sábado, 15 de agosto de 2009

TEMPOS DE PAZ de DANIEL FILHO





TEXTO DRAMÁTICO de BOSCO BRASIL: "Esta é um pouco a minha história porque sou filho de imigrantes poloneses e é muito a minha história por eu ser ator.”

Imagens em preto e branco mostram cenas de guerra com destruições de edificações e uma suástica nazista pegando fogo. Logo em seguida, grupos de crianças se lançam à rua, seguidas por homens, famílias, carroções com muitas pessoas – todos em direção ao porto, para embarcarem em um navio em direção ao... (o filme torna-se colorido) Brasil. Os passageiros estão extasiados com a beleza da Baia de Guanabara, dentre eles, um é mais sensível, seus olhos brilham de emoção, é o judeu polonês Clausewitz (ótimo Dan Stullbach). Esse homem sensível chega ao Brasil em 18 de abril de 1945. É o dia do aniversário de Getúlio Vargas, que decide oferecer liberdade aos presos políticos, saídos dos porões dos presídios. Tony Ramos é fiscal da imigração, responsável pelos salvo-condutos dos estrangeiros que se refugiariam no Brasil. É burocrata, servil, obediente, patético e truculento. Órfão, morara em um abrigo luterano, tendo como padrinho um homem influente na política, que lhe arranjara um emprego como “torturador”. Aprendera obedecer ordens e as executa sem questionamentos. O sensível Clausewitz é um ator que estudara português sozinho, com ajuda da língua latina, mas quer ser lavrador, pois o Brasil precisava de braços para a agricultura. Falando um português trôpego, cai na malha fina ao declamar um poema de Carlos Drumond de Andrade. Levado à presença do fiscal Sigismundo (excelente Tony Ramos), não o convence quanto à sua profissão pelas mãos delicadas e o ar refinado. Ambos dialogam sobre a guerra. Stullbach fala de sua experiência de vida na guerra, vista e não vivida, segundo o ator, e Ramos de sua terrível vida vivida e não sentida. O fiscal resolve dar-lhe uma chance para ficar no Brasil, desde que lhe faça chorar, até a partida do navio, que seria em alguns minutos. Desesperado aceita o desafio, mas falar de emoções e perdas em português seria um contra-senso, pois não saberia usar palavras abstratas que definissem seus sentimentos. Ramos decidi ajudá-lo contando como fora forçado a torturar pessoas que não conhecia e que não haviam feito nenhum mal a ele. A palavra “cassetete” parece ser um bom substantivo. Ao ouvir suas descrições, o ator vai mudando seu semblante ingênuo e amedrontado por expressões faciais que o deixam perplexo, pois acreditava que o português e o Brasil fosse um lugar para bebês ou velhinhos, só com gengivas, sem dentes. Um país doce e gentil. Seu desempenho será sua salvação. Tenta uma ou duas histórias, mas não comovendo Ramos, decide contar como seu professor morrera em seus braços. O linguajar é muito sofisticado para o rude oficial, mas sua narrativa é feita através dos sons de lamento que saem de sua garganta, o movimento expressivo de seus dedos e mãos e sua postura dolorida e desamparada. Fala sobre o crime que o homem cometera por ter nascido. Ele nascera dotado de inteligência e livre arbítrio, mas era culpado por esses crimes, ao passo que a natureza provida de sua fauna e flora maravilhosas eram livres de qualquer culpa, por não terem alma ou poder de decisão. O homem é incriminado pelo simples fato de existir e possuir anseios e noção de si próprio, contudo a natureza é inocente por sua pureza. Ao apito do navio, Tony Ramos comove-se com sua interpretação e uma lágrima cai de seus olhos. Afinal, ambos eram iguais, apesar de tão diferentes. Ao obter seu visto o ator não resiste a uma provocação e revela que tudo que fizera e dissera fora puro “teatro”. Cenas que havia decorado, pois seria impossível falar de si mesmo. No final do filme vemos um palco e uma platéia improvisados e aquelas pessoas imbecis, fascinadas com a interpretação de Stulbach, que acaba encenado todo o monólogo. É um drama admirável, que mostra o despertar de uma nova emoção. Junto aos créditos vemos que essa peça foi escrita em homenagem a diversos artistas europeus muito conhecidos no Brasil, que aqui desembarcaram enriquecendo nosso país com toda sua experiência e genialidade. É uma homenagem, também, a “tantos outros que a Guerra tornou brasileiros.”

Nenhum comentário: