quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O ASSASSINATO DE JESSE JAMES


de Andrew Dominik
Este é um filme que poderia ser chamado de saga. Mas uma saga psicológica, após a Guerra da Secessão na América do Norte (1861-1865) É um filme de rostos, de faces enigmáticas, de cores claras, verde acinzentado, branco, preto, um pouco de cor terra e de muita introspecção. O competente diretor Andrew Dominik faz uma excelente adaptação do romance homônimo.
O mais famoso bandoleiro americano dessa época é Jesse James da família James. São os irmãos mais famosos do oeste americano por serem implacáveis e jamais se deixarem prender. James é descrito pelo povo como bonito, de olhos azuis penetrantes, inteligente, vigilante, astuto, cruel, gregário e inclemente. Durante os primeiros momentos do filme você comprova todos esses adjetivos e, pela atuação brilhante de Bred Pitt, é forçado a concordar. Vemos então a sucessão das mais variadas expressões: medo, vigilância, desprezo, atenção absoluta. Os irmãos James acampam perto de uma estrada para realizar seu último roubo. Será um trem com passageiros. Auxiliados por alguns caipiras da região e alguns primos, montam uma emboscada, durante a noite, para pararem o trem. O assalto é bem sucedido e assistimos ao comportamento violentíssimo de Jesse que mata e antes de matar avisa às vítimas dos seus destinos e se compraz com a angústia delas esperando demoradamente pelo desfecho cruel e sanguinário. Esses avisos da morte próxima e da angústia atroz de suas vítimas é que fazem a grande diferença para Jesse. Ele gosta disso e se sente muito mais poderoso como dono total dessas vidas, que não serão poupadas. Mas qual a razão de tanto desencanto e desprezo com as vidas humanas? Aí, o narrador do filme informa-nos que sua família fora dizimada, durante a Guerra da Secessão, e ele jurara vingança contra as pessoas e o governo americano. Sulista que era, temos, então, outro componente, o político. A somatória dos dois é muito pesada e forte. Jesse tem uma família amorosa, mulher e dois filhos (um garoto e uma menina), belas casas, das quais se muda sempre devido aos assaltos. Veste-se primorosamente bem, este é um detalhe marcante na sua personalidade. Resumindo, quase duas vidas: da criminalidade e do homem carinhoso e elegante. Durante a preparação do roubo do trem, Jesse é assediado por um jovem de dezenove anos. Um jovem inseguro, todavia persistente. Adulador consegue despertar a vaidade em Jesse, que o aceita como parte do bando. Bob Ford também vem de uma família de foras de lei, a família Ford, que em nada lembra a ferocidade dos James. Bob é interpretado por Casey Affleck, que rouba o filme, tal o seu desempenho postural e facial.
Desde a infância, Robert se entrega, como muitos americanos desencantados, às aventuras de Jesse e o idolatra, tendo, mesmo, uma caixa repleta de revistas baratas com as aventuras de seu maior e único ídolo. Após o assalto, James separa-se do bando, mas intuindo algo, leva Bob para sua casa, que o venera e observa cada detalhe de sua fala, cada maneirismo, cada gesto, retendo na sua memória todos esses detalhes, como querendo incorporá-los: ser o próprio Jesse James. Ao perceber algum gesto perigoso do rapaz, o manda de volta para casa. Bob, mesmo ignorado, se sente grande e importante pela proximidade com seu herói e começa a desenvolver uma autoconfiança que não existia, pois era sempre tratado com menosprezo pela família e amigos. À medida que se mostra mais obstinado e seguro, se desencanta gradativamente do mito. Já não basta ser parecido com James, quer ser adorado e reconhecido como ele. Neste momento da história, James já matou todos os seus comparsas, temendo que eles o delatem à polícia. Essas verdadeiras caçadas são cruéis. Encurralados como animais estão conscientes da morte que os aguarda, mas não sabem o momento exato em que ela ocorrerá. É o trunfo do filme. A perseguição e a morte anunciada, mas prolongada para produzir maior sofrimento e maior prestígio para o mito! Contudo Jesse está num rodamoinho de dores e sofrimento interno, está no auge de uma crise existencial. Numa das cenas pergunta ao seu caçado se já havia pensado em suicídio a que ele responde que há saídas mais honrosas e que a vida sempre vale a pena ser vivida.
Jesse cai desesperançado, sua vida não tem mais sentido. Simulando um novo assalto a um banco, convida Bob e seu irmão para compartilhar do roubo. Assustados, pois são os únicos que ainda não morreram, se vêem forçados a concordar. Começam as mais espetaculares cenas de perseguidor e perseguidos. Os três personagens sabem muito bem qual será o desfecho, mas ninguém assume o fato. O desempenho dos atores é fantástico. Os medos, os risos nervosos contidos, a vigilância mútua serrada, o ápice da vulnerabilidade de cada um. Nesse momento, encontram-se todos morando na mesma casa, no chalé de Jesse James. Vendo que toda a sua força foi esgotada e que a polícia está bem perto, Jesse provoca sua morte, pois o suicídio ou cadeia seria sua maior desonra junto ao povo que o admirava. Seria o fim do mito! Tirando suas armas, se posta de costas aos irmãos Ford, alegando que a gravura emoldurada está empoeirada. Sobe em uma cadeira para limpá-la e, observando através do reflexo do vidro, dá o tempo necessário para que eles percebam que essa é única oportunidade para livrarem-se dele. Os dois, sob fortíssima tensão, apontam a arma para James, que vê o exato momento de sua morte.
Sua casa se transforma em museu, seu funeral é colossal e até seu retrato, morto, é vendido aos milhares pelo país. O fim do homem não do herói! Anteriormente, Bob havia feito um acordo com a polícia e o governo para ajudar a caçá-lo. Agora era a sua vez de ser o grande mito americano de ser reconhecido, amado, aplaudido. Fisicamente parecido com ele, espera toda a glória que não vem. Sem perspectivas, passa a atuar, juntamente com o irmão mais velho, numa peça de teatro em que mostra como matou Jesse James. Após novecentas performances, se desentende com um espectador, que o chama de covarde, e a partir dessa briga começa a beber e a atormentar-se. Mais velho, compra um bar com o dinheiro da recompensa, todavia continua infeliz, os indivíduos não o perdoam e talvez ele mesmo não se perdoe. Assassino de um ídolo! A trilha da vida se repete. A família James foi assassinada, James foi assassinado e agora chega a hora de Bob. Um lunático, pobre e sem destino pega uma espingarda, coloca a munição e entrando no bar, bradando por Bob, desfecha um tiro certeiro no rosto de Robert, cujo irmão também já havia se suicidado, vitimado pela amargura e culpa. Esta é a triste saga dos nossos pobres heróis foras da lei! Não conseguiram resistir às próprias consciências!

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