domingo, 17 de agosto de 2008

The Lemon Tree




de Eran Riklis
Uma mão feminina. No dedo anelar esquerdo uma grossa aliança. Agora as mãos passam a cortar, em rodelas idênticas, lindos limões amarelos do tipo siciliano. Cortados, vão para um vidro de conservas. Aí é acrescentado pimentão vermelho, azeite de oliva, sal e temperos diversos. Finalmente o pote é sacudido e colocado em uma prateleira, onde se encontram muitos outros iguais. A dona de casa palestina que os faz é a belíssima Salma (formidável Hiam Abbas). Essa mulher corajosa é viúva há dez anos e vive com o produto do seu trabalho. Herdou de seu pai a residência e sua plantação de limões, que existe há meio século. Um senhor palestino magro de face ossuda, porém ainda muito vigoroso, é quem a ajuda a cuidar do limoeiro, desde os tempos de seu pai. A próxima cena nos mostra um caminhão de mudanças chegando ao lado desta paisagem bucólica. Trata-se da mudança do Ministro da Defesa de Israel. O cenário passa a ser muito agitado e barulhento com diversos agentes de seguranças, grudados em seus celulares ou metralhadoras. Abismada, a bela Salma observa esse cenário insólito, no qual até mesmo uma guarita elevada é providenciada, em poucos minutos. Um jovem soldado israelita munido de binóculos, metralhadora e tudo o mais, passa a vigiar a casa de Salma e dentro da casa de Israel e Mira, câmeras são instaladas na mesma direção. Os limoeiros são bem cuidados, regados diariamente e seus grandes frutos, à luz do luar são com estrelas do céu. A pequena residência de Salma e seu pomar são cercados duplamente por grossos cabos de arame farpado. O chefe dos agentes do ministro acha que isso é pouco e o serviço de Defesa determina que o pomar seja cortado, pois lá poderiam facilmente ser abrigados terroristas. Salma e Mira têm, provavelmente, a mesma idade. Ambas são lindas mulheres morenas e com filhos adultos. Mira olha embevecida para os limoeiros, pois é uma visão maravilhosa, dentro de uma região tão desértica como a Cisjordânia. Elas, todavia exercem funções diferentes: uma é camponesa e a outra trabalha com um sofisticado computador! Salma recebe uma carta obrigando-a a deixar o local, por questões de segurança nacional, mas como não fala hebraico é obrigada a levá-la para que os antigos amigos de seu marido a traduzam. Inconformada volta para casa e pede ajuda a diversas pessoas, inclusive seu filhos. Todos, contudo, consideram isso normal, pois muitas propriedades eram desocupadas por Israel e depois seus ocupantes recebiam uma indenização. Porém Salma considera seu patrimônio parte de sua vida e não irá ceder facilmente. Procurando um jovem advogado (Ali Suliman), formado na Rússia onde se casara e tivera uma filha, é bem recebida pelo rapaz, mas ele não tem nenhuma experiência com o assunto, pois só tem feito divórcios! Seu escritório é em sua própria casa, no bairro dos refugiados de guerra, sendo uma tremenda desordem. Sem dar falsas esperanças a ela, aceita o caso e vão para um tribunal de primeira instância. O vizinho, Israel, considera isso um absurdo total, mas não sua mulher. É solidária a sua queixa e transmite isso ao marido. Israel explica-lhe que o limoeiro está localizado na linha verde que definia a fronteira de Israel antes de 1967. Os dois não conseguem entrar em um consenso. Durante a festa de inauguração de sua casa, encontramos repórteres de muitos jornais, diplomatas, políticos e a alta sociedade do local. A comemoração vai até o romper do dia, como ditava a tradição de seu velho pai. A comida, naturalmente, é árabe regada a muitos vinhos e bebidas finas. Salma se sente invadida com a mudança de hábitos e perseguida. No primeiro julgamento a palestina perde e com lágrimas nos olhos, pede ao seu representante que continue até a Suprema Corte, se for necessário, pois ela não desistirá do solo que é seu. Entre os dois nasce uma empatia que aos poucos se transforma em amor platônico. Uma noite conversando com seu advogado, que não pudera voltar para casa devido ao toque de recolher, encontram-se na cozinha e olham a paisagem na noite escura. Uivos de lobos na ravina são ouvidos e Salma confidencia que não ouvindo o uivo dos lobos se sente muito solitária, mas quando os ouve se sente como eles e quer uivar também. Afirmando que esse deve ser o caso do jovem também, o chama de lobo solitário. Essa noite passa a ser muito importante para os dois. Os inconvenientes decorrentes da posição da palestina são uma grande amolação para seu vizinho, que se vê forçado a dar declarações, que não gostaria à mídia. Ele é obrigado a fazer uma cerca de metal em torno do pomar, para que seja mais bem protegido, proibindo sua proprietária de circular pelas árvores tão queridas. Aos poucos seus limões vão caindo e apodrecendo sobre as folhas secas. Sua fonte de renda está bloqueada, assim como sua vida, que agora é bisbilhotada pelos amigos de seu marido, que a ameaçam quanto ao seu comportamento com o jovem advogado, o qual poderia ser seu filho! “As pessoas comentam”, dizem eles, e “seu marido, se vivo, não gostaria de ver sua atitude”. O único a defendê-la é seu fiel ajudante, que vai depor em seu favor, pois sua mãe morrera quando ela tinha apenas cinco anos e, desde então fora seu segundo pai. Era a única coisa que ele possuía. O estado emocional das duas mulheres começa a deteriorar-se e um dia chegam a olhar fixamente uma para a outra, mas sem coragem de imitir qualquer palavra de amizade ou reconhecimento. O processo chega à Suprema Corte e uma repórter, amiga de infância de Mira, vai entrevistá-la, pois gostaria de ter a opinião do lado palestino. A repórter também se solidariza com Salma. Logo em seguida vai colher as impressões de sua amiga Mira, e esta não titubeia em dizer o que pensa. Uma reportagem de primeira página, a favor da palestina, é publicada com a imagem dos três personagens: as mulheres nas laterais e ele bem no centro das fotos. Indignado, Israel reage ferozmente, mostrando à sua esposa um lado escuro de sua personalidade que ela não conhecia e não aprova. Salma é proibida, sob a mira de fuzis, de regar suas árvores e Mira, pulando a alta cerca, tenta conversar com ela sobre o caso, contudo é detida pelo chefe dos agentes secretos e levada à força para casa. Tempos depois, quando chega o grande dia, as duas mulheres estão arrasadas. Salma está com medo e seu defensor, ao vê-la ainda de roupão, pergunta se ela vai desistir de tudo, após tanto trabalho e esforço. Nossa heroína se arruma, com um belo tailleur e ao passar batom nos lábios é surpreendida por ele. Juntos em frente ao espelho, dão um longo beijo apaixonado. Ele a considera a mulher mais linda e corajosa que já vira, apesar de estar noivo de uma moça, filha de uma personalidade local. A notícia desse litígio é divulgada por todo mundo, através de televisão e jornais. Oslo, Madrid e outras capitais importantes estão apoiando sua causa e à sua disposição. Desesperado Israel fica entre dois lados, pois para ele, igualmente, destruir as árvores é um ato de agressividade muito grave. Chega o grande dia. Dezenas de repórteres internacionais e locais cercam os palestinos em busca de respostas. Dentro do tribunal, os advogados começam um sério embate e o fiel amigo de Salma, ao depor, afirma que as árvores têm vida e alma como as pessoas humanas. Cortá-las seria um grande crime, um assassinato. Finalmente a juíza decide que o limoeiro é uma ameaça nacional, mas que ele seria poupado em sua metade, mas esta metade seria podada a trinta centímetros do solo!! Esta é a primeira vez que um tribunal israelita concede alguma coisa à causa palestina. Nesse último terço do filme, além das cenas do julgamento, vê-se Salma de certa forma conformada com a decisão tomada, pois não poderia fazer mais nada, havia lutado com todas as forças contra tudo! Nova cena, Mira, em seu carro esporte, despede-se do chefe dos seguranças, agradecendo por seus serviços e parte velozmente (divorciara-se ou partira para uma viagem?). A câmera dá uma pausa. Alguns segundos depois, ela nos mostra o interior totalmente escuro de sua casa. Dentro, a claridade aos poucos começa a penetrar. É quando Israel, sentado em uma poltrona, aperta o controle remoto para que as persianas se abram. Seu rosto está tenso e muito grave. Olha em direção à janela, por onde se avistava o pomar, contudo o que vemos é um altíssimo muro erguido pelo Estado de Israel, a fim de dividir as fronteiras vizinhas. Ele, em seu semblante lamenta a decisão. Logo em seguida vemos os limoeiros, todos podados, e Salma caminhando entre eles, com uma expressão triste, apesar de resignada (a metade fora poupada). Ela olha em frente, mas tudo que pode vislumbrar é um alto muro de cimento cinza! Palestinos e israelitas estão separados por um muro da vergonha. Esse maravilhoso filme foi inspirado em fatos reais.


Observações:
O diretor, Eran Rikts, viveu no Brasil de 1968 a 1971, tendo presenciado o degradante regime militar brasileiro. Uma história que fala do cotidiano das pessoas “É a melhor maneira de falar de política... falando de gente”, afirma Eran. Esse é um filme que discute atitudes de pessoas e seus desdobramentos, quer sejam políticos, sociais ou amorosos. Mostra nossos medos, intolerâncias e reações às diversas frustrações que vivemos atualmente. O mundo poderia se acalmar um pouco e a tolerância começar a tomar lugar do individualismo e do terrorismo que parece só crescer, sem dar tréguas à felicidade! Esse grande absurdo de duas etnias separadas por motivos políticos é também mostrado na comédia de Dennis Dugan, em cartaz, com o título de Zohan – O Agente Bom de Corte, com Adam Sandler.

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