sábado, 27 de março de 2010

DIÁRIO PERDIDO de JULIE LOPES-CURVAL











“Méres et Filles” é uma interessante, eficaz e sensível história, muito bem contada pela diretora, que fala do relacionamento entre três mulheres de diferentes gerações: avó, mãe e filha. O assunto é a liberdade e independência feminina. O mais extraordinário é como o comportamento de uma geração, do pós-guerra, afetou tremendamente as duas gerações subsequentes. Uma jovem que mora no Canadá, vem visitar sua família francesa em sua pequena cidade natal. Há dez anos não os via e Audrey (ótima Marina Hands) estava ansiosa pela reação deles, pois além de querer revê-los tinha em pendência um aborto. Além de ser solteira não tinha vocação para a maternidade. Isso, porém, é um segredo que ela guardará da família por algum tempo. O pai vai recebê-la com alegria, mas sua mãe, uma médica famosa na localidade, não pode ir ter com ela. Ao encontrarem-se ela não abraça a filha, guardando uma distância e tanto. Esse ótimo personagem vivido por Catherine Deneuve é frio, individualista e ao mesmo tempo carente. Dentro da história, surge a avó, (Louise Marie-José Groze), talvez a personagem mais importante. Nós iremos conhecê-la muito bem, através das recordações e suposições da neta e um pouco da mãe e tio. O avô ficara sozinho há muitos anos, quando os filhos eram pequenos e Audrey não pudera vê-lo em seu enterro. A história da avó é um tabu dentro da família. Sua linda casa ficava à beira mar e estava totalmente conservada. Sentido-se incomodada na companhia da mãe, Audrey parte para lá e começa a limpar a cozinha a fim de se alojar melhor, pois adorava cozinhar desde pequena. Ao limpar uma gaveta, vê que atrás dela está um velho caderno: uma mistura de livro de receitas e relatos pessoais. Curiosa passa a lê-lo encontrando uma foto da avó bem jovem com os dois lindos filhos pequenos. Ela fica muito surpresa, já que o avô havia queimado tudo que se relacionasse a ela desde que abandonara seus filhos com pouca idade. Ela escreve algo assim: “Abandonarei esta casa, pois sinto que vou morrer, mas não abandonarei meus pequenos, que muito amo. Será temporário e voltarei para buscá-los e sermos felizes”. Audrey imagina sua avó, muito bem vestida e feminina, levando os filhos para a escola e cuidando deles. Imagina como seria sua vida naquela época de repressão à mulher. O avô enciumado e autoritário não deixava que ela estudasse, trabalhasse em sua ótima boutique de roupas femininas ou tivesse qualquer amizade mais duradoura. Ela era moderna e ansiava por ser independente e ganhar seu próprio dinheiro, mas isso foi impossível durante o período de casada. Sua filha, Martine (Catherine Deneuve) sempre fora mais ligada ao pai do que a mãe a quem julgava fútil. Havia uma idiossincrasia entre elas que nunca havia sido recuperada. Sua avó vestia as roupas mais bonitas da cidade, pois seu marido era um excelente alfaiate. Sua moradia era linda, assim como seus filhos, mas isso não bastava para alguém adiante de seu tempo, ela queria independência para trabalhar. A história contada era que havia fugido, sem nunca mandar uma notícia sequer. Isso arrasa a vida de Martine, que se torna uma médica respeitável, fria e totalmente independente. Esse conceito ela passa para Audrey de uma forma tão violenta, que ela se vê compelida a morar sozinha em Toronto e deixar a família para trás. No momento,o que importa para ela é seu meio de sobrevivência e sua posição no mercado, que é ótima. Não tem namorado apenas um amigo do qual engravidou durante uma única noite que dormiram juntos. Tom, ao saber da notícia, e não obtendo respostas vai visitá-la, mas é rechaçado. Tom gostaria de ter um filho, Audrey não, até que aborta espontaneamente. As imagens de sua avó e seu avô continuam assombrando seus pensamentos e são mostrados ao espectador. O colorido do filme é suave com uma leve sombra, que o torna ainda mais bonito. Repentinamente, ao reler as frases finais de sua avó, imagina que seu marido a tenha expulsado de casa, pois seu dinheiro ainda continuava lá e Audrey o havia herdado. Em um encontro marcante com sua mãe, ela aborta espontaneamente. Martine, depois de levá-la ao hospital, começa a ler o diário que havia se recusado a olhar quando lhe fora oferecido. Seu irmão já havia lido e ficado emocionado. As duas começam a conversar sobre o assunto e, emocionada, Martine lembra-se do dia do desparecimento da mãe. A casa estava aberta, sua mala e seu dinheiro em cima da cama e seu pai chegara tarde, todo sujo de lama e com os olhos esbugalhados. A conclusão é uma só, ela fora assassinada e ninguém tentara falar com a polícia! Esse extraordinário drama une-as e faz com que comecem a repensar suas atitudes individuais. É uma bela história universal tão verdadeira e com um elenco de primeira. Vale a pena ser visto.

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