sexta-feira, 8 de agosto de 2008

MUTUM de Sandra Kogut


AGRURAS DO SERTÃO

Fui assistir, hoje, MUTUM, filme inspirado na obra de GUIMARÃES ROSA. Um livro desse escritor excepcional foi adaptado por Sandra Kogut (2007).
Descreve as agruras do sertão brasileiro sob a ótica de dois irmãos, que não são apenas irmãos, mas melhores amigos. Uma ligação profunda, honesta, sem a menor sombra de desconfiança ou traição. Tudo é aberto entre eles. O sertão é retratado, não na seca, mas no auge de toda a sua beleza e esplendor. As árvores de porte médio, os verdes arbustos, a incrível variedade de pássaros, os rios cristalinos, a chuva pesada riscada por relâmpagos, o gado, a roça, o céu perfeitamente azul.
O relacionamento dos garotos, que moram em um pequeno sítio com toda a família, é carinhoso e confidente. Trocam experiências e dividem os medos, típicos de crianças de dez ou onze anos: medo da briga entre pais, da avó desencantada e sofrida, do pai muito severo. Dormem no mesmo quarto e breves delicadezas trocadas, na hora de dormir, como contar histórias ou fazer um afago para o sono chegar, são um alívio para os pequenos. A mãe é carinhosa, sóbria e atenciosa com os garotos. Carinho e compreensão paterna não existem, pois no sertão para sobreviver é preciso “pele grossa, sola dura no pé, corpo rijo, mãos calejadas e pouco sentimento”. Conflitos cotidianos dos adultos são vistos pelas crianças que, desinformadas, assustam-se a ponto de Thiago perguntar ao mais velho, Felipe, se é pecado não gostar do pai e da avó. Felipe tenta acalmá-lo dizendo que quando crescerem gostarão de todos, ao que Thiago retruca que ele tem medo de ser adulto e o filho não gostar dele, como ele não gosta do pai. Esses parcos diálogos que permeiam o filme é que fazem a sua beleza. No sertão não se tem vocabulário grande, nem tempo para reflexões e Thiago é sensível e reflexivo. O pai prefere o mais velho, mais direto e forte. Com a morte repentina do irmão, Thiago fica desolado e o pai, muito magoado e transtornado, acaba matando uma pessoa e abandonando a família. A caminho de uma caçada, chega ao sítio um médico. Conversando com a mãe, descobre que estão em grandes dificuldades e que nosso pequeno herói é míope, pois quando coloca os seus óculos vê que existe “tanta claridade”. O seu amadurecimento é precoce em virtude das perdas e do grande pesar. Alguns dias depois da chegada do médico, sua mãe, com os olhos cheios de lágrimas e voz serena, pergunta se ele não gostaria de morar na cidade, estudar e ter um bom emprego. Thiago alarma-se e ela sugere que o médico estaria disposto a cuidar dele, para sempre, e quem sabe um dia toda a família se encontraria na cidade. É um momento de extrema tristeza e dor. Thiago não diz nada, pensativo. Contudo, ao ver o médico dirigindo-se para ele, sua decisão está tomada. Pede emprestados os óculos por um momento e olha, pausadamente, todo o entorno do sítio: a natureza, a casa, as primas, as tias, a avó e a mãe. Devolve os óculos e monta no cavalo. Galopando parte atrás do médico e de seu futuro. Pobre mãe. Pobre filho! Tomarem uma decisão tão difícil!

Nenhum comentário: