domingo, 3 de agosto de 2008

Meu Irmão é Filho Único



De Daniele Luchetti



Neste ótimo filme dos anos 60 vemos o povo italiano como o imaginamos aqui: barulhento, político, bem informado, contestador e revolucionário. A cena abre com um local simples e pouco movimentado, um céu muito azul e um ônibus igualmente azul. O veículo parte e o narrador (excelente Elio Germano!) começa a falar que seu irmão mais velho, Manrico (belíssimo Riccardo Scamarcio) fora o único a despedir-se dele em sua partida para o seminário. O garoto (ótimo Propizio) queria ser padre e levava muito a sério sua vocação. Próximas cenas: ele já se encontra na escola e sendo um ótimo aluno tem notas altas, principalmente em latim, sua paixão. O irmão é o único a visitá-lo, depois de algum tempo, e não se conformando com sua escolha, entrega-lhe uma foto, que diz ser de sua namorada. Encantado o jovem adolescente, que ainda usa calças curtas, se apaixona pela moça da foto e não consegue parar de se masturbar e de pensar nela. Aflito, confessa ao padre que cometeu um pecado mortal, mas este lhe dá como penitência apenas seis padre-nossos e seis ave-marias. Inconformado briga com ele, pois precisa ser punido duramente por ter cometido um pecado mortal! Seu confessor pede para que vá jogar pebolin com seu sobrinho. Possuidor de um gênio irascível e determinado a fazer as coisas direito, Accio acaba abandonando o seminário e volta para casa, mas para sua surpresa é mal recebido por toda a família. Sua mãe, seu pai, sua irmã Violeta e seu irmão. Estavam todos muito bem acomodados, Violeta e Manrico dormindo no mesmo quarto com mais espaço e seus pais com menos trabalho, além “de desejarem ter um padre na família, que é o mesmo que ter um médico. É sempre útil”. Accio é amigo do contrabandista Mário (o fascista) e com ele aprende muito sobre o Duce e sua doutrina, tornado-se um membro do comitê, com carteirinha e tudo mais. Mário ensina-lhe os princípios de política, que ficaram com ele por toda a sua vida. “É preciso não trair: não trair nunca o amigo, a nação e a idéia, porque a idéia é A IDÉIA. Quando Manrico, um fervoroso comunista, fica sabendo do incidente pega a cabeça do irmão, para limpá-la dessas idéias, e a mergulha, em um tanque cheio de água, diversas vezes. Na última vez que o faz vemos Accio já um rapazinho tirando a cabeça do tanque, pelo fato do dia estar muito quente. O tempo passou e o rapaz quer, por ter se formado com ótimas notas no ginásio, cursar o clássico, a fim de poder exercitar o latim. Contudo é forçado pelo pai a ser “geógrafo”, por ser mais fácil de arranjar emprego. Accio continua dormindo em uma poltrona dobrável no corredor. Sem quarto estuda matemática na sala da humilde casa. Seu pai é operário, sua mãe faz tricô para ajudar no orçamento doméstico e seu irmão é operário na mesma fábrica que o pai. Nesses anos conturbados no mundo inteiro, cada pessoa seguia uma linha política, mesmo aqui no Brasil da ditadura, ninguém era indiferente. A mãe do jovem era “do partido da casinha”, pois prometiam para quem votasse nele, doar-lhes uma simples, mas sólida casa. A Itália se encontrava convulsionada com comunistas, fascistas, democratas e aristocratas, todos se engalfinhando pelas suas convicções. A casa de nossos personagens era o protótipo da nação! Manrico é um grande líder sindical, orgulhoso de seu emprego e seu cartão de ponto. Logo que começa a trabalhar compra um carro, em prestações. Sua fogosa namorada meio-francesa Francesca (Diane Fleri), filha de um engenheiro que não vê com bons olhos o namoro, mora na mesma cidade que eles, Latina, no sul da Itália. Accio é brilhante, pragmático, inteligentíssimo, e apaixonado platônico pela belíssima meio-francesa, Francesca. Quando a mãe sai para trabalhar, os namorados aproveitam para fazer amor no quarto contíguo à sala e Accio é obrigado a ligar o rádio bem alto para não ouvir os rumores e gemidos dos dois. O namoro é conturbado, pois Manrico “não é alguém com quem se possa contar”. Sendo um comunista contumaz ele está sempre ocupado com “ações”, que o partido faz. Nesse ínterim Accio, também fanático, se envolve com pessoas do partido fascista em Roma, e, mesmo para os padrões deles, é insuportável, levando uma sova de seus companheiros. Nosso jovem narrador acaba se envolvendo com Bella, mulher de Mário e quarentona, quando este é preso numa de suas muitas manifestações. Apaixonada pelo rapaz, ensina-lhe muita coisa sobre sexo e política, as quais ele acha que serão muito úteis quando passar dos sessenta! O caso se prolonga e Bella lhe presenteia com um carro novinho, que também é pago em prestações! Há, entretanto um acontecimento determinante nessa história. O “frio e calculista” Accio é julgado por todos como sendo uma pessoa que só pensa na nação e no Duce (em uma cena hilária, ele, junto com muitos outros jovens, em frente a um monumento edificado em honra a Mussolini, com a maior seriedade levantam os braços com punhos cerrados e gritam DUCE, DUCE, diversas vezes, terminando em uma grande confusão). O fato é que, durante uma noite, Mario e seus amigos fascistas haviam combinado colocar fogo no carro novo de Manrico, que lhe confidencia o fato. Os dois estão conversando dentro dele, mas Accio não acredita no que é dito e sai batendo a porta. Manrico reclama que ele vai estragar o carro e Accio responde que não faz mal, pois vai ser queimado mesmo! Entretanto, quando Mário chega com seus militantes, é surpreendido pelo jovem irmão que se encontra dentro do veículo, guardando-o, caso haja alguma ocorrência. Ele o defende com unhas e dentes dos fascistas, que prometem não incendiá-lo, mas ao dar as costas ouve uma explosão. Esse fato faz com que nosso herói rasgue sua carteirinha e se torne comunista para alegria de toda a família. Muda de partido, mas sua constância partidária continua a mesma, ou seja, TOTAL. Ele não sabe se doar pela metade, tudo em Accio é exuberante e apaixonado! Algumas cenas políticas engraçadas e sérias ao mesmo tempo continuam acontecendo. Temos, nesse instante, toda a família e Francesca que agora mora na cidade de Turim, em Roma, para um concerto (comunista) de música de Beethoven. Lá está a nata do comunismo, que segundo eles, é uma doutrina flexível como a música, e por isso algumas adaptações serão feitas na peça desse gênio surdo! Violeta, já formada, tocará violoncelo. Accio encontra Francesca no recinto e ficando feliz diz que ela está um pouquinho mais gorda, mais bonita. Durante a execução da excêntrica apresentação ouvimos um coro que canta:“ Hitler, Mao Tsé-tung, Marx, Lenin (e outros) marcharam em direção ao Sol”, entretanto um bando de fascistas (ex-amigos de Accio), invade o teatro e joga panfletos reacionários em cima das cabeças dos convictos comunistas. Uma confusão sem igual sucede no local, todos se esbofeteando, se esmurrando, se xingando e acabando em prisões. Agora, Accio se encontra em um parque, após o ocorrido, com Francesa e lhe dá um beijo, mas ela o repele bruscamente e diz estar grávida de três meses de seu irmão, que não aceita o fato. Nesse momento Manrico chega e os três jovens se comprazem, abraçando-se e se vendo como uma verdadeira linhagem. Em uma noite, Manrico atira na perna do diretor da fábrica para ficar com sua valise cheia de dólares e ajudar na revolução. Seu irmão desaprova, mas pede que ele fuja para o norte da Itália e continue sua luta. Encontrando Bella, sua amante, acaba com o relacionamento e pergunta por Mário, que já saiu da prisão e sabendo do caso deles prometera matá-lo. Apesar da seriedade do assunto é uma cena muito espirituosa, pela expressão dos ótimos atores. Passa-se o tempo, sua mãe e outras mulheres do povo, apesar de protestarem no “partido da casinha” não conseguem nada. Os meses correm e acidentalmente Accio vê a mulher de seu irmão com seu filhinho no carro. Abismado por ela estar afastada a muito tempo de Manrico, tenta consolá-la, mas quando Francesca o convida a morar em Turim e levar o sobrinho para brincar no carrossel, Accio se zanga e reponde que “apesar de ter uma vida de merda, é a vida dele”. Dois anos já se passaram, Mário morreu de enfarto durante uma briga com nosso herói, o qual considerava como seu filho de convicções, traidor político. Accio recebe pela primeira vez um telefonema de Manrico. Ele pede para que Accio pegue a sacola com o dinheiro do crime e a leve, urgentemente, para Turim, no bar Secco. O rapaz, que presentemente já é um geógrafo formado, parte para encontrar o irmão. Antes de ir ao bar telefona para seu apartamento e é Francesca quem atende e desliga ao ouvir sua voz. Novamente liga para perguntar onde está Manrico, pois ele ainda não chegara ao bar Secco. Ela responde que há dois anos não o vê, que ele a abandonara. Logo após essa cena, vemos os dois irmãos se abraçando e dizendo palavras de carinho e amor. Em um relance, Manrico vê Francesca chegando, e atrás dela alguns homens, que dizendo ser da polícia, apontam suas armas e matam nosso comunista, que havia sumido para preservar a vida de sua mulher e seu filho. Fechando o filme, Accio aparece, de costas, segurando o sobrinho pela mão e o levando para a casa de seus pais, que ao saberem da notícia choram a perda do filho, mas são compensados pelo netinho que não conheciam e pela presença de Accio. Uma janela é quebrada, um compartimento é estilhaçado e Accio está dentro da loja do Partido das Casas Populares. Pegando os fichários e todas as chaves das casas que já estão prontas, mas não serão nunca entregues, liga para sua mãe e todas as mulheres inscritas, apesar de ser tarde da noite, convocando-as e seus familiares a comparecerem, em grupo, para tomarem posse de seu maior bem. Vemos uma série de casas, a beira mar. Depois vemos Accio, na varanda, recebendo a brisa marítima e o sol no rosto, mais um flash e seu rosto todo, lentamente, é seguido de outro, mostrado apenas em seu quarto, que não pode ser identificado. Por fim, cada um deles é mostrado pela câmera que não tem pressa em passar. Trata-se do semblante de Accio e em seguida o rosto de um menino sorrindo, com seus dentinhos caninos apinhados, seu sobrinho... Assim Accio vingou a morte de seu irmão e garantiu a unidade de sua família e de tantas outras, o que tanto prezou a vida toda!


Avaliações
Meu Irmão é Filho Único, dirigido pelo ótimo diretor Daniele Luchetti, de 48 anos, foi baseado no livro de Il Faciocomunista de Antonio Pennachi. Os atores são ótimos dando vida e grandeza à história. O diretor relata em uma entrevista ao Estado de S. Paulo que: “Filmamos como se os eventos fossem reais. A conseqüência foi essa sensação de coisa verdadeira, além de um frescor e um comprometimento pessoal de todos que me permitiu dispor de um material muito rico para montagem”. Os personagens variam do trágico ao cômico, sem nunca perder o seu fio condutor. Vivas ao novo cinema italiano.
Um pouco de história – Hittler apóia o fascismo italiano e em 1939 firma com Mussolini um pacto de ajuda militar, formando junto com o Japão o eixo Roma-Berlim-Tóquio. Depois da derrota na guerra, Mussolini é executado. Em 1946 o rei Humberto abdica. O primeiro partido, pós guerra, foi o democrata-cristão. Em 1947 novo governo comunista-socialista. Em 1948 quase chegam à guerra civil. Em 1963 Aldo Moro, democrata cristão, forma um partido de coalizão com 4 partidos, sendo ele o primeiro ministro. Isso se passa há um ano após o início do filme. Daí vemos todas as divergências políticas e atos de brutalidade. No final dos anos 60 e início dos 70 ocorrem diversas coalizões governamentais, com curta duração. A péssima situação política, econômica e a onda de seqüestros assolam o país. Enrico Belinguer do Partido Comunista passa a ser secretário geral. A violência e anarquia se tornam mais virulentas e terroristas de extrema esquerda iniciam uma série de ataques – As Brigadas Vermelhas. A situação passa a mudar discretamente a partir de 1981.

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