sábado, 23 de agosto de 2008

Sangue Negro




de Paul Thomas Anderson

Esse filme genial foi baseado livremente na obra de Upton Sinclair, Oil, publicado em 1927, um de seus melhores livros. Dirigido, magistralmente, por Paul Thomas Anderson, em planos longos, onde a imagem limpa e grandiosa, nos mostra todo o talento de seu elenco e diretor. A música dissonante é outro elemento que engrandece o filme.
Ano 1898, a primeira cena nos mostram uma paisagem com um belíssimo céu azul, sobre montanhas inóspitas, e um solo infértil, onde nada cresce. Um paupérrimo jovem mineiro, Daniel Plainview (excelente Daniel Day-Lewis) escava sozinho uma mina e depois de achar uma pepita, escorrega numa escada rústica e quebra sua perna. Sua dor nunca o deterá em nenhuma das metas de sua vida: dinheiro, poder sobre as pessoas e determinação em se tornar importante e respeitado. Arrastando-se consegue vender seu metal e começar uma insipiente prospecção de petróleo na Califórnia. Aí começa uma cruzada de luta entre diversos personagens - ricos magnatas de petróleo, jovens e pobres prospectores, políticos e mesmo um ambicioso rapaz, que pretende formar uma nova igreja evangélica. Esta é a saga dos americanos que sempre acreditaram que religião, prosperidade, trabalho árduo e desempenho seria a meta para uma nação poderosa e reverenciada, enfim o empreendedorismo e o império.
Ano 1902. Com dois ou três empregados, tendo um deles um menino de menos de um ano, Daniel tenta obter sucesso em sua pequena perfuração, quando o pai do bebe morre em um acidente, dentro do buraco. Chocado, pois zelava pelo bem estar dos companheiros, adota-o, por compaixão ou interesse, como filho, o tratando com carinho e lhe transmitido sua perseverança, ambição e como negociar, sempre com sucesso. Plainview é obcecado pelo seu trabalho, não dando folgas a seus subalternos, já que ele mesmo não para de trabalhar, morando no próprio local das perfurações. Ano 1911. H.W. (Dillon Freasier), já é um rapazinho, sempre ao lado do pai, que o apresenta como sócio por trata-se uma empresa familiar. A palavra final no desfecho das negociações ficava com seu filho, que é seu sócio. Em sua busca de aquisição de novas terras, promove reuniões com os rancheiros, fazendo questão de apresentar seu menino e de transmitir a esse povo rude a impressão de estarem fazendo um ótimo negócio, falando de maneira simples e assertiva. Procurado por um astuto jovem, Paul (ótimo Paul Dano), acaba lhe pagando uma importante quantia em dólares como troca da localização, onde segundo Paul, haveria um oceano de petróleo, distribuído por diversas fazendas que tinham um preço muito baixo. Chegando a Little Boston, a guisa de montar um acampamento para caçar codornas, descobre que lá é realmente a casa da família de Paul Sunday. A venda é realizada pelo pai sob a influência do ambicioso filho pastor, Eli Sunday, que recebe uma quantia menor do que fora proposta por ele. Ponto para Daniel. Esse encontro marca o início do filme, que girará em torno desses personagens tão díspares e ao mesmo tempo tão iguais em suas ambições desmedidas. A rivalidade entre os dois começa quando o astuto e mais vivido Daniel impede que o ambicioso Eli abençoe a recém aberta mina, proferindo exatamente as palavras do jovem pastor, que rancoroso, aguarda a sua vez. Eli torna-se um importante parceiro na compra de todas as fazendas vizinhas com exceção de uma. Ajudando a construir uma pequena igreja para Eli, prometendo educação, prosperidade, saúde e vida familiar e é muito bem recebido pela comunidade. Durante a perfuração do primeiro poço de petróleo, quando o gás explode, carregando tudo, seu filho fica surdo e apavorado por não poder ouvir a própria voz. Ponto para Eli. O relacionamento entre pai e filho ainda é bom, mas H.W. transforma-se de um menino audaz em um garoto inseguro e quieto, que mal sai de sua cama e não é estimulado. Contudo seu pai exige que venha algum médico examiná-lo, mas seu caso não tem solução. Está irremediavelmente surdo. Plainview é interpelado por um homem que diz ser seu irmão, filho do pai com outra mulher. Desconfiado, acaba aceitando o fato após algumas perguntas pessoais. Com seu irmão consegue falar de seu passado, que até então não sabíamos nada. Confessa ser um homem cheio de ódio e rancor por todas as pessoas, sem exceção. Ódio adquirido aos poucos e que o satisfaz. Não gostando do pai e querendo tornar-se rico e morar num local bem afastado, sai de casa ainda garoto. Durante esse primeiro tempo, seu filho H.W. descobre o diário do tio, junto com a foto de uma criança de meses. Daniel passa a ter um comportamento diferente e resolve mandar o filho para um local desconhecido e ficar livre com o irmão para trabalhar. Entretanto, Eli vai ao seu encontro para receber cinco mil dólares prometidos para sua igreja, que fora construída com o dinheiro de Daniel, mas já se encontra pequena em vista do grande número de fiéis que já conseguira arrebanhar. Todos batizados com o sangue de Cristo. Furioso por não ter sido visitado durante a doença de H.W., Daniel o chama de falso pastor sem caridade por ninguém, pensando somente em seu bem estar. Seu rosto é esfregado no óleo preto e ele sai humilhado e sem nenhum dólar. Ponto para Daniel.
