sexta-feira, 1 de maio de 2009

ALEKSANDRA de ALEKSANDR SOKUROV









Emocionante! Não há outro adjetivo. O filme começa com o foco em uma linda cabeça branca, de cabelos longos, trançados e enrolados em forma de rodinha, presos por um lindo pente. Quando a cabeça se volta, vemos um belo rosto tranqüilo de uma senhora de olhos claros e corpo pesado: a figura feminina russa que nos dá segurança e apoio. Essa mulher de seus oitenta anos sobe em um trem de carga, ocupado por “soldados meninos” e depois de horas, embarca em um tanque de guerra, auxiliada por eles, e desembarca em um acampamento de guerra, poeirento e solitário. Do tanque blindado segue para uma tenda que chamam de hotel, com uma cama de ferro. Cansada adormece. Ao raiar do dia, percebe que não está só. Ao seu lado dorme um jovem soldado russo. Quando ele acorda há um emocionante abraço entre avó e neto! Alexandra fora visitá-lo no acampamento do exército russo na Chechênia. O filme se passa durante a guerra Russa com a Chechênia, mas não veremos um tiro. É um filme de amor, saudades e compreensão entre os povos. Essa mulher resoluta e destemida decide ver o neto, pois sentia muito sua falta e estava sozinha no mundo. Durante sua estada ela não para, nem por um minuto sequer, apesar de suas pernas doloridas e seu corpo lento. Ela queria ver com seus próprios olhos, como todas as avós, o estado em que se encontrava seu neto e os “meninos soldados” que eram mandados para os campos de batalha. Sua presença não os constrange, pois era esperada. Seu neto, capitão, havia conseguido uma licença para que ela o visse por alguns dias. A história é contada com olhares, que são fundamentais na película, mais do que diálogos que são poucos. Ela transita pelo acampamento, como se fosse a rua de sua moradia, não aceitando ajuda ou favores. Autoritária e ao mesmo tempo doce, encanta os jovens perguntando-lhes, como se fora sua avó, se sentem calor, fome ou saudades de casa. Quais são seus desejos e seus medos. Temos cenas maravilhosas, com a que ela se despede do neto, acenando-lhe, e ele está em cima de um tanque de guerra. Ou outra ainda mais comovente: ele penteia seus longos cabelos grisalhos e os trança como fazia quando era garoto. O amor entre eles é incondicional, mas o jovem capitão consegue confessar-lhe que o autoritarismo familiar caucasiano[1] havia lhe afetado muito, assim como doera a falta de carinho de sua avó para com sua mãe. Alexandra declara ao neto “possuir um corpo velho que está morrendo, mas uma mente jovem que estava pronta para receber uma alma nova.” Não se contentando em ficar confinada no acampamento, se aventura para o mercado local. Até aqui você imagina que o local seja um quase deserto pelo calor insuportável e poeira, que levantava a todo instante. Entretanto, estavam no centro de uma cidade chechena, cercada por prédios destroçados, onde ainda moravam pessoas que não tinham para onde ir. Prometendo trazer biscoitos e cigarros aos jovens soldados, entra no mercado ao ar livre, com tendas empoeiradas, e senta-se ao lado de uma senhora, Malika, que fala russo fluentemente. Vendo a velha senhora cansada, convida-a para um chá, abandonando seu comércio, em seu pequeno lar devastado e conversam sobre os homens e a guerra: “Eles gostavam de destruir, mas não de reconstruir.” Falam da inutilidade dos combates e de como elas, em poucos minutos e ainda estranhas, haviam se tornado duas irmãs e da diferença entre russos e eslavos[2]. O filme prossegue sempre nesse tom de amor, dificuldades e esperanças... Os diálogos apesar de poucos são bem estruturados e significativos. Finalmente ela parte para a Rússia e três mulheres chechenas, de diferentes idades, acompanham-na ao trem, com olhos lagrimejantes, e o comboio se afasta com Alexandra despedindo-se, pensativa e totalmente absorta nessa absurda circunstância.

Alexandra (Galina Vishnevskaya) é uma das principais sopranos do séc. XX.
[1] Povos de pele clara, habitantes de países próximos ao Mar Negro.
[2] Povos indo-europeus muito claros. Deram origem aos países do Leste Europeu.

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