sábado, 29 de agosto de 2009

ANTICRISTO de LARS VON TRIER






O título foi inspirado em um conto de Nietzsche
Esse interessante drama de horror mostra-nos como funcionava o mito do pecado feminino, desde Eva até seu apogeu, na Idade Média, com a inquisição caçando, torturando e matando as mulheres, pelo simples fato de serem do sexo feminino e serem consideradas más. É dividido em prólogo, capítulos e epílogo.
Prólogo - Em preto e branco, um casal faz sexo em baixo de um chuveiro. Lá fora neva. À medida que eles vão se acariciando, o bebê deles acorda, pula a grade do berço e com um bonequinho na mão dirigi-se para a escada e depois para a janela aberta. Curioso, tomba em câmera lenta, no exato momento em que seus pais chegam ao clímax. Nos próximos capítulos a história será filmada em cores. Durante o funeral da criança, sua mãe desmaia e passa um mês no hospital, tratada por um psiquiatra. Seu marido, terapeuta, não concorda com as medicações e resolve tratá-la daquele luto atípico e insuportável, pois ela se julga culpada por não ter protegido seu filho e distanciada de seu marido. Como estratégia de cura, o casal resolve partir para o lugar onde lhe causasse mais medo, pois ele deveria ser enfrentado. Partem para sua cabana na floresta, que para Charlotte Gainsbourg parece, nesse momento, um lugar assustador com seus sons e a impossibilidade de controlá-la. O ótimo William Dafoe esforça-se para tratá-la, mas o sexo é o único linimento para sua dor. Ele torna-se compulsivo e doentio. Um dia, William caminhando pela mata encontra uma raposa em sua toca, que parece pronunciar uma frase: “Chaos reigns”. Perturbado volta para a cabana e ao revistá-la encontra o material da tese que sua mulher estivera escrevendo, a respeito do genocídio feminino. Ali encontram-se assustadoras gravuras de mulheres sendo torturadas e sodomizadas por seus perseguidores, na Idade Média. Eram mortas e queimadas vivas. Suas anotações sobre misoginia contem um ritmo seguro, mas com o passar das páginas, a letra vai tornando-se caótica até que desapareça em poucos traços. Quando confrontada pelo marido com o laudo médico da morte do bebê e ao rever algumas fotografias onde ele aparece sistematicamente com os lados dos sapatos trocados, verifica-se que ela causou uma deformidade em seus pés. Totalmente angustiada e acreditando na maldade feminina, provoca seu marido até que ele ejacule sangue. Não contente, bate com uma madeira em sua cabeça deixando-o inconsciente. Uma caixa de ferramentas modernas é utilizada para torturá-lo, provocando as mesmas dores impingidas às antigas bruxas. Desacordado é-lhe introduzido um parafuso na perna e uma pedra de moinho parafusada, a fim de que não possa se mover. Ao acordar sozinho, arrasta-se até a cova da raposa, onde acha um corvo que o denuncia com seu barulho. Perambulando pela floreta sua mulher, com uma pá, o enterra diversas vezes, mas não consegue matá-lo. Arrastando-o para a cabana, continua com sua obsessão sexual, chegando a ponto de cortar, com uma tesoura, seu próprio clitóris. William consegue sufocá-la até que morra. O corpo é incendiado em uma pira. Tirando o peso da perna, vai até o topo da montanha. No trajeto alimenta-se dos frutos da natureza, feminina. Agora, as vegetações haviam se transformado em corpos nus femininos! Seguindo mais adiante - no epílogo - vê centenas de mulheres pálidas, caminhando em sua direção. Será sua salvação ou aniquilamento? O filme termina como começara, em preto e branco.
É um drama para quem gosta de assuntos intimistas e psicológicos, mas nada, mesmo, mais aterrador do que a realidade. Quem já teve alguma crise de ansiedade ou pânico pode atestar muito bem essa verdade. Esse filme causou muita polêmica em Cannes, quando foi exibido.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

