sexta-feira, 25 de julho de 2008

As sombras de Goya




Este é um filme bonito de se ver, pelo luxo, e questionador, pelas cenas chocantes, mas não brutais (deveriam ser pela seriedade do assunto). É dirigido por Milos Forman.
Começa com uma junta de padres discutindo sobre os temas fortíssimos de algumas gravuras de Goya (Stellan Skarsgaard), retratando os pesadelos da santa inquisição, que já não adotava os métodos arcaicos da tortura. Entretanto um dos inquisidores, padre Lorenzo (Javier Barden, ótimo) é totalmente a favor dos velhos métodos de tortura e da queima em fogueiras públicas de todos os que contestam a direção autoritária da igreja católica espanhola. Apesar de saber que provavelmente o pintor das gravuras é Goya, Lorenzo, homem muito vaidoso, tem uma grande tela sendo pintada por ele que é o primeiro pintor da corte de Carlos IV.
São tempos dificílimos na Europa do século XVIII, pois é um período de grande convulsão social, tanto lá como nas Américas. Goya, sendo um pintor de guerras, mulheres e crianças, tem uma jovem e linda musa predileta, Inez, (Natalie Portman, excelente) que posa para ele em diversas situações, entre elas é o anjo da magistral abóboda da Basílica da Pilar de Zaragoza. Reconhecendo o rosto em outra pintura, Lorenzo acha que tem um trunfo nas mãos. A perseguição aos não católicos começa de modo cruel e rápido. Os inquisidores espalham-se pela cidade, em lugares públicos e observam atentamente todas as pessoas. Ao verem uma bela moça, Inez, divertindo-se numa taberna, percebem que, por mais de uma vez, ela se recusa a comer carne de porco. Imediatamente, sua família rica e aristocrática recebe uma intimação para que a jovem compareça ao inquérito do Santo Ofício. Ela se assusta, mas não tem nada a temer. Levada pelo pai às portas da igreja, agora sozinha, responde aos questionamentos dos padres e é acusada por Lorenzo de ser judia. Trancafiada na masmorra é flagelada e estuprada por ele e finalmente presa com outros supostos renegados. Seu pai, amigo de Goya, suplica-lhe que o ajude a encontrar Inez. Um jantar formal e luxuoso é marcado para Lorenzo, que receberia uma imensa fortuna se devolvesse sua querida filha. Sua mãe afirmando serem católicos de longa estirpe é desafiada pelo convidado, que afirma ser judeu o bisavô de seu marido de origem holandesa. É uma cena tensa, pois a troca de favores está exposta, como uma ferida. Firmemente o anfitrião afirma que qualquer ser humano sob tortura confessa o imponderável. Lorenzo não move um músculo do rosto. O pai de Inez exige que todos, incluindo Goya, saiam da sala e trancando a porta prendem o inquisidor, com uma corda nas mãos no lustre da sala. Covarde, em poucos minutos assina um documento, no qual se reconhece como um macaco, seguindo a teoria de Darwin. Não conseguindo negociar com seu superior, foge, para não sofrer as conseqüências de seu ato.
Há um hiato de quinze anos e vemos as tropas napoleônicas tomando a Espanha, seu rei deposto e o irmão de Napoleão coroado como rei de Espanha (1803). Durante esses períodos terríveis e angustiantes, onde a convulsão social impera e intelectuais como Voltaire, Rousseau, Lavoisier, Darwin e tantos outros tentam mostrar que a razão e a liberdade individual são mais importantes que o retrocesso, Goya sofre e pinta esse sentimento e tenta sobreviver a esse caos. Ao mesmo tempo em que é generoso com o povo, tem que conviver com a aristocracia para sua segurança e de sua família.
Com a coroação do novo rei e do novo regime, a igreja é obrigada a soltar seus miseráveis e enlouquecidos prisioneiros e os inquisidores são encarcerados. A dualidade continua numa Europa desagregada. Dentre os esfarrapados prisioneiros dos católicos, vemos uma mulher de 31 anos, maltrapilha, repleta de chagas, com dentes apodrecidos, maxilar quebrado, poucos fios de cabelos emaranhados e confusa. Nossa heroína arrasta-se até sua casa, mas a encontra vandalizada e sua família morta pela turba. Confusa procura por Goya, que agora surdo e mais recluso não a reconhece. Tentando salvar Inez entra em uma igreja, onde se realiza um tribunal, que decidirá os novos rumos da Espanha e não outro que Lorenzo é o porta-voz da nova ética política e social. Casado e com três filhos, é abordado pelo pintor que relata estar com Inez e que ela quer ver a filha que teve com ele e que lhe foi arrancada dos braços. Maquiavélico envia a pobre moça para um hospício e sai à procura de sua filha, que agora é uma prostituta. Presa, a seu mando, com outras jovens é enviada para a América. Porém, chegam tropas inglesas, que agora coroam outro rei. A Espanha está, novamente, subjugada. Lorenzo agora é réu e prisioneiro da igreja, que lhe oferece perdão caso se retrate em praça pública. Desta última vez ele consegue ser coerente e não nega seus novos princípios. Vemos uma praça espanhola, abarrotada de pessoas rejubilando-se com o novo enforcamento. Goya faz outro esboço da violência que não acaba. Nas sacadas dos solares, estão os novos monarcas e seus soldados. Ao lado de um deles, abraçada e linda, encontra-se a sempre sobrevivente Alícia, resultado do estupro de Lorenzo e sua vítima. Ao fundo vemos Inez e um bebê, achado no bordel onde sua filha foi encontrada e presa. Quando passava por lá vê a criança abandonada por uma das moças, sob uma mesa. Pensando tratar-se de sua própria filha, arrebatada há quinze anos, a acaricia e a leva consigo, a fim de criá-la. Aos gritos o povo clama por justiça e morte de Lorenzo. Carinhosamente, Inez chama por ele e mostra-lhe seu bebê. Mais seguro espera pelo enforcamento. Desfalece e é levado por uma carroça. Outra cena belíssima e triste. Crianças pobres que convivem com a violência, correm atrás do títere (como o chamam) e cantam uma canção infantil horrível, mas que para elas não faz o menor sentido. Ao longe junto a elas encontra-se, agora, a feliz e enamorada Inez com seu bebê, caminhando ao lado de seu único homem, Lorenzo, que ainda vivo a acompanha com os olhos arregalados e marejados de lágrimas. Foi a única pessoa que o perdoou nesse universo de luzes e sombras, sob a ótica de Milos Forman!

