segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

UM HOMEM BOM de VICENTE AMORIM











Baseado na peça teatral Good de C.P. Taylor
Este foi um dos filmes mais pungentes e esclarecedores de 2008. Começa em 1937, Berlim, quando um jovem homem de óculos é levado, no banco traseiro de um carro, até um dos Ministérios do Terceiro Reich (partido único), a fim de prestar esclarecimentos a um alto funcionário da SS. Ele é o Professor John Halder (soberbo Viggo Mortensen), o qual se encontra intimidado pela ordem recebida de lá comparecer. Professor de Literatura havia escrito uma novela sobre a eutanásia, onde o marido mata a mulher muito doente por questões humanitárias. O próprio Hitler havia lido e, ao contrário do que estava temendo, gostado muito de seu enfoque. Ele é convidado, ou melhor, obrigado a se filiar a SS, pois o ditador queria juntar o maior número possível de “cérebros” em seu partido. Voltamos para 1933 e Halder, casado e pai de dois filhos, dá uma aula sobre interpretação literária (note na lousa, está escrito Dostoievsky, Tolstoy, e Freud), quando um tumulto impede que prossiga, pois jovens estudantes alemães, pertencentes à juventude hitlerista, estão queimando milhares de livros, cujos conteúdos não seguem a doutrina nazista. Lá estão toda a sabedoria e inteligência da humanidade! Esses jovens eram doutrinados para descartar e aniquilar tudo o que não fosse puramente ariano, uma fantasia de Hitler que era muito místico, o qual queria formar um novo mundo, eliminando tudo que fosse desprezível: intelectuais não simpatizantes, judeus, católicos, doentes, homossexuais e deficientes físicos. Halder fica chocadíssimo com o fato, mas é aconselhado a se juntar à SS, pelo chefe da equipe, a fim de não perder o emprego ou ser morto. Halder não acreditava nessa absurda filosofia e compartilhava esses sentimentos com seu melhor amigo e analista o brilhante judeu Maurice Israel Glückstein (excelente Jack Isaacs). Ambos eram amigos desde a guerra de 1918 e falavam a mesma linguagem de liberdade. O jovem professor cuidava da casa e da mulher neurótica, além da mãe tuberculosa e esclerosada (ótima Gemma Jones). Esse talentoso catedrático é envolvido por uma aluna da área de história, Anne (Jodie Wittaker), que se aproxima dele, sob o pretexto de se encontrar como pessoa, mas que acaba tornando-se sua amante. Ele está muito pressionado por problemas familiares e se envolve com ela, que era como um ar fresco, diante de tantas dificuldades que passavam durante aquela época. Maurice fica incrédulo quando sabe que seu amigo havia deixado a esposa, filhos e levado a mãe para sua casa no interior da Alemanha, para morar com Anne em um pequeno apartamento em Berlim. Fica estarrecido, também, quando John lhe propõe que saia da Alemanha, mas ele também era alemão e havia sido combatente de guerra.Voltamos para 1938 e Halder já havia subido muito profissionalmente desde que se engajara no partido, apesar de ser uma posição intelectual, pois estava escrevendo um ensaio sobre a eutanásia humanitária, baseado em seu romance. Está casado com Anne, que espera seu primeiro filho. Agora moram em um belíssimo apartamento de uma família judia, que fora forçada a abandoná-lo, com seus moveis, quadros, tapetes, louças e pratarias. Essa era a prática oficial na Alemanha, naqueles idos dos anos 30, e os principais oficiais e agentes da SS ocupavam esses imóveis. O ético e livre pensador, John Halder, está bastante mudado e acha que é possível “conviver” com aquele regime, já que era inclusive casado com uma mulher pertencente ao partido nazista. Anne mostrou-se uma mulher sem conteúdo e dedicada aos planos de Hitler. Os imponentes prédios de Berlim eram enfeitados com faixas de veludo e seda vermelhas, com a suástica impressa em grandes formatos. Diversos grupos de pessoas simpatizantes marchavam com a bandeira nazista nas mãos, orgulhosas de seus atos, o que Halder havia abominado tanto. No meio delas havia também os soldados da SS, os quais aniquilavam os que fossem contra o regime. Na Noite dos Cristais, John Halder é convocado para participar, como oficial, da perseguição e extermínio dos judeus. Ele fica desesperado e horrorizado, pois ainda não havia conseguido um bilhete aéreo para seu melhor amigo Maurice, que agora precisava fugir o mais rápido possível para Paris, a fim de resguardar sua vida e dignidade. Isso já havia sido requisitado há algum tempo, mas Halder sempre encontrava um empecilho para fazê-lo, com medo de se comprometer. Excitado parte para a estação, a fim de obter a passagem, que só lhe é vendida através de coação. Chegando a casa pede para que Anne entregue a Maurice o bilhete aéreo, pois sem isso ele estaria morto. Relutante ela promete que o fará e pede para que ele se olhe no espelho. Estava fardado, com quepe e capa, sendo o mais perfeito protótipo do oficial alemão! A noite é muito longa e aterrorizante, com os pobres judeus expulsos de casa, sem nada levar, e amontoados em carroças a fim de serem despachados aos campos de concentração. Halder, apesar de seus esforços não acha Maurice, mas deixa um recado escrito para que vá à sua casa. Na manhã seguinte, quando chega, encontra Anne dormindo e ela diz que seu amigo não havia ido até eles. Nesse ínterim sua mãe morre e ele se encontra com sua ex-mulher, que continua admirando-o, assim como seus filhos. Ela se acha muito bem, dando aulas de música clássica, que era a paixão de Halder, especialmente Mahler, seu compositor predileto com suas lindas sinfonias. Já em 1942, em plena guerra, ele continua trabalhando como consultor da SS, em casos de doenças e ética. Não está absolutamente feliz com o desenrolar das batalhas e suas conseqüências maléficas sobre toda a humanidade. Porém ele é escalado para trabalhar em campos de reassentamento, ou seja, campos de concentração, na Silésia. Halder não podia parar de pensar em seu grande amigo desaparecido, e quando é interrogado por seu relacionamento com ele, aproveita a oportunidade para “testar a eficiência da Gestapo” e menciona seu nome para ser descoberto dentre os milhares de arquivos existentes de judeus destituídos ou mortos. Seu arquivo é encontrado em minutos e ele segue para casa com a mais profunda convicção que Anne havia estado com Maurice, mas o delatara aos oficiais nazistas. Abandonando-a, segue, desesperadamente, à procura do campo de concentração que Maurice havia sido enviado. Esse final de filme é muito doloroso e arrebatador, pois nos são mostrados os judeus trabalhando em serviços forçados, magros, doentes e muitos mortos pelo cansaço, levados a terrenos cercados de arame farpado para serem jogados em valas comuns. A atuação de Viggo Mortensen é fenomenal, pois comovido e roído pelo remorso busca em cada face, em cada gesto a figura de Maurice dentre os milhares de prisioneiros. Em uma esquina barrenta do campo, havia um grupo de judeus que chama sua atenção, pois tocavam Mahler e sua sinfonia predileta. Com os olhos embaçados pelas lágrimas gira em volta de si, à procura de seu amigo, mas tudo o que vê é outros vagões chegando com centenas de mulheres, crianças e homens desesperados ao encontro de seu fim.

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