreou em 26/6/2016. É a mesma história contada de maneira diferente. Marguerite não é tão biográfico e se passa nos anos vinte. Esse é biográfico. Trata-se de um incrível drama psicológico, mas que resvala na comédia. Florence (1868-1944) era filha de um banqueiro americano riquíssimo. Estudou piano em sua infância, pois era absolutamente apaixonada pela música erudita. Deu várias audições, mas seu sonho era ser cantora de ópera, coisa que o pai nunca permitiu, pois sabia de suas limitações. Quando Florence tinha 41 anos seu pai morre e ela ousa aparecer aos amigos, pois acreditava ser soprano. Já no segundo casamento com o aristocrático e mais jovem St. Clair Bayfield tem um casamento de fachada, pois tivera de parar de tocar piano por ter contraído sífilis do primeiro marido, agora em estado muito adiantado. Generosa e riquíssima, seu matrimônio é baseado apenas no amor espiritual, na compreensão e no afeto, sem nenhum contato sexual por causa de sua doença. O filme começa com ela  mais velha e feliz por ser mecenas das artes, tendo um clube lírico, que ajudava artistas iniciantes e também consagrados como Toscanini. Bayfield realmente gosta dela e tenta sempre protegê-la de qualquer infortúnio, mas tem uma amante fixa em seu apartamento, pois moravam em lugares separados. Ela dava recitais de ópera somente para amigos, sempre no Hotel Ritz, quando morava em Nova York. Sua atuação era desastrosa, pois não tinha voz e nenhuma afinação. Seu mentor era o pianista McMoon, que apesar de saber da calamidade de seu desempenho nunca a abandonou. Meryl Streep dignifica sua personagem, apesar do ridículo, mas quem brilha é Hugh Grant, magnífico. A comunicação entre eles é belíssima e, quando não está com os amigos e amantes, é fidelíssimo a ela. Na verdade existe entre eles uma admiração sem par. Incrivelmente, seus recitais eram muito disputados e regados a bebidas e comidas. As pessoas que compareciam se apiedavam dela e nada diziam sobre seu problema vocal. Era um programa absolutamente divertido e patético. O problema maior ocorre em 1941, aos 76 anos, quando consegue alugar o Carnegie Hall, à revelia de seu marido. Um palco imenso, com ingressos à venda. Bayfield faz de tudo para que somente os amigos compareçam, mas são obrigados a convidar os soldados americanos que haviam sobrevivido à Segunda Guerra Mundial, em número colossal. O maior perigo era o crítico de musica do Washington Post, por nunca tê-la ouvido e ser muito severo. Infelizmente ele comparece e nos primeiros minutos já sai do teatro, acusando aquilo de farsa. Alguns jornais do dia seguinte são favoráveis, mas não o dele. Saint Claire compra todos os exemplares e os joga no lixo. Ocasionalmente, Florence os vê e desfalece confrontando a verdade. Ótimo filme, com atuações perfeitas, mas Marguerite, apesar de não ser tão biográfico é melhor. Imperdível ver os dois e chegar à sua própria conclusão. A fantasia dessa mulher só foi possível pela sua imensa riqueza, pois se fosse uma pessoa comum jamais poderia satisfazer os seus sonhos.


quarta-feira, 6 de julho de 2016

AS MONTANHAS SE SEPARAM DE JIA ZHANG-KE









SHAN HE GU REN, CHINA, FRANÇA, JAPÃO, 2015, 131 MIN., DRAMA
ELENCO:
TAO – TAO SHEN
JINSHENG – ZHANG Y
LIANGZI – LIAN JIN DONG
MIA – SYLVIA CHANG

Neste ótimo filme do competente diretor Jia Zhang-ke, temos sua visão sobre como tem sido e poderá ser a China moderna, com grande desenvolvimento e hábitos orientais transformados. A heroína é esposa do diretor e sua musa. O filme é ancorado nessa personagem central, refletindo sobre perda, mudança e arrependimento em um triângulo amoroso, no ano de 1999, composto por três jovens amigos de infância, na cidade de Fenyang. O filme terá dois saltos bruscos, 2014 e 2025. Começa com a jovem Tao, professora primária, dançando música Disco com um grupo de adolescentes. Ela mora com o pai viúvo e tem dois grandes amigos, Jinsheng e Liangzi, ambos interessados nela. Liangzi é um rapaz pobre e sensível, trabalhador de mina de carvão, que gosta de Tao desde sempre. Chega Jinsheng, já um jovem próspero e proprietário de um posto de gasolina, com um carro alemão vermelho, que impressiona os outros dois.  A disputa por Tao começa aí, com a tensão entre as classes sócias dos novos ricos e dos mais pobres. Com o passar dos dias ela se decide por Jinsheng, impressionada com seus feitos e determinação. Quando Liangzi recebe seu convite de casamento, promete partir e nunca mais voltar a Fenyang, deixando-a comovida e cheia de dúvidas. As cores do filme são vivas e fortes, mostrando o colorido estupendo dos papeis, flores e sombrinhas daquele país, contrastando com a paisagem fortemente desmatada e poluída. O casamento é requintado.  Tempos depois ela dá a luz a um menino, Dollar, referindo-se aos valores de seu pai. Liangzi também se casou e tem um filhinho, continuando no mesmo tipo de trabalho. Contrai um câncer terminal nos pulmões e resolve voltar para sua casa em Fenyang. Sua bela esposa põe-se em campo para ajudá-lo com dinheiro para a quimioterapia e procura Tao, agora divorciada e sem seu filho, mas com vida financeira confortável. Com a morte do avô, o garotinho de sete anos vem para o funeral e não consegue aconchegar-se à mãe, fala inglês e é controlado pela nova esposa do pai, chamando-a de Mummy, para tristeza de Tao. Faz o que pode para conquistá-lo, mas crê que um futuro na Austrália, para onde se mudariam, seria melhor para ele. Outro salto para 2025, Melbourne, Austrália. Jinzheng, agora um forte empreendedor, está envelhecido e solitário, só fala com Dollar em chinês, precisando sempre de um Google tradutor para poder se entenderem. Eles se dão mal e ambos não se adaptaram bem ao país. Dollar negligencia as aulas de Cultura Chinesa, mas se apaixona pela professora, que tem a idade de sua mãe, uma figura materna de que tanto precisava. As cenas desse país são belíssimas com o mar batendo forte nas rochas e o vento incessante. No decorrer desse relacionamento ele decide voltar às suas origens. Uma saga e tanto, como em um livro de formação de caráter. Os atores são muito expressivos, a imagem impecável e o som absolutamente perfeito, ajudando no desenrolar da história.  O mais novo sucesso de Jia é imperdível.