domingo, 27 de setembro de 2009

SE NADA MAIS DER CERTO de JOSÉ EDUARDO BELMONTE





Esta estória é como pedaços de trapos que vão sendo alinhavados grosseiramente e à medida que ela evolui vai tomando a forma de uma colcha com panos resistentes e uma costura muito bem feita. Ela é dividida em capítulos nomeados e um epílogo. Conta a trajetória de um jornalista free-lance (Cauã Reymond) e seus companheiros, alguns impingidos pelo desenrolar dos fatos. Ele vive com uma namorada drogada e alcoólatra que tem um filho de outro homem e uma empregada que cuida do menino e deles. Esses jovens personagens são pessoas sem perspectivas, derrotadas pela vida e pelo sistema corrupto em que vivemos, sem possibilidade de encontrar um emprego ou formar uma família natural. Leo está sem trabalho efetivo e suas reportagens são constantemente rejeitadas. Não podendo dar um suporte para sua “família”, vai aos poucos se aproximando mais e mais do mundo marginal dos viciados e as pessoas que distribuem drogas. Dentre eles está uma pequena jovem travestida de homem, que fugira de casa e adotara outro nome e sexo, agora é Marcin ( ótima Caroline Abras). Ela é poderosa em sua posição de distribuidora, mas muito manipulada pelos grandes chefes e manipuladora. É também cooperadora, desde que ganhe alguma vantagem nisso. Temos também um taxista derrotado, seu amigo que a leva aos pontos de distribuição. Ele é feio, amargo e carrega um “cano”, que era de seu pai, sem balas. Cauã representa a juventude esperançosa, que gostaria de ser bem sucedida e poder ter um futuro. O taxista simboliza a derrota e suposta inação, Marcin é o pragmatismo, astúcia e sobrevivência a qualquer custo e a empregada a consciência. Esses personagens passam a viver de pequenos golpes que não resolvem os problemas de suas vidas. Contudo, encontram uma chance de dar-se bem e ainda vingar-se do Estado corrupto e seus membros. É época de eleições presidenciais entre Geraldo e Lula, que aparecem fazendo seus discursos sobre segurança pública e promessas que jamais serão cumpridas. Aí está a chance de eles roubarem os membros do caixa dois dos partidos políticos e embolsarem esse dinheiro. Para tanto, se envolvem com quadrilheiros mais perigosos e escolados. No momento da partilha, o taxista, agora com seu revolver cheio de balas e já treinado no seu manuseio, mata os outros delinquentes e somente os três ficam com a bolada para ser dividida e realmente acertar suas contas. Para Leo, Marcin e o taxista isso não é delito, mas apenas um ajuste de contas com a sociedade que lhes virara as costas e principalmente um governo perdulário e desonesto. Atrás deles virá a polícia federal e terão de fugir. Com tanta falta de carinho e amor em seus relacionamentos surge um romance entre Marcin e Cauã que passarão a cuidar do garoto, cuja mãe recusa-se a fugir e deseja ficar quieta, embalada pelo vício que já tomara conta de sua vida. Durante a fuga param em uma praia deserta, onde um grupo de seguidores de Umbanda reza à beira mar. A garota, agora vestindo roupas de mulher, é acolhida por eles em um forte abraço e Cauã reflete que não existem milagres, mas há outras formas de solidariedade que podem mudar a vida das pessoas.
Esse é um filme polêmico, bem dirigido e interpretado. As cenas, às vezes, fogem do seu controle por não terem uma sequência linear. Há grandes enfoques nos rostos dos atores, que muitas vezes estão fora de foco ou um pouco destorcidos. Com o desenrolar da estória isso vai se atenuando e as cores tornam-se mais fixas e as imagens mais nítidas, assim como o destino de seus protagonistas. É o quarto longa do diretor de 39 anos, que escolheu São Paulo para filmar o drama, pois seria a cidade mais propícia para que personagens sem grandes estruturas pudessem ser desconstruídos por ela. O afeto é, talvez, o tema principal desse drama.

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