SE BEBER, NÃO CASE de TODD PHILLIPS




“It’s Now ou Never” é o fundo musical. O ambiente: um salão de festas que está sendo preparado para um casamento. Local: Los Angeles. Faltam apenas cinco horas para a cerimônia e a noiva recebe um telefonema de um amigo, que diz que está tudo bem e o noivo chegará na hora certa. Ela surta. As próximas cenas remetem-se há dois dias antes. O noivo convida três amigos para a despedida de solteiro em Vêgas (pronuncia em inglês), “Cidade do Pecado”, segundo eles, para a despedida de solteiro em um luxuoso hotel da cidade. Esses amigos dirigem-se para o topo do hotel onde estão hospedados para um drinque de despedida e planos para a grande noitada que os espera. Entretanto acordam de uma grande ressaca e não se lembram do que ocorrera na noite anterior. Há uma galinha branca andando pela suíte, uma jovem que sai de fininho. No banheiro aparece um tigre e um bebê dentro de um closet. O noivo é o único que não está no local. Tudo isso deverá ter uma explicação lógica. Os rapazes foram provavelmente dopados com Boa Noite Cinderela. Os elementos dessa comédia, que está fazendo muito sucesso nos Estados Unidos para grande surpresa, são: uma hospitalização sem explicação, perseguições por um bando oriental, casamento instantâneo, perda de um dente e outros episódios similares. A platéia fica, certamente, curiosa para saber a solução desses enigmas. Trata-se de uma comédia tipicamente americana, masculina, e repleta de situações e diálogos que as crianças e adolescentes do sexo masculino adoram. Puro besteirol. Mas ela prende a atenção e algumas cenas engraçadas podem ser vistas, como o roubo de um carro pertencente à polícia e uma pequena interpretação de Mike Tyson, representando ele mesmo. Fora isso não resta mais nada. É pura graça sem grandes toques de inteligência. O final, naturalmente, é feliz. Bom para jovens e homens que acham graça nesse tipo de humor. Com Bradley Cooper, Ed Helms, Zach Galifianakis e Justin Bartha (como o noivo).

sábado, 15 de agosto de 2009

TEMPOS DE PAZ de DANIEL FILHO





TEXTO DRAMÁTICO de BOSCO BRASIL: "Esta é um pouco a minha história porque sou filho de imigrantes poloneses e é muito a minha história por eu ser ator.”

Imagens em preto e branco mostram cenas de guerra com destruições de edificações e uma suástica nazista pegando fogo. Logo em seguida, grupos de crianças se lançam à rua, seguidas por homens, famílias, carroções com muitas pessoas – todos em direção ao porto, para embarcarem em um navio em direção ao... (o filme torna-se colorido) Brasil. Os passageiros estão extasiados com a beleza da Baia de Guanabara, dentre eles, um é mais sensível, seus olhos brilham de emoção, é o judeu polonês Clausewitz (ótimo Dan Stullbach). Esse homem sensível chega ao Brasil em 18 de abril de 1945. É o dia do aniversário de Getúlio Vargas, que decide oferecer liberdade aos presos políticos, saídos dos porões dos presídios. Tony Ramos é fiscal da imigração, responsável pelos salvo-condutos dos estrangeiros que se refugiariam no Brasil. É burocrata, servil, obediente, patético e truculento. Órfão, morara em um abrigo luterano, tendo como padrinho um homem influente na política, que lhe arranjara um emprego como “torturador”. Aprendera obedecer ordens e as executa sem questionamentos. O sensível Clausewitz é um ator que estudara português sozinho, com ajuda da língua latina, mas quer ser lavrador, pois o Brasil precisava de braços para a agricultura. Falando um português trôpego, cai na malha fina ao declamar um poema de Carlos Drumond de Andrade. Levado à presença do fiscal Sigismundo (excelente Tony Ramos), não o convence quanto à sua profissão pelas mãos delicadas e o ar refinado. Ambos dialogam sobre a guerra. Stullbach fala de sua experiência de vida na guerra, vista e não vivida, segundo o ator, e Ramos de sua terrível vida vivida e não sentida. O fiscal resolve dar-lhe uma chance para ficar no Brasil, desde que lhe faça chorar, até a partida do navio, que seria em alguns minutos. Desesperado aceita o desafio, mas falar de emoções e perdas em português seria um contra-senso, pois não saberia usar palavras abstratas que definissem seus sentimentos. Ramos decidi ajudá-lo contando como fora forçado a torturar pessoas que não conhecia e que não haviam feito nenhum mal a ele. A palavra “cassetete” parece ser um bom substantivo. Ao ouvir suas descrições, o ator vai mudando seu semblante ingênuo e amedrontado por expressões faciais que o deixam perplexo, pois acreditava que o português e o Brasil fosse um lugar para bebês ou velhinhos, só com gengivas, sem dentes. Um país doce e gentil. Seu desempenho será sua salvação. Tenta uma ou duas histórias, mas não comovendo Ramos, decide contar como seu professor morrera em seus braços. O linguajar é muito sofisticado para o rude oficial, mas sua narrativa é feita através dos sons de lamento que saem de sua garganta, o movimento expressivo de seus dedos e mãos e sua postura dolorida e desamparada. Fala sobre o crime que o homem cometera por ter nascido. Ele nascera dotado de inteligência e livre arbítrio, mas era culpado por esses crimes, ao passo que a natureza provida de sua fauna e flora maravilhosas eram livres de qualquer culpa, por não terem alma ou poder de decisão. O homem é incriminado pelo simples fato de existir e possuir anseios e noção de si próprio, contudo a natureza é inocente por sua pureza. Ao apito do navio, Tony Ramos comove-se com sua interpretação e uma lágrima cai de seus olhos. Afinal, ambos eram iguais, apesar de tão diferentes. Ao obter seu visto o ator não resiste a uma provocação e revela que tudo que fizera e dissera fora puro “teatro”. Cenas que havia decorado, pois seria impossível falar de si mesmo. No final do filme vemos um palco e uma platéia improvisados e aquelas pessoas imbecis, fascinadas com a interpretação de Stulbach, que acaba encenado todo o monólogo. É um drama admirável, que mostra o despertar de uma nova emoção. Junto aos créditos vemos que essa peça foi escrita em homenagem a diversos artistas europeus muito conhecidos no Brasil, que aqui desembarcaram enriquecendo nosso país com toda sua experiência e genialidade. É uma homenagem, também, a “tantos outros que a Guerra tornou brasileiros.”