Fazendo o traçado dos dutos que sairão no mar para serem transportados, percebe que um pequeno pedaço de terra não lhe pertence e quer comprá-la, mas seu dono é o velho que não quisera vendê-la, há muitos anos, por Daniel não ter comparecido em sua casa. Resoluto, parte ao encontro do fazendeiro que não se encontra lá. Sendo mal tratado pelos netos do lavrador, continua a marcação do solo até que é abordado pelo senhor, enquanto dormia, com uma arma na cabeça. Tentando negociar percebe que o melhor é ceder e eis que aparece seu inimigo Eli. Os dois o coagem a se dirigir à igreja, a fim de que ele seja batizado com sangue e faça parte da comunidade religiosa, sendo forçado na frente de todos fiéis a doar os cinco mil dólares que havia negado. Essas são cenas fortes, pois ele é repetidamente esbofeteado pelo jovem pastor, até que o demônio saia de sua alma e obrigado a confessar, aos gritos, que abandonara seu único filho. Era um pecador. Ponto para Eli.
Junto com seu irmão viajam em direção ao oceano e, em um pequeno restaurante, encontram-se com magnatas do petróleo, com os quais tem uma grande desavença ao ser questionado sobre o filho, apesar da enorme quantia de dinheiro que lhe é oferecida pelas suas terras. Chegando ao mar da Califórnia com seu irmão, quase despidos, se atiram nas límpidas águas do Oceano Pacífico. São momentos de descontração e confidências. Na areia, porém, alguma coisa muito errada acontece no diálogo entre eles. Repentinamente Daniel corre e se joga no mar, tendo atrás de si uma enorme onda azul. Não pode mais ficar parado, pois percebera que o irmão não era o verdadeiro, o estranho mentira sobre sua identidade. Essa, sem dúvida, é uma das melhores cenas do filme, bela, incisiva e contundente. Depois de reler o diário e ver a imagem de seu verdadeiro irmão é tocado por sentimentos sensíveis e chora, agarrado à fotografia. Friamente, mata seu oponente apesar de ele se mostrar arrependido. Pragmático volta para Little Boston, mandando buscar seu menino. É efusivo na sua chegada, mas recebe de volta o merecido. H.W. não quer desculpas e o ataca. Esse incidente não desagrada o duríssimo Daniel Plainview e juntos voltam à estrada da vida. Em um requintado restaurante pede filés para os dois, quando o mesmo grupo de magnatas do petróleo entra no recinto. Primeiro é esnobado e depois assediado por um deles, assim iniciam uma constrangedora confusão e Daniel mostra como seu filho está bem e feliz.
Ano 1929. Em sua estupenda mansão rodeada de jardins e imponentes árvores, H.W. casa-se Mary Sunday, sua amiga de infância. Durante uma requintada cerimônia religiosa, os votos são feitos com a linguagem dos sinais, que ambos dominam desde sua volta na infância.
Agora Daniel Plainview é um homem plenamente realizado, respeitado e milionário, contudo mantém intacta sua alma de personagem simples e calada. Um dia, recebe o filho, em seu suntuoso escritório. Ele vem acompanhado de um intérprete para falar com seu pai, que não domina a linguagem dos surdos. Comunica sua decisão de sair de casa com a esposa, Mary, ir morar no México e começar a trabalhar ao ar livre, fazendo o que sabe e gosta: perfurar postos de petróleo. Indignado, Plainview exige que ele fale e não gesticule, sendo obviamente impossível. Daniel o chama de concorrente, mas H.W. reponde que é completamente diferente, pois estará em outro país e que já chegara a hora de se separarem, e cada um ter sua vida. “Pai e filho?” Exclama Daniel, descerrando o mistério que levara por tantos anos. Revela que H. W. era um órfão, bastardo, tirado de uma cesta. Que fora criado como filho só por que necessitava de um rosto bonito para dar mais agilidade às suas negociações e que ele. não tinha uma só gota de seu sangue e, ademais, fizera muitas coisas incorretas às suas costas. Aquietando-se e em controle da situação H.W. abandona Plainview, com dignidade. Essa será outra enorme desilusão para Daniel que relembra o carinho que tivera pelo filho adotivo.
Sempre bebendo, furioso e cheio de ódio pelo ocorrido, adormece no chão da sala de boliche de sua mansão. É acordado por seu mordomo e ao seu lado vemos Eli, elegantemente vestido com uma caríssima roupa de pastor preta, dizendo que viajará em novas missões para angariar mais devotos e que necessita de sua ajuda. Negando-se, veementemente, a ajudá-lo é ameaçado por Eli a lhe dar mais dinheiro, pois a verdade é que se encontra falido. Enlouquecido sai com um pino de boliche na mão atrás do chantagista e faz com que receba o mesmo tratamento dado por Eli, anos atrás. Faz com que ele proclame em voz alta, repetidas vezes que é um falso pastor e sem fé em Deus. De tanto repetir a mesma frase acaba reconhecendo a verdade e cai, sendo lembrado pelo magnata que Paul Sunday era muito mais astuto e inteligente do que ele, pois se tornara um talentoso prospector de petróleo independente. Sendo agredido mortalmente com o pino pelo rancoroso homem falece em uma possa de sangue. Completamente só, depois de dois assassinatos e de perder seu filho, conta apenas com seu dinheiro e seu fiel mordomo! Ponto para Daniel?

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