Notas:
Goya, um dos grandes mestres do neoclassicismo do século XVIII, nasceu em Zaragoza, no dia 30 de março de 1746. Pintor e gravurista. Viveu no início da modernidade. Período de grandes conturbações sociais na Europa e nos Estados Unidos da América. (Constituição de 1787), Queda da Bastilha e a Declaração dos Direitos dos Homens na França. Execução dos monarcas franceses (1799), Napoleão proclama-se imperador (1803), guerras napoleônicas por toda a Europa, abdicação de rei da Espanha (1808), início da Guerra da Independência da Espanha, rei Fernando atacado pelos britânicos.
Intelectuais: Voltaire, Rousseau, Goethe, Kant, Balzac etc.
Ciências: Lavoisier, Darwin e outros.
Música: Chopin, Mozart, Haydn.
Para ele a guerra é fútil e sem glória. Sangrenta conquista da liberdade a partir da razão e da imaginação. Goya tinha que tomar decisões comprometidas e arriscadas. Vive com entrega e generosidade. É necessária extrema concentração dos dramas pessoais. Últimas gravuras compõem o mundo atormentado (inquisição) em que vive. Em 1820 pinta nos muros de sua casa Las Pinturas Negras, as mais terríveis. Em 1828 morre em Bordeaux, longe da querida Espanha, tendo escrito em um dos seus últimos trabalhos “Aun aprendo”!

Nenhum comentário: