quinta-feira, 28 de agosto de 2008

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ



Dirigido pelos irmãos COEN

Esse ótimo filme dirigido pelos irmãos Coen tem alguns personagens principais, que são muito determinantes: o xerife, o caçador e o matador, respectivamente Tommy Lee Jones, Josh Brolin, Javier Bardem. É baseado no livro de Cormac McCarthy.
A primeira cena é uma madrugada, quase amanhecer, em um deserto no Texas. Ouvimos a voz madura de um indivíduo (Lee Jones), falando dos xerifes antigos, quando só a dignidade e moral bastavam para solucionar e prender os bandidos, sem o uso de armas e que os crimes atuais são muito difíceis de serem solucionados por envolverem outros valores. A sociedade moderna só pensa em dinheiro (muito!) e droga. À medida que ele elabora seus pensamentos o dia amanhece e vemos um caçador (Josh), mirando alguns antílopes para abatê-los. Quando um deles fica imóvel ele dispara a espingarda, mas não consegue matá-lo. O bando foge, mas ele vê um cachorro ferido e resolve investigar. O cenário é devastador. Quatro caminhonetes, paradas em círculo, totalmente metralhadas, seus ocupantes mortos, assim como um dos cachorros, o outro é o que Josh viu. Numa delas ainda resta um sobrevivente, mas ele retira sua arma e sua espingarda, sem ajudá-lo a beber um pouco de água que ele lhe pede. Vistoriando os veículos encontra uma grande carga de drogas. Intuitivo, vai ao encalço de quem pegou o dinheiro. Ao longe, vê um homem sentado sob uma árvore. Chegando lá, o encontra morto e ao seu lado uma mala repleta de dólares. Pegando a maleta e a pistola do morto segue, freneticamente, para seu trailer, despacha sua mulher para a casa da mãe, em outro local e desaparece com o dinheiro. Nesse meio tempo, ele é perseguido por Anton (Bardem), num carro roubado de um policial, assassinado friamente por ele, com um tanque de oxigênio e um compressor. Esse é seu modus operandi, sem armas e balas para deixar rastros. O matador sabia das drogas, do dinheiro e quer resgatá-los, antes que a máfia o faça. Dirige-se para o trailer do caçador, mas ao chegar encontra-o vazio. Inspeciona com calma o local, abre a geladeira e serve-se de leite. A câmera mostra sua imagem refletida numa televisão apagada. Quase todas as cenas são escuras e sombrias. Para chegar à casa de Josh, questiona a senhoria do local e ela também é cruelmente morta, no mesmo padrão. Bardem calmo, com o tubo em uma das mãos e o compressor em outra. À caça, pede informações a um senhor, dono de um pequeno negócio, que depois de interrogado e intimidado é salvo, pela moral histriônica de Bardem, num jogo de cara ou coroa, quando o velhinho acerta. A polícia, representada pelo magnífico Lee Jones, está aturdida, pois as mortes ocorrem sem balas, mas com perfurações iguais às das balas. Jones mostra toda a sua perplexidade pelos atuais assassinatos ocorridos nos Estados Unidos, pois eles aparentemente não tem sentido, é a morte pelo prazer de matar. Mais adiante conversa com outro veterano da mesma geração e admitem que isso é uma “onda” avassaladora que corre o país.
Ao mesmo tempo a máfia está atrás do dinheiro e da droga, contratando um “seguidor”, da maior competência, para identificar quem está em posse de tudo. Aparentemente é Anton Chigurh, assassino por vocação, o “matador”. Bardem prossegue em sua meta, assassinando, aleatoriamente, diversas pessoas que por acaso se deparem com ele, sem ter-lhe causado nenhum dano. O caçador, exsoldado no Vietnã, está em um motel barato, escondendo sua mala, dentro de uma tubulação de ar condicionado. Por precaução aluga o quarto imediatamente atrás deste, para ficar com posse total do tubo e também poder escutar o que ocorre no quarto da frente. O xerife já vasculhou alguns lugares e na casa de Josh senta-se no mesmo sofá do matador e chega à conclusão de que estão na pista de um homem que tomou leite. Essa cena é ótima, porque repete sua imagem refletida na mesma televisão apagada e escura, que refletiu a figura de Bardem. Anton leva com ele um aparelho, que não sabemos muito bem o que é, mas trata-se de um rastreador, conectado à maleta. Em seu carro percebe que o aparelho começa a bipar, portanto, está perto da mala. Rastreado até o motel, sai à procura dela, usando do mesmo subterfúgio de Josh: examina o mapa do hotel e reserva um quarto contíguo. Nesses momentos é luta de gato e rato, de pessoas sensíveis a pequenos detalhes. O caçador, depois de instantes tensos e perigosos, some com sua valise, deixando Bardem, outra vez sem resultados. O caçador, contudo, é atingido por uma bala de Anton e foge para o México, sangrando muito é obrigado a parar numa farmácia, que é explodida pelo matador. Bardem usa uma gola de camisa de Josh, introduzindo-a no cano de gasolina de um carro parado em frente ao local e ateia fogo nela, causando a explosão. Nesta cena, vemos Josh Brolin numa cama de hospital, visitado pelo “seguidor” da máfia tentando convencê-lo a dar-lhe a mala, que foi jogada por Moss (Josh), na fronteira entre os dois países. Ele testemunha ter visto a mala e que o melhor é fazerem um acordo, pois Anton o matará e a sua mulher. De volta ao seu hotel, o jovem seguidor é surpreendido por Bardem, que está sentado em seu quarto, com uma arma na mão. Não chegando a um acordo ele é assassinado e enquanto seu sangue escorre pelo chão, Anton levanta seus pés, os colocando sobre uma cama, para não se sujarem e atende, calmanete, ao telefone que está tocando. Esta é outra cena memorável, apesar de todo sangue que ele já derramou não quer sujar as solas das botas! É Josh na ligação, um breve diálogo ocorre e ninguém cede.
Moss vai ao encontro da mulher em El Passo, para deixar o dinheiro e ficar livre para matar Anton. Bardem, sempre em seu encalço, chega e aniquila todos que estão em volta, muitas pessoas, inclusive nosso caçador. O chefe da máfia também é morto por ele, assim como a esposa de Moss, que não entra em seu jogo e não aceita a sua perversa moral. Fugindo, seu carro colide com outro, em um semáforo, onde ele observa, pelo espelho retrovisor, dois garotos de bicicleta que o viram sair da casa da nova vítima. Seu cotovelo quebra e osso fica exposto, mas seu semblante é enigmático. Os meninos oferecem ajuda e um deles lhe dá sua camisa para servir de tipóia, ele oferece cem dólares (o dinheiro novamente)! O garoto recusa, dizendo que gosta de ajudar as pessoas, mas acaba aceitando-o e discutindo com o amigo, que a nota pertence somente a ele, pois está sem camisa e o outro não. Mais um a corromper-se nesta nova “onda ou tendência” devastadora de violência, segundo os velhos xerifes.
Bardem se safa da polícia, mais uma vez. Não aparecerá mais no filme.
Lee Jones, agora aposentado e desiludido, toma o café da manhã com sua mulher e conta-lhe que sonhou com seu pai. Foram dois sonhos. Em um ele vê seu pai, ainda vivo, vinte anos mais jovem do que ele próprio. É um momento intrigante. No outro sonho seu pai, enrolado num cobertor, passa por ele, sem vê-lo, com um chifre nas mãos contendo fogo, como fazia os antigos nos dias frios, e dirigi- se para a floresta, todavia ele sabe que não o encontrará mais. Esta cena familiar é a última do filme.
Não li o livro, mas o filme nos faculta diversas interpretações. Anton, livre, pode significar a brutalidade mundial que, atualmente, ocorre em todo o mundo. Todavia ele pode significar, a meu ver, os Estados Unidos. Sua jovem independência, mesmo antes da Queda da Bastilha, seu império, igualado ao dos romanos, sua democracia muitas vezes questionável com suas prisões fora do país com torturas iguais ou piores do que as da idade média, seu julgamento implacável do bem e do mal, invadindo os países rebeldes, sem muito querer saber da opinião de seus cidadãos. Enfim, lá existem os maiores cérebros do mundo, porque os aceitaram sem descriminações, mas existem também muitos problemas, talvez, irreconciliáveis.
Sugiro que o filme seja visto e interpretado, pois vale muito à pena!
Nota: não sou antiamericanista.

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