domingo, 9 de agosto de 2009

A VIDA SECRETA DAS ABELHAS de GINA PRINCE-BYTHEWOOD





Uma mãozinha de criança brinca com uma bola de vidro. Seus pais discutem, a mãe pega sua mala e ao tentar alcançar a filha de quatro anos é assassinada com um tiro acidental pela própria menina. Tempos depois, essa garota com 15 anos vive em uma fazenda de pêssegos com seu tirano pai, na Carolina do Sul, ano de 1964, quando o racismo estava em uma de suas piores fases. Dr. King havia conseguido promulgar uma lei, através da qual os negros adquiriram seu direito de voto. Era um enorme passo para os afro-americanos que poderiam, a partir de então, escolher seus candidatos! Essa menina, Lily Owens (ótima Dakota Fanning), vive sob os cuidados de uma negra, Rosaleen, que ao desentender-se com um racista do local, é espancada e levada à prisão. O rancoroso pai, que incutira na mente da menina que a mãe reaparecera apenas para pegar seus pertences, trata a filha com grande crueldade e sadismo. Lily não é uma menina qualquer, mas uma corajosa e obstinada adolescente, que resolve desaparecer em busca das origens de sua mãe, levando Rosaleen junto. Ela possui apenas três objetos da mãe: um par de luvas, um broche de ouro e um ícone de uma Nossa Senhora Negra. Às escondidas, conseguem chegar à cidade de onde sua mãe viera e encontram, casualmente, potes de mel com a mesma imagem que ela possuía. O mel era produzido por três irmãs negras, donas de uma linda propriedade, tão cheia de vida e cor quanto elas. Essas mulheres acolhem as duas estranhas e August (comovente Queen Latifah) oferece-lhes amor e cuidados de que elas tanto necessitavam. Essas irmãs são cultas, bem posicionadas socialmente e apesar de August não acreditar na desculpa de Lily, não revela seu pressentimento. A casa está sempre cheia de interessantes pessoas negras. Começa a surgir um sentimento de amor entre Lily e um jovem negro, que trabalhava no casarão. A garota é iniciada na produção das abelhas e de suas colméias, tão cheias de surpresas e códigos. Lily deseja ser escritora e o garoto negro advogado, pois gostaria de servir ao Dr. M. L. King. Indo uma tarde a um cinema, entram por portas separadas, já que os negros não podiam conviver socialmente com os brancos. Lá dentro, porém, o destemido casal senta-se lado a lado, o que provoca uma onda de violência ainda maior da que causara Rosaleen. Ele é preso e brutalmente espancado e seu paradeiro desconhecido. Após vários dias e o suicídio de May, por não suportar tanta injustiça, é devolvido à família. Mais do que nunca o jovem casal se propõe a seguir suas deliberações anteriores: ela ser escritora e ele advogado para combater tanta segregação e brutalidade. No terço final do filme, Lily revela à August que se sente a pessoa mais desamada e cruel do mundo. August também tem uma revelação: criara sua mãe até receber como herança a fazenda e iniciar sua fabricação de mel. Um dia, seu pai aparece para resgatá-la, contando uma nova versão dos fatos. Nesse momento sentimos que ele realmente amara a mulher e a filha, mas revelando seu lado cruel fora abandonado por ambas. Protegida pela família de August, Lily pode encontrar-se, talvez, e ter a paz de espírito necessária para alcançar seu objetivo e escrever. Esse filme foi baseado no livro de Sue Monk Kidd e, a princípio rejeitado por Gina Prince-Bythewood, que ao ler o roteiro três anos após ter-lhe sido apresentado, percebe tratar-se de uma história de vida quase igual à sua, pois é uma afro-americana. Ótimo drama.

