quinta-feira, 24 de julho de 2008

La graine et le Mulet


de Abdel Kechiche
É verão, um porto cheio de barcos, o céu é azul e a voz de um guia informa aos turistas sobre as belezas e os problemas do local, Marselha, Porto Séte. Uma das turistas não tira os olhos do jovem árabe. Subitamente ele desce as escadas do barco deixando uma moça em seu lugar. A turista e o rapaz são amantes e fazem sexo rapidamente na própria escadaria. Depois vemos um homem magro de sessenta e poucos anos, com uma fisionomia séria e circunspecta, trabalhando no estaleiro e sendo advertido por não consertar o barco no tempo estipulado. Ele é demitido, recebendo uma pequena indenização, já que seu registro na firma é de 16 anos e não 35 como ele menciona, trabalhando entre o sol e o sal. Slimane é pai do jovem guia, imigrante árabe que como quase todos os outros trabalhadores do porto têm uma situação difícil e irregular no sul da França. Sabemos dos problemas trabalhistas através das falas de seus amigos. Neste filme as circunstâncias políticas, sociais e familiares são contadas de maneira indireta e detalhadas, através de atos e diálogos dos personagens. A próxima cena é uma mulher madura lavando o chão da cozinha, mas o que aparece não é seu rosto, mas sim seus fartos seios, característica de mulheres árabes. Ela é a ex esposa de Slimane. São divorciados e ele vive com outra mulher, Latifa, dona de um hotel decadente, e sua enteada Rym, por quem nutre um profundo afeto paternal. Todos os domingos os cinco filhos do casal, genros, noras e netos reúnem-se na casa de Souad, para saborear seu prato mais importante: o cuscuz marroquino, com peixe e legumes. Hamid é o maior problema da família, casado com uma russa e pai de um filho pequeno, é um marido infiel e um pai relapso. Durante esses almoços ficamos sabendo qual é o relacionamento dos familiares, suas esperanças, suas dificuldades como jovens franceses de origem árabe, que quando estão entre si falam uma terceira língua, o árabe misturado com francês. Souad é tão generosa quanto Slimane e, como ele não está presente, ela faz uma grande travessa com seu prato preferido para que ele coma mais tarde com sua filha Rym, pois é assim que ele a chama. Com o dinheiro ganho em sua demissão voluntária, Slimane resolve abrir um negócio que fique para seus filhos e enteada. Incentivado por ela vão a procura de mais recursos para reformar um barco enferrujado e transformá-lo em um restaurante, que ficaria aportado no Quai de la Republique, onde já existem outros iguais. Contudo a burocracia francesa é tamanha, que inviabiliza o sonho de empréstimo. Slimane conta com a ajuda de seus filhos e sua ex-mulher que, cozinheira de mão cheia, faria seu famoso cuscuz e o barco seria um ponto de encontro para a comunidade mulçumana que se encontra espalhada. Batalha pela sua aspiração consertando o barco, com ajuda de um filho e Rym. Todavia, sabemos pela conversa descompromissada de seus amigos, que Latifa está muito enciumada com tal situação, pois contava que ele reformaria seu hotel e legalizaria a situação deles. Um dos amigos narra o dilema entre eles e a família de forma lúcida, simples e eficaz. Esse grupo forma um conjunto musical que toca em festas e eles se comprometem a tocar no jantar, em troca de comida e bebida, que será oferecido “aos figurões da cidade” e a comunidade mulçumana, para que conhecendo o local e provando a comida excepcional de Souad, possam ajudá-lo a legalizar seu sonho. O barco reformado chega ao Quai de la Repulique. Há um número enorme de convidados, mais de cem, que encantados sobem para a embarcação e se deliciam com as entradas que lhes são oferecidas. O futuro prefeito e sua mulher (a amante do jovem) estão lá, assim como o banqueiro e outras autoridades que lhe negaram auxílio. A família serve os convidados e a colossal quantidade de comida foi feita na própria casa de Souad, que tímida não vai à inauguração. O cuscuz e seus acompanhamentos são levados no carro do filho problemático e transportados, em enormes panelas, para a cozinha do barco. Hamid ao ver que sua amante está entre os convivas sai por três horas, pedindo que seu irmão minta por ele, enquanto estiver fora. A festa já está a pleno vapor, quando descobrem que tudo está lá: legumes, molho, peixes, menos o cuscuz, que foi deixado no carro. Hamid é procurado por todos os lados, mas seu celular está desligado e seu irmão não quer denunciá-lo. Nesse ínterim Rym tenta convencer sua mãe a ir à festa, mas Latifa está irredutível: não irá. Com muito esforço sua filha faz com que ela ceda e vá. Chegam e são recebidas pela família de Slimane, que não se encontra, pois fora em busca do filho com sua pequena motocicleta. Chegando à casa da mãe de seus filhos, Souad não está, pois a caridade é essencial para ela e fora levar comida aos pobres. Slimane ao voltar, depois de algum tempo, pois presenciara o drama de sua nora que quer abandonar seu filho, não vê seu veículo. Desesperado, mas sem pronunciar uma só palavra de queixa desde o começo do filme, pois é um homem taciturno e fechado, corre atrás dos três garotos que pegaram sua moto. São cenas dilacerantes, pois se intercalam visões da festa que agora vai mal, pela falta do prato principal, excesso de bebida, e deselegância em receber( opinião dos franceses), com a falta de uma atitude mais pragmática de nosso herói para resgatar a moto ou tomar outra atitude qualquer que o ajude na situação em que se encontra. O barco fica sem luz, para desespero do expectador, mas logo depois ela volta e uma fulgurante figura de seios copiosos, com uma roupa carmim de dança do ventre entra em cena, para delírio dos convivas. É Rym, dando o melhor de si em uma dança maravilhosamente sensual. É o alimento que faltava aos franceses e mulçumanos. Outro flash mostra sua mãe saindo, às pressas, do barco. Contudo, nem nossa jovem Rym, depois de tanto tempo dançando, é capaz de segurar a impaciência das pessoas. Em outro flash Latifa sobe o convés com uma imensa panela de cuscuz marroquino, feito por ela O jantar está salvo! As intercalações prosseguem e agora vemos nosso herói, cansado, sem fôlego, verdadeiramente exausto e exaurido pelo cansaço de tanto correr, já que é um pesado tabagista, desmaiar em plena rua sob o céu estrelado. Sim, esse é o fim do filme. É um espaço aberto para que cada um idealize seu final, dependendo de sua cultura, seu comportamento e sua imaginação. É um grande filme. Os franceses têm realizado filmes cada vez mais belos e depurados sobre o conflito de estrangeiros imigrantes em seu país!
Esse drama recebeu 4 Césares em Veneza, no ano de 2007. Os atores que encabeçam o elenco, grande parte formado de artista s amadores, são os ótimos Habib Boufares (Slimane) Katifa Karaoui (Latifa) e a bela Rym ( Hafsia Hersi) premiada como revelação.







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