quinta-feira, 24 de julho de 2008

O escafandro e a borboleta


Julian Schnabel
Este é um drama que expõe luta, perseverança, resignação e sensações. As sensações são magistralmente focadas pelas lentes do diretor de dentro do personagem principal, de fora, acima e abaixo dele. É a tragédia pessoal de Jean-Dominique Bauby, chamado pelos amigos de Jean-Do. Começa com uma cena de hospital e a imagem sai de dentro do personagem, quando consegue ouvir o médico que lhe explica que teve um AVC, tendo ficado três meses em coma em um hospital em Paris e agora se encontra num hospital de base, à beira mar, por algumas semanas e esta é a primeira vez que abre os olhos. A cidade é a mesma que ele passava as férias na infância e se recorda que lá era um local para crianças e eventos artísticos, mas agora se transformara em casa de saúde. Seguindo as recomendações médicas, olha para a direita e esquerda e conversa normalmente com o clínico, mas este é um diálogo de um só lado, pois ele raciocina e responde, contudo não é ouvido por ninguém da sala, pois está sem fala. Chocado, ele fica sabendo que está sem voz, não pode comer, se movimentar, enfim está totalmente paralítico, movendo somente o olho direito. Seu caso é raríssimo, conhecido como “Síndrome do Encarceramento”. Jean-Do sente-se como um escafandrista paralisado no fundo do oceano, tendo como cordão umbilical um tubo que o liga ao navio dando-lhe ar para sobreviver. Essa metáfora é mostrada toda vez em que ele se sente sufocado ou angustiado pela doença e sua terrível imobilidade. Os médicos são dedicados, competentes e as duas fisioterapeutas, Claude e Henriette, além de lindas mostram-se competentíssimas e interessadas em sua recuperação, não só pela raridade da doença como por sua figura humana, pois ele é um importante editor de revista ELLE francesa, no auge de sua carreira. Uma das jovens trabalha com um método no qual ele é capaz de se comunicar, apenas piscando o olho direito. Uma piscadela é sim, duas são não. Com um alfabeto baseado nas letras mais usadas na língua francesa, ele, com esforço sobre-humano, consegue sair de sua roupa de escafandrista e voar como uma borboleta para o mundo exterior. O mesmo esforço é exigido de Claude, que interpreta seus sinais, e ensina esse artifício para Céline, seus filhos e as pessoas que estão ao seu redor. Ele tem quarenta e dois anos, separado da mãe de seus três filhos e atualmente vivia com Inès, que o ama e é correspondido. Jean pensa muito em seu pai, um viúvo de noventa e dois anos, semi-paralítico, que sente uma saudade enorme da mulher que já se foi. As únicas coisas que lhes são preservadas são o olho direito, sua imaginação e sua memória e elas serão sua vida e sua redenção, pois através delas irá recordar seu passado, imaginar o futuro e reviver os dias anteriores ao acidente. O filme mostra Jean-Do saudável e ativo em seu trabalho, seus momentos de felicidade com sua atual amante e o quanto foi ausente com sua família. Sua mulher, Céline, visita-o constantemente com os filhos e coisas pequenas como celebrar o dia dos pais, fato que nunca havia feito parte de sua agenda, passa a ter um novo significado. Como gostaria de afagar os filhos e colocá-los no colo! Como se arrepende de não ter sido mais carinhoso com Céline que nunca não o abandonou! Outras imagens anteriores nos são apresentadas como a do seu pai, dizendo que se orgulha dele, de um amigo que tendo pegado o seu lugar em um avião, pois estava com um compromisso importantíssimo, acaba sendo seqüestrado e aprisionado por extremistas em Beirute, por quatro anos, sendo confinado em uma minúscula adega. Esse homem quando o visita diz que suas posições, agora, são iguais e o aconselha a tirar o que há de mais humano de dentro de si para sobreviver! Essas recomendações são muito valiosas para sua recuperação. Ocorrendo até certo ponto, lhe permite escrever um livro de memórias, com a ajuda de Claude. O título é Le Scafandre et le Papillon, dedicado aos seus filhos e a ela, no qual se baseia o filme. Todos os abrangidos por essa tragédia rezavam e esperavam por um milagre. Jean-Do, apesar de cético, ansiava que isso ocorresse. Ele menciona que sua vida é uma sucessão de pequenas fatalidades e a metáfora usada é uma cena na qual vemos montanhas cobertas de gelo, que começa a cair até que se tornar uma avalanche e em seguida elas estão outra vez produtivas e em pleno verão. Essa mesma cena é repetida, ao contrário, quase no final do filme, quando, já bem melhor relembra o dia de seu acidente. Durante um final de semana leva apenas seu filho para passar o dia com ele, todavia prometendo que o próximo será só da caçula. No seu novo carro conversível os dois conversam sobre problemas da adolescência, pois ele não quer que o garoto sofra com esse período difícil. Porém o céu começa a ficar nublado e ameaçador. Apesar disso ele sente um calor repentino e pergunta se o filho também está quente. O garoto diz que não. Sua fisionomia vai ficando densa, transtornada e ele sente frio pressentindo que vai chover. Com grande mal estar, adverte o filho que encostará o carro. Felizmente Jean tem tempo para fazê-lo, pois em seguida perde os sentidos. Seu filho corre a procura de ajuda e ele é imediatamente levado para o hospital em Paris. Sua mente volta à clínica de base. A câmera mostra Jean-Do no terraço onde adora olhar o farol, que simboliza sua proteção, e a linda paisagem à sua frente. Cercado de amigos e animado com seu progresso murmura alguns sons como se fosse uma melodia, mas começa, repentinamente, a tossir e é acometido por uma pneumonia. Levado para a UTI a imagem da câmera volta a sair de dentro dele. Imagens cortadas, obscuras, desesperadoras e aos poucos o som de bip vai se tornando cada vez mais fraco e seu pensamento mais difuso, inconsistente... Até que pare. Nosso herói está morto, aos quarenta e três anos!
O excelente elenco é formado por Mathieu Amalric (Jean Do) e Emmanuelle Seigner nos principais papéis.

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