sábado, 6 de novembro de 2010

JOSÉ & PILAR DE MIGUEL GONÇALVES MENDES







(BRASIL–ESPANHA–PORTUGAL/125 MINUTOS)

AMIZADE
AMOR
CUMPLICIDADE
Essas palavras definem o relacionamento entre o gênio, por vezes incompreendido, José Saramago e Pilar Del Rio. JOSÉ & PILAR de Miguel Gonçalves Mendes nos convida a participar do cotidiano entre este grande escritor português, ateu e comunista convicto, e sua mulher, a jornalista espanhola Pilar Del Rio 28 anos mais jovem do que ele. O documentário levou quatro anos para ser realizado e a vida do casal, com intermináveis viagens, entrevistas prolongadas, noites de autógrafos e inúmeras palestras, é apresentada sem pressa ou invasão da intimidade. O que fica mais patente é o amor que se formou entre eles, ao longo de mais de duas décadas. Saramago considerado por ele mesmo um homem um tanto melancólico e austero foi, na verdade, um marido jovial, sensual e contestador. O filme começa em Lanzarote, uma ilha vulcânica espanhola, quando o casal constrói em sua casa uma colossal biblioteca com tomos de todas as partes do mundo. Ele está sentado em frente ao computador, esperando que abra e a platéia esperando ler frases espetaculares, mas o que aparece é um jogo de paciência, para evitar o Altzeimer! Seu livro, neste momento, é Viagem do Elefante, que caminha, caminha, a vida toda... sem saber para onde vai e porque vai. Finalmente, será morto e esfolado com sua pata decepada que servirá como porta-sombrinha ou bengalas, em um local da Áustria. Um ato de estupidez e total inutilidade. Saramago, com suas sentenças curtas e bem colocadas, nos fala da decepção com a humanidade, da vida, do cosmo, da ausência de Deus, das religiões e principalmente da morte, que para ele é apenas o fim. Nasce-se, cresce-se, depois vem a morte e mais nada. Não tinha medo dela tampouco do pecado, que só servia para subordinar alguém à sua vontade. Para ele o pecado também não existia. No amor ele acreditava, na bondade e na sua missão de escritor, que começara sem deliberação alguma, aos sessenta anos. Para ele tudo na vida lhe aconteceu demasiado tarde. “Pilar, Pilar,” chama sempre, “ela era o seu pilar” e a abraça com afeto. Essa mulher jamais deixará de ajudá-lo, apoiá-lo e conduzi-lo ao lugar que merecia, até que conseguisse o prêmio Nobel de Literatura. Foi sua companheira, enfermeira e auxiliar nas inúmeras viagens maçantes que fizeram ao redor do mundo, a fim de divulgar sua obra ímpar. Ela era feminista, autoritária e firme, conferindo-lhe juventude e felicidade. Sim, sua vida foi feliz. Vemos também a doença que quase o ceifou, enquanto escrevia Viagem do Elefante e a coragem que demonstrou para sobreviver e acabar seu romance. Debilitado, mas já fora de perigo, continua sua saga; agora um homem fisicamente fragilizado, jamais psicologicamente. Ele dizia que escrevia os romances e Pilar escrevia a vida. Essa fusão ibérica de Espanha e Portugal entre eles nos dá conta da sensação de pertencimento que diferentes pessoas possam ter em uma relação honesta e franca. O documentário iniciou-se em 2006 e foi até 2009. O escritor que nasceu em 1922 morreu em junho de 2010, depois da montagem de José & Pilar. Nada foi modificado. Filme imperdível para os amantes de sua literatura ou não.

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