sábado, 8 de agosto de 2009

ALMOÇO EM AGOSTO – de GIANNI DI GREGORI






Este filme escrito, dirigido e estrelado por Gianni de Gregori aborda, como o ótimo Parente é Serpente, uma questão familiar da maior delicadeza: como lidar com os idosos de mais de oitenta anos, já com sua saúde comprometida e suas naturais esquisitices. Gregori é um filho carinhoso, sessentão e endividado, que tem de morar com sua mãe em um apartamento em Roma. Durante o verão a cidade fica vazia, tornando-se melancólica para seus moradores. Devendo a diversas pessoas é procurado pelo síndico de seu prédio com a proposta de tomar conta de sua mãe por uma noite, pois precisava se juntar a família em férias. Com muita relutância, Gregori acaba cedendo. Suas dívidas seriam saldadas o que resultaria em um bom negócio financeiro. Ocorre que a senhora não virá sozinha, mas acompanhada de outra, ligeiramente esclerosada. Ambas tomam várias medicações e têm restrições alimentares, o que já significa um grande trabalho extra. Chamando seu médico para examinar sua mãe recebe um pedido inusitado, pois o feriado de Ferragosto (almoço em agosto) será no dia seguinte. O pedido é o mesmo – ficar com sua mãe por uma noite. Isso ele não pode recusar, pois devia muito dinheiro a ele e além do mais recebe uma bela quantia em euros. Temos quatro senhoras com temperamentos e dietas diferentes convivendo sob o mesmo teto. Apesar disso, elas parecem ter se conhecido durante toda a vida. São isoladas e carentes de assuntos que possam compartilhar. A comicidade do filme vem dessa relação tão íntima em um tempo tão exíguo. Gregori cozinha muito bem e faz comidas típicas italianas, que elas jamais sonhariam comer e ótimos vinhos são servidos sem reservas. Deliciadas, essas mulheres exigentes terão diversos problemas para dormir, pois cada uma delas tem hábitos próprios. Exaurido, nosso herói, no dia seguinte, não vê a hora de livrar-se das quatro velhinhas, que não se dão por vencidas e oferecem mais euros, para poderem desfrutar de um almoço especial no Ferragosto. Vencido, prepara uma refeição especial, com mesa muito bem posta e um peixe espetacular. Garrafas de vinho branco gelado também não faltam. A opinião geral na casa é de que esta celebração está melhor do que qualquer outra já vivida por elas, agora tratadas como verdadeiras “mulheres” e não mais como idosas problemáticas. O clima do filme é um tanto opressivo no início, mas com o desenrolar da história vai adquirindo um tom engraçado e relaxante, pois a velhice é retratada como ela é. Não deixe de ver as cenas que aparecem junto aos créditos!
Almoço em Agosto levou oito anos para ser realizado, pela dificuldade do tema que não atraia os produtores. Quando lançado ganhou o Leoncito, o Leão de Ouro de melhor filme estreante em Veneza. Vale a pena conferir.