sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

UM HOMEM SÉRIO de ETHAN e JOEL COEN











Spoilers!
Esse trabalho perspicaz dos Irmãos Coen foi indicado para o Oscar de melhor filme e melhor roteiro original.
O filme começa com uma pequena fábula judaica, no inverno do Leste Europeu. Ela começa bem, depois vai mal e termina de maneira prática e sucinta. Vemos agora, em close, uma orelha jovem com um fone de ouvido. Trata-se de um adolescente, nos anos sessenta, ouvindo música de Jefferson Airplane e seu grupo de quem é fã, durante a aula em uma escola judaica. No momento seguinte outra orelha nos é mostrada, a do protagonista (espetacular Michael Sthulbarg), que está fazendo um check-up com seu medico. Ele goza de perfeita saúde e volta à universidade para dar aulas de física. Larry Gopnik mora no Meio-Oeste americano, tem uma família e está prestes a receber sua contratação definitiva no trabalho. Esse personagem é admirável – inteligente, justo, sensível, honesto, lúcido e acredita no raciocínio lógico, na consequência das atitudes humanas. Contudo sua história de vida vai levá-lo a avaliar e reavaliar seus valores. Chegando a casa sua esposa anuncia, sem preâmbulos, que quer o divórcio, pois se apaixonara por Sy Ableman, sem nenhuma falha ou falta grave de sua parte, e ainda deseja o get, ou seja, um divórcio religioso para que possa se casar novamente na sinagoga! WHAT? Essa é a pergunta que faz, mas é convencido por ela e os filhos que isso seria o melhor. Não fica por aí, terá de ceder seu lugar ao amante de Judith e ir morar com seu irmão desajustado, em um pequeno motel. Na universidade é forçado a reprovar Clive Park, um mau aluno coreano, cujo pai mafioso oferece-lhe dinheiro para que passe seu filho de ano e, não sendo atendido, começa um jogo de ameaças com cartas enviadas para a faculdade, desprestigiando-o como pessoa. Seus vizinhos não são corretos, sua comunidade judaica tão pouco e os três rabinos com quem busca ajuda e mais seus advogados, todos, sem exceção, falam uma linguagem de duplos sentidos e emitem opiniões nada honestas e apaziguadoras para seus sentimentos de culpa e indignação. Agora, sua segurança e credibilidade em seus valores sofrem demasiadamente, pois sabe que é um bom homem e não merece o que está ocorrendo com ele. Essa é a chave dessa comédia inteligente, essa sátira mordaz sobre o comportamento judaico e as atitudes venais e interesseiras de seus rabinos e dos deuses de qualquer religião, pois nada acontece, supostamente, sem os seus consentimentos. Voltando ao enredo, Judith não se casa, pois Sy morre, mas aparece em sonhos recorrentes de Larry, finalmente mostrando o quanto é tolo e deveria falar com o terceiro rabino e mais velho e sábio de todos, que apesar de suas súplicas não o recebe, pois está ocupado pensando, melhor, não fazendo nada. Contudo, seu filho de treze anos, após completar seu bar mitzvah, completamente “chapado” com maconha, é recebido por ele, que devolve seu radinho de pilha que havia sido confiscado pelo diretor da escola e mais os vinte dólares para comprar maconha, escondido dentro dele. O rabi menciona todos os músicos de seu cassete de maneira inserta e pede-lhe que seja um bom menino! Isso é totalmente surreal, dada às circunstâncias. Durante o bar mitzvah, seus pais parecem encaminhar-se para uma reconciliação. Nas cenas finais vemos nosso herói apagando a nota F de Clive e substituindo-a por C-. Ficará com o dinheiro? Está estourando em dívidas! Seu filho, durante as aulas continua ouvindo Jefferson Airplane, mas a aula é interrompida por causa de um vendaval. Nesse ínterim o telefone de Larry toca e seu médico pede para que vá imediatamente conversar com ele sobre o resultado de seu Raio-X, fazendo-nos crer que seu caso é grave ou terminal. Por fim, todos os estudantes esperam no pátio da escola, porque o professor não consegue abrir a porta do abrigo e o garoto ao tentar pagar seu fornecedor de maconha observa que o tornado aproxima-se rapidamente da escola e estão todos desprotegidos. Uma tela negra e “Somebody to Love” de Jefferson começa a tocar. Com esse final, tipicamente judaico, acaba essa interessante história. Não percam, pois todos os atores estão com suas interpretações impecáveis.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A FITA BRANCA DE MICHAEL HANEKE














Segundo entrevista do diretor para o jornal O Estado de São Paulo, Haneke quis fazer um filme que falasse sobre a Alemanha no período anterior ao nazismo, passa-se em 1913. “Queria falar sobre o pré- nazismo e como uma sociedade repressora deformou a mentalidade de uma geração que aderiu sem autocrítica aos ideais de Hitler.” Nesse ovo de serpente acalentado pelo calor do sol nasceu esse drama belíssimo em preto e branco que nos mostra o perigo de uma sociedade patriarcal indiscutível, onde, com as tensões existentes na época, poderia facilmente gerar um regime autoritário. Um narrador idoso nos guiará pelos mistérios do filme; trata-se do professor de uma aldeia alemã, cujas terras pertenciam a um poderoso Barão que tinha mão de ferro sobre seus funcionários, os quais o temiam e obedeciam cegamente, pois não haveria outro meio de subsistência para eles e suas famílias numerosas. Começamos com um homem a galope em seu cavalo, sofrendo um acidente quase fatal. Uma fina corda de aço havia sido colocada perto de sua propriedade e sem percebê-la o cavalo esbarra e cai morto e o cavaleiro vai parar em um hospital por algum tempo. Era um médico viúvo com filhos e assistido pela parteira da cidade, que acaba sendo seu braço direito profissionalmente. Uma série de outros acidentes contundentes, sempre envolvendo filhos ou empregados das pessoas mais ricas da vila, vai se sucedendo. A mulher de um colono é morta em um “acidente” e durante a festa da vasta colheita na fazenda do Barão, sua plantação de repolhos é ceifada. A baronesa, assustada, parte para a Itália, quando seu filho é misteriosamente espancado. Todos esses fatos vão aguçando a curiosidade do jovem professor narrador, encarregado pela educação de todas as crianças. Desde o início da história, nossa atenção e tensão são elevadas ao máximo, pela maneira como é conduzida e pela beleza das imagens tão calmas em contrate com os fatos tão violentos. O Barão é um homem amargo e autoritário, como existiam naquela época tanto na Europa como aqui no Brasil pós- escravocrata, onde sua autoridade jamais era argüida e seus empregados, suas mulheres e crianças eram tratadas para obedecer e aceitar os fatos sem questionamentos. Esse talvez seja o ponto forte do filme, pois os filhos das casas, sempre em grande número, são loiros, belos e assustados, mas não deixavam de se arriscar a se ajudarem, pois esse é um sentimento natural de crianças que querem ser felizes. O médico, o administrador e o pastor são os personagens que dão vida a esse comportamento tão arrogante e sem compaixão. Os fatos aterrorizantes vão acontecendo até que apareça um bilhete que os ameaça de vingança sobre seus descendentes até a terceira ou quarta geração. Depois do exílio na Itália a família pertencente à realeza volta, mas logo a Primeira Guerra Mundial inicia-se na Sérvia. Além dos fatos psicossociais esse filme traduz como nenhum outro as conseqüências do autoritarismo no comportamento das sociedades. Mesmo, hoje, temos o terrorismo baseado fortemente em pensamentos e dogmas que são seguidos sem argumentações ou questionamentos de seus seguidores.
A fita branca amarrada no braço das crianças significa a pureza e inocência que devem ser mantidas por elas. O elenco é formado por atores profissionais e não profissionais, com uma representação incrivelmente real. As fontes de pesquisa foram jornais, livros e fotos de época. O filme ganhou a Palma de Ouro de melhor filme de 2009 e melhor diretor. Indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro e fotografia.
Elenco: Susanne Lothar, Ulrich Tukur, Burgard Klaussener, Christian Friedel

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O QUE RESTA DO TEMPO DE ELIA SULEIMAN












THE TIME THAT REMAINS ELIA SULEIMAN
Cuidado spoilers

Esta ótima comédia dramática, escrita e dirigida por Elia Suleiman, relata quatro períodos de sua vida com a família, quando da fundação do Estado de Israel. É parte de sua biografia, inspirada em relatos de seu pai, um lutador da resistência contra a invasão de Israel sobre a Palestina em 1948, e ainda cartas de sua mãe aos parentes que foram obrigados a fugir do lugar. O filme começa com um taxista totalmente desorientado, em uma noite de tempestade, que tem como passageiro uma figura indefinida. Não tendo a quem recorrer o motorista para seu carro e espera que algo o ajude. Nesse momento começa verdadeiramente o filme, que é composto de cenas estáticas, repetições contínuas e o rosto inexpressivo do herói e esse conjunto contribui para o humor refinado tipo “Jaques Tati”. Temos quatro fases de sua vida. A primeira, em 1948, inicia-se com israelenses invadindo as quietas e belas ruas de Nazaré, aprisionando, matando e saqueando as casas, exatamente como ocorrera com eles próprios nos terríveis anos do nazismo na Alemanha de Hitler. Elia é um garoto que tem opiniões precisas sobre a guerra, influenciado por seus pais. A vizinhança é tomada pelo medo, mas a vida cotidiana precisa continuar e é apresentada de modo suave, mas com ótimas pitadas de humor. Encaminhamo-nos para uma época mais avançada em que Elia já é um adolescente maduro e ativista político, morando com seus pais que não desanimam, pois Fuad Bakri (belo Saleh Bakri) é também fabricante de armas. Cenas inteligentes como Fuad pescando todas as noites com um amigo, em frente ao mar, não sendo nunca molestados pelos guardas inimigos são cômicas. Na verdade, descobrimos que não são peixes que pescam, mas armas contrabandeadas do Líbano! Quando isso vem à tona, eles têm que tomar novos rumos. Nosso Eli Suleiman é obrigado a deixar o país. Nesse ínterim outras cenas críticas e engraçadas ocorrem, como um tanque de guerra que percorre uma estreita e pacata rua, apontando o enorme canhão para um jovem que vai jogar o lixo na calçada, atravessando a rua. Nesse momento toca seu celular e ele começa a falar e caminhar a um só tempo e o canhão movimenta-se o tempo todo perto de sua pessoa, sem que o palestino mostre o menor temor ou consciência da presença deste. Após anos, Suleiman finalmente volta a sua casa com um rosto sem qualquer expressão, um observador mudo. Sua família está envelhecida e ele um homem maduro. A mãe quase não mais interage com seus familiares e Elia faz tudo para vê-la mais feliz. Contudo, sendo diabética, é hospitalizada. Ao visitá-la na clínica, a Sra. Suleiman tira o oxigênio que a mantinha viva e ele pode ver uma foto de seu pai jovem, a qual sempre mantinha em suas mãos. Suleiman respeita sua vontade e ela falece. Em seu caminho de volta, notamos que o passageiro do taxi do início da história é o herói do filme.
Um trabalho muito sensível e triste, sem nunca sair da linha humorística. Escrito, dirigido e atuado, na vida adulta, por Elia Suleiman, mostrando o lado palestino, nazareno dessa inacreditável guerra que dura até os dias de hoje, 2010! Os palestinos continuam sendo minoria em sua terra natal e chamados de árabes-israelenses. O filme recebeu dois prêmios e duas indicações. Para melhor apreciá-lo devemos nos ater também às cenas de humor que fazem todo o diferencial à